O gerente geral que salvou 1.268 vidas
15 de agosto de 2005
Cartaz do filme para exibição no Brasil
(fotos e imagens divulgação)
(Claudio Schapochnik) Estréia nos cinemas nesta sexta (19) um filme obrigatório pela história que descreve e pelo significado: Hotel Ruanda (Hotel Rwanda), do diretor irlandês Terry George. Distribuído no Brasil pela Imagem Filmes, a película trata de um dos mais terríveis genocídios do século XX, ocorrido há apenas 11 anos. No espaço de 100 dias quase um milhão de pessoas foram brutalmente assassinadas, tiveram seus bens queimados e/ou pilhados e, muitos deles, antes de morrer, foram humilhados, torturados e estuprados. Mas qual foi o motivo de tanta violência, de tanto ódio? O “crime” dessas vítimas foi ter nascido pertencente à etnia tutsi. Só isso. As mortes foram perpetradas por extremistas de outra etnia do país, os hutus, com o apoio do governo. E mais: eles também massacraram todo e qualquer hutu moderado que tentasse impedir a matança.
O gerente geral Paul Rusesabagina (esq), interpretado por Don Cheadle (dir), que atuou, entre outras películas, no recente Onze Homens e um Segredo
Em paralelo ao genocídio, o mundo, naquela época, fechou os olhos para a tragédia apesar da presença de tropas da Organização das Nações Unidas (ONU) no país. Certamente isso colaborou para o “sucesso” das operações de assassinato em massa.
Nesse cenário de violência extremada, com o mundo ignorando o banho de sangue, um homem do bem, corajoso e dono de um coração imenso desafiou a tudo e a todos para uma das maiores missões do ser humano: salvar vidas.
Ele se chama Paul Rusesabagina, interpretado por Don Cheadle, que era o gerente geral do hotel Des Mille Collines, localizado na capital de Ruanda, Kigali, quando o conflito começou. Próximo de políticos e autoridades, Rusesabagina usou todos os contatos que podia para alertar o mundo sobre a situação.
A esposa e os três filhos de Rusesabagina, em cena de
Hotel Ruanda: testemunhas do horror étnico
Por que fazer o filme?
“Essa era uma história que precisava ser contada, que tornaria as audiências ao redor do mundo conscientes de um evento que, para nossa total e enorme vergonha, nos era totalmente desconhecido”, afirmou o diretor do filme, Terry George, o mesmo de Em Nome do Pai, a sua primeira produção para o cinema. “Mas, mais do que isso, permitiria ao público sentir o amor, a perda e a coragem de um homem que poderia ter sido qualquer um de nós, se é que conseguiríamos encontrar tamanha coragem. Eu sabia que, se abordássemos a história corretamente e a produzíssemos, todos os expectadores do mundo se entusiasmariam com um autêntico herói africano que lutou para salvar vidas em um inferno que supera a imaginação”, completou Terry.
Sim, é verdade: trata-se de “um inferno que supera a imaginação”. Imagine seu vizinho ou seu colega de trabalho, ao ser contagiado por uma propaganda e/ou por milícias, entrar em sua casa e matar a todos, sem dó, sem piedade. Você acha isso loucura ou não consegue imaginar? Pois, infelizmente, foi verdade na pobre Ruanda em 1994.
O gerente geral no filme: de fato, um herói
“Foi um desafio muito assustador para todos nós que estivemos envolvidos com Hotel Ruanda, mas esse mesmo desafio, ao mesmo tempo, revigorou todos que trabalharam no filme, desde nosso elenco brilhante até a equipe de extras que levantavam de madrugada nos distritos, de Johannesburg, de Alexandra e Tembisi, para nos ajudar a contar essa história chocante. Orgulho-me de todos que trabalharam nesse filme e me sinto honrado por ter tido a chance de contar a história de Paul, Tatiana, da família deles, e das pessoas de Ruanda. Eu apenas espero ter feito justiça aos feitos desse herói”, comentou o diretor Terry George.
Bandeira de Ruanda
Em Janeiro de 2003, Terry George viajou a Ruanda para reunir informações sobre a história do país e familiarizar-se com ele. “Eu também estava procurando por respostas”, afirmou o diretor. “Por que ocorreu o genocídio? Por que tantas pessoas foram assassinadas durante o período de 100 dias, no genocídio mais rápido da história contemporânea? Também queria conhecer as pessoas de Ruanda e ouvir suas histórias.” Em sua visita, George foi acompanhado por Paul Rusesabagina. Foi a primeira vez que Paul retornou a Ruanda desde aquelas atrocidades.
“Foi um privilégio indescritível visitar Ruanda com Paul”, conta George, “e ver o amor e a admiração que as pessoas sentem por ele. Quando voltamos ao hotel Des Mille Collines, encontramos muitos dos sobreviventes, cozinheiros, faxineiras, pessoas que Paul havia abrigado. Em seus olhos havia uma alegria verdadeira.”
Ruanda fica bem no centro da África
(mapa www.about.com)
O país
Localizada no centro-leste da África, Ruanda faz fronteira com a República Democrática do Congo, o Zaire, Uganda, a Tanzânia e o Burundi. O governo é considerado uma república, presidencialista e multipartidária. O sistema legal baseia-se no sistema de leis alemão e belga e lei comum.
Em julho de 2004, a população do país era de 7.954.013. É o país mais densamente populoso da África e 84% é considerada hutu, 15% tutsi e o restante tvás/pigmeus (1%). O analfabetismo gira em torno dos 30% e 60% da população se encontra abaixo do limite da pobreza.
Serviço
Site oficial do filme
www.hotelrwanda.com
Site do hotel Des Mille Collines
www.millecollines.net
Site oficial do país
www.gov.rw
Paul Rusesabagina em Hotel Ruanda
Conheça mais sobre Paul Rusesabagina
Paul Rusesabagina nasceu em 15 de junho de 1954, em Murama-Gitarama, no centro-sul de Ruanda, e seus pais eram fazendeiros. Em 1962, ele entrou para a Escola Missionária SDA (Adventista do Sétimo Dia), de Gitwe, onde estudou por 13 anos (sete anos de escola primaria e seis anos de ensino médio).
De 1975 a 1978, Rusesabagina freqüentou a Faculdade de Teologia em Cameroon e, em janeiro de 1979, foi contratado pelos Hotéis Sabena como gerente de escritório do recém-inaugurado Hotel Akagera, no Parque Nacional de Akagera. Foi nessa época que aprendeu sobre turismo, hotelaria e indústria de catering.
Por meio do consulado suíço, sua aplicação foi aceita para entrar em Kenya Utalii College, em Nairóbi, capital do Quênia, no curso de gerenciamento de hotel, no qual iniciou no começo de 1980, e terminou em setembro de 1984, na Suíça.
Foto atual do hotel onde o gerente geral Paul trabalhou, com a logomarca
do empreendimento: cenário da salvação
De volta da Suíça, ele retornou aos Hotéis Sabena, sendo contratado como assistente geral de gerência no hotel Des Mille Collines, de outubro de 1984 a novembro de 1993, quando foi promovido a gerente geral do Hotel Diplomate, também em Kigali. Devido a problemas regionais, só pode assumir sua nova posição em março de 1993.
Durante os 100 dias do genocídio, Rusesabagina teve de se mudar de volta para o hotel Des Mille Collines. Seu colega Bik, gerente geral daquela unidade, deixou Kigali em 11 de abril de 1994, às 17h, apesar do número de refugiados ainda abandonados. Na manhã seguinte, 12 de abril, quando a sede do governo (governo interino) passa de Kigali para Gitarama, Rusesabagina permanece em Kigali por quase todo o período do genocídio.
Quando o massacre começou a se acalmar um pouco, em julho de 1994, Bik assumiu sua antiga posição, e Rusesabagina retornou ao Hotel Diplomate, onde ficou até setembro de 1996. Depois, ele foi para Bélgica como refugiado. Daquela época até hoje, Rusesabagina trabalha no ramo empresarial e é dono de uma transportadora.
Livros descrevem o horror do genocídio ruandês
Capa dos dois livros sobre o genocídio,
ambos da editora Companhia das Letras
O livro está esgotado, segundo informa a editora no site. Mas, com sorte, garimpando em sebos ou mesmo em livrarias é possível encontrá-lo. A obra é excelente, escrita com sensibilidade e mostra todo o horror do fato, com depoimentos de perseguidos e protagonistas, além de dar um amplo panorama histórico da questão.
O outro livro é Uma temporada de facões, lançado recentemente, de Jean Hatzfeld. É a segunda publicação dele sobre o tema, pois em 2000 ele lançou, sem tradução no País, Dans le nu de la vie, onde registrou o testemunho das vítimas sobreviventes. Em Uma temporada de facões, Hatzfeld ouve os matadores.
Jean Hatzfeld nasceu em 1949, em Madagascar, e cresceu na França. Foi correspondente de guerra no Libération e hoje se dedica exclusivamente aos relatos do genocídio em Ruanda. Publicou L’air de la guerre (1994), sobre o conflito nos Bálcãs, e La guerre au bord du fleuve (1999), romance inspirado em sua experiência nas frentes de batalha. Uma temporada de facões ganhou o prêmio Femina de melhor ensaio e o prêmio Joseph Kessel. Na França, vendeu 50 mil exemplares em um mês.