Magda Kiehl comanda o programa WAAG e é diretora Jurídica de Riscos e Complains para a AccorHotels nas Américas e Caribe
(foto: Giulia Ebohon)

Se consultarmos algumas páginas da história do Brasil, é possível notar a entrada tardia das mulheres no mercado de trabalho, quando comparadas aos homens. De fato, as mulheres deram seu primeiro passo para além dos muros de casa no início do século XX – isso sem considerar as submetidas ao regime escravocrata – deparando-se com um cenário político e econômico até então cunhado por figuras masculinas. Na época, a polarização dos papéis atribuídos para os dois gêneros era clara e naturalizada. Ao homem o espaço público, enquanto à mulher o ambiente privado. Um sustenta a família, enquanto o outro cuida da família.

Mudanças estruturais, mas, sobretudo, a mobilização das mulheres para a conquista de direitos até então concedidos com exclusividade ao homem, reduziu o abismo entre os dois. Contudo, como quem chega atrasado a uma cerimônia, às mulheres ainda são relegados papéis secundários, distantes de posições representativas e “dignos” de salários menores.

No Brasil as mulheres são maioria da população, respondendo por 51,7%  dos habitantes, conforme dados da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, divulgada pelo IBGE em 2013. Apesar da maior fatia, elas também são maioria na população não economicamente ativa. Em 2009, em média, eram 10,6 milhões de mulheres na força de trabalho, sendo 9,6 milhões ocupadas e 1,1 milhão desocupadas, de acordo com a PME (Pesquisa Mensal de Emprego) do IBGE, referente a 2009.

Considerando as atividades que possuem maior concentração de mulheres, o levantamento destacou que nas áreas de Indústria, Construção, Comércio, Serviços prestados a empresas e Outros serviços, elas eram minoria. A participação delas era maior nos grupamentos que incluíam a Administração Pública e nos Serviços domésticos, neste último era quase maioria absoluta.

A conquista de autonomia e independência pelas mulheres representa um largo caminho na história mundial, ainda assim esse percurso permanece em construção.

Percebendo o grande contingente de mulheres em sua empresa, porém poucas em cargos representativos e, reconhecendo os obstáculos que se impõem as que desejam crescer profissionalmente sem abrir mão de ter e cuidar de sua família, a AccorHotels trouxe ao mercado hoteleiro uma iniciativa que busca encorajar suas profissionais a atingirem cargos de liderança.

O Programa

Criado em 2012, o WAAG (Women at Accor Generation)  é um programa global adotado pela empresa para incentivar a cultura da diversidade em todos os níveis, especialmente nos cargos mais estratégicos dentro da organização. A iniciativa surgiu na França e depois foi disseminada para outros destinos do grupo.

Exemplo de uma mulher que ocupa um cargo de liderança, Magda Kiehl além de comandar o programa WAAG é diretora Jurídica de Riscos e Complains para a AccorHotels nas Américas e Caribe. Com um escritório cheio de livros e premiações, a executiva falou com orgulho sobre como é estar à frente de um programa que contribui para mulheres traçarem caminhos semelhantes ao seu.

"Percebemos que havia poucas mulheres em cargos de gerência. Tínhamos muitas profissionais na base, mas poucas no nível gerencial para cima. Então houve toda uma preocupação de investigar essa tendência em outros países. Chegou-se a conclusão de que era importante sim organizar e investir em iniciativas que promovessem o desenvolvimento das mulheres dentro da Accor", afirmou.

O projeto incentiva uma interação entre colaboradoras e executivos em cargos de grande visibilidade. Por meio de um processo seletivo um grupo de mulheres de determinado hotel é escolhido e, durante um período de nove a doze meses, elas são mentoradas por diretores ou gerentes sênior de outras unidades da rede. 

"Soltamos um comunicado para um público definido – aqui no Brasil é gerencial médio alto – pedindo para as mulheres que tiverem interesse no programa preencherem um questionário. O questionário vai ser importante para sabermos a motivação de cada uma. Em seguida, o cadastro é encaminhado para o RH e aí eles fazem um primeiro crivo. Escolhemos mulheres mais envolvidas com a empresa, com pelo menos dois anos de casa”, detalhou.

Antes de darem continuidade ao processo, as inscritas passam por uma segunda seleção, desta vez pelo gestor da unidade onde trabalham, que irá definir quais estão melhor preparadas para participar. Passada essa segunda etapa cabe a Magda e sua equipe determinar quantos mentores estão disponíveis e fazer as combinações que parecem promissoras. 

“Buscamos juntar pessoas da mesma região ou que vão com frequência para o lugar. Esse mentor de preferência deve ser de outro hotel e de outro segmento. Por exemplo, uma gerente do ibis com um diretor do Mercure”.

Magda Kiehl, diretora do WAAG América do Sul, apresenta 1º Fórum WAAG da AccorHotels
(foto: Giulia Ebohon) 
 

Sem desemparo, as duplas contam com todo um processo de acompanhamento externo que dá sustentabilidade para o WAAG, como a checagem da frequência de encontros realizados, acompanhamento das metas e, ao final, uma pesquisa de aproveitamento que permite as colaboradoras um feedback sobre a experiência. “Existe uma flexibilidade, mas também damos respaldo para os objetivos do programa”.

Para Magda, o mentoring é um dos pilares mais importantes dentro do programa, pois permite a troca de experiência e dá perspectivas para mulheres com dúvidas sobre sua carreira. O programa, nesse caso, não garante uma mudança de posto e sim fornece ferramentas para que as mulheres se atualizem e possam transmitir possíveis inquietações.

“O mentoring não é um coaching, o mentoring é a possibilidade de um mentorado discutir com um profissional sênior coisas relativas a carreira, momentos de transição, até coisas pessoais como maternidade. Isso vai ajudá-la a repensar sua carreira e a conciliação da vida familiar com a profissional”.

O Brasil foi o primeiro país da América do Sul a adotar o mentoring. Já na segunda edição do programa a estratégia abarcou todo o continente, contabilizando 16 pares de mentores e mentoradas em 2015. “Foi um período de consolidação do WAAG. Também criamos os Champions, que são como nossos braços dentro dos hotéis, eles são responsáveis por desenvolver o programa em sua unidade. Demos uma relançada no programa para chamar mais membros. Homens e mulheres – tivemos uma linha de 500 pessoas envolvidas”, ressaltou.

Além do mentoring, o WAAG engloba um conjunto de ações globais ou de cada unidade voltadas especialmente para colaboradoras, como workshops e palestras com temáticas femininas. Um exemplo dessas ações foi o 1º Fórum WAAG da AccorHotels, que ocorreu no ano passado.

Metas e Resultados
A meta do WAAG é que a AccorHotels tenham entre sua população de colaboradores pelo menos 35% de mulheres em cargos de gerência. Na América do Sul o programa é vigente, além do Brasil, na Argentina, Uruguai, Chile, Colômbia e Peru.

De acordo com a executiva, o Brasil sempre teve uma população acima dos 40% de mulheres em cargos de liderança, por isso, ele vem correspondendo ainda mais às expectativas. Hoje 50% de mulheres é gerente no País. Em contrapartida, países como Chile e Colômbia ainda precisam de reforço. Antes de adotarem o programa, apenas 18% de mulheres estavam em cargos representativos. 

“Mas também temos que considerar o tamanho das operações. No Brasil temos 233 hotéis, na América Hispânica mais 33 hotéis”, explicou.

Em outubro do ano passado o WAAG foi contemplado pelo prêmio do “Women Cambridge at Law”

“Em alguns países, não no Brasil, mas na América Hispânica, eu fui questionada porque não tinha um programa para homens também. A gente explicou que no momento quem está precisando mais é a mulher. Os homens são super bem-vindos, e ajudam muito no programa, mas nesse momento, precisamos aumentar o número de mulheres em caro gerencial”.

Considerando que grande parte dos colaboradores da AccorHotels são mulheres, fica subentendido que há alguns fatores que impedem o crescimento dessas funcionárias dentro da empresa. Sobre isso Magda afirmou que as mulheres, em qualquer profissão, tendem a ir bem até certo ponto, depois vão surgindo outros fatores que tiram o foco da carreira.

“A questão familiar para mulheres é muito importante, temos que considerar isso. Na hotelaria a mulher tem que viajar muito, pois é uma profissão com muita mobilidade, se tornando um desafio grande, por causa do marido, dos filhos. Então mulheres muito bem preparadas acabam perdendo oportunidades, muitas vezes abrem mão de promoção por causa da questão familiar. São pesquisas que mostram isso. Algumas conseguem administrar essa necessidade de construir uma família com a carreira profissional, mas tem outras que não conseguem.”

Para Magda, o WAAG surge como forma dar sustentabilidade para mulheres que se deparam com essa apreensão. O grande desafio que se coloca, é de abarcar todas as unidades entendendo a realidade de cada país. Ainda que desafiador, empenho e motivação são citados como a base para o bom trabalho que vem dando frutos.

“A empresa tem um papel muito de importante de prover algumas coisas para garantir certos confortos para a mulher, assim ela pode deslanchar.  Pensando nisso estamos criando um programa de maternidade para este ano. Não temos nada certo, queremos ver como podemos prover certas coisas para nossas mulheres para que tenham mais conforto. Eu, Magda falando, acredito que não tem como não fazer isso,  é a forma que temos para deslanchar a carreira delas”.

Para os próximos anos a perspectiva é intensificar as ações voltadas para as mulheres e firmar parcerias com outras organizações com abordagem semelhantes.

“Queremos manter o mentoring, que é nosso carro chefe e ao mesmo tempo potencializar o networking contando com apoiadores de vários movimentos femininos e convidá-los também para parcerias”.

Em paralelo a isso, o WAAG deve ser aprimorado por outras ações, como um novo projeto com foco nas hóspedes. “A gente já identificou tudo que é relevante para nossas hóspedes mulheres, então estamos adaptando nossos hotéis com as questões que foram levantadas. Temos um grupo que está focando nisso junto com o departamento de operação. A ação já está em andamento, mas será mais alinhado neste ano.

Ainda em 2016, a equipe do WAAG vai ajudar na implementação do mentoring na orgnização PWM (Women at Work), e deve colocar no papel uma iniciativa que busca auxiliar suas funcionárias no pré e pós-natal.

“Quando eu aceitei entrar para o programa, eu sabia que ia aumentar minha carga de trabalho, isso toma muito do meu tempo, naquele momento eu pensei que se eu fosse pegar eu tinha que fazer com muita paixão e dedicação. Eu peguei, acreditei na causa e botei muita paixão nisso. É um programa que vai muito além da empresa”, concluiu.

Serviço
www.accorhotels-group.com