Fachada do Grande Hotel São Pedro – Hotel Escola Senac
(fotos: Dênis Matos e Karina Brandão)

As águas terapêuticas que ainda hoje circulam nas galerias do Grande Hotel São Pedro – Hotel Escola Senac, no estado de São Paulo, remetem à história do município de nome homônimo no qual o hotel figura.

Nos idos de 1930, o estado paulista vivenciava a decadência da cultura do café, motivada em parte pela quebra da bolsa de Nova York – o que levou inúmeros municípios do estado à situação de “cidades mortas”. Quando o empresário Octavio Moura Andrade detectou nas fazendas decadentes do entorno a presença de águas terapêuticas, encarregou-se de encomendar a construção de um hotel de luxo numa região sem perspectiva imediata de futuro.

Já na inauguração do Grande Hotel São Pedro a imprensa fez questão de frisar que ali nascia um “transatlântico no meio do deserto” – o que não deixava de ser verdade.

A clássica escadaria ainda conserva 
ares do século passado
 
Ao se deparar com isso, o empresário traçou planos para superar o problema, idealizando um município completo junto ao hotel. Assim pariu-se Águas de São Pedro. Octavio tratou de trazer turistas à recém-inaugurada cidade, além de cientistas e acadêmicos para pesquisar as águas das fontes locais. E a coisa funcionou. Hoje, 70 anos depois, já com a presença do Senac na gestão do hotel, o perfil visionário, versátil e empreendedor de Octavio Moura Andrade está transposto nos 330 mil metros quadrados do Grande Hotel.
A imponente escadaria do saguão de entrada, o salão de refeições e a sala de sinuca do hotel-escola mesclam o clássico ao moderno, o empreendedorismo ao lazer, o sonho à realização – levando o visitante a paradoxos constantes.

Numa conversa com o Hôtelier News, Paulo Mélega, atual gerente geral do Grande Hotel São Pedro, contou um pouco dessa trajetória de sucesso, decadência, crise e renovação – falando de um passado imprevisível que se consolidou num presente de bons frutos.

Por Dênis Matos

Paulo Mélega: “Poucos hotéis na cidade de
São Paulo têm uma estrutura como a nossa”
Hôtelier News: Este ano o Grande Hotel comemora 70 anos. Qual é a análise que você faz por estar vivenciando um momento tão importante?
Paulo Mélega: Poucos hotéis do Brasil chegam a essa idade sem nunca ter fechado as portas. Isso por si só já é um fato raro. É um hotel de muita história, que já passou por vários momentos de glamour, de auge, de decadência. Até que o Senac assumiu, em 1969. Este é o primeiro hotel-escola do Senac São Paulo. Ele é precursor em várias coisas.

O Moura Andrade foi um idealista, inventando este hotel e esta cidade numa época em que isso aqui era longe de tudo. Uma estrutura grandiosa no meio do nada. Esta é até uma curiosidade, ele se chama Grande Hotel São Pedro, e não Águas de São Pedro. A gente brinca que aqui estamos num principado, só fazemos divisa com São Pedro. É um hotel que, depois que o Senac assumiu, sempre foi reestruturado. O Senac sempre investiu.

Há quatro anos iniciou-se um processo que chamamos de reposicionamento mercadológico, envolvendo uma porção de fatores, entre elas a reestruturação física do hotel e a ampliação. Vou falar das coisas mais emblemáticas: as reformas do quartos, o campo de golfe, a Vila do Golf, são alguns símbolos dessa reestruturação. Ela tem vários ganchos: um é físico, outro é o reposicionamento da área comercial, onde mudamos tudo, com mídia na internet, contratando uma empresa de comunicação.
 
Nós aproximamos os dois hotéis-escola do Senac, por isso só fazemos campanhas juntos à unidade de Campos do Jordão. Temos propostas, uma estratégia muito bem definida. Ganhamos competitividade, com uma política comercial muito mais eficiente. A diária média do hotel, em três anos, aumentou 65%, o que é um número extremamente expressivo.

O saguão ao lado do restaurante principal é um dos locais
que foram reestruturados na gestão de Paulo Mélega
 
Na parte de serviços, trouxemos uma série de inovações também. Por exemplo os workshops gastronômicos que fazemos, que passam pela parte de serviços e interação com o hóspede. Isto foi uma maneira de o hotel enfatizar, além da interação com o hóspede, a função do hotel-escola. Temos monitores, temos bons profissionais aqui, temos estrutura, com laboratórios de gastronomia que nenhum outro hotel tem. Nós fazemos eventos onde os hóspedes pilotam o fogão. Fazemos workshops de risoto, de petit gâteau, de massas, de quiche, cada vez com um tema. E os hóspedes gostam muito, pois não é uma aula em que se ensina algo, mas sim participa-se. Isto faz com que o hospede conheça a estrutura da faculdade.
 
E esta é a função do hotel-escola. Nós acreditamos que o hotel tem a obrigação em dar oportunidade para que o hóspede saia com algum aprendizado. Pode ser sobre bebidas, pode ser sobre gastronomia, pode ser um workshop fotográfico.

HN: Hoje o hotel se sustenta?
PM: Operacionalmente sim. Acreditamos que tem de ser assim. Às vezes o hóspede reclama que cobramos caro, mas nós cobramos o que vale. Se está cheio é por que vale. Nós acreditamos que um hotel escola, onde o aluno vem para a prática profissional, deve ser bem administrado. Então ele tem que dar lucro até por motivos acadêmicos. Ele deve ser bem gerido, e bem gerido quer dizer dar lucro. É claro que nossos investimentos vêm do Senac. E o hotel está realizando um grande investimento para gerar novo ciclo.

 
 
Parte externa das acomodações da Vila do Golf

No entanto, os apartamentos nós não aumentamos. A única expansão em número de apartamentos foi a Vila do Golf. Muitos perguntam: por que vocês não querem expandir mais? Porque acreditamos que uma das características de nosso serviço é o acolhimento. Eu chamo isso de hotel-boutique.

Num hotel com 500 apartamentos você não tem isso. É um resort-boutique, pois você tem de tudo, tem muitas áreas, tem estrutura de lazer, mas ao mesmo tempo tem características de um hotel-boutique, de um hotel pequeno. O hotel está cheio e ainda assim você não vê tanta gente circulando.
 
A frequência dos hóspedes no enorme campo de golf
 foi o que possibilitou a criação da Vila do Golf
 
HN: Vocês comentaram sobre reforma nos quartos. Quando isso vai ficar pronto?
PM: Nós iniciamos a reforma em 16 de agosto. Vamos reformar 41 apartamentos. Em 20 de outubro eles estarão prontos. Tem data certa para terminar pois temos um evento entrando no dia 21. Eles têm que estar prontos.
 

Parte interna dos apartamentos da Vila

HN: Outra melhoria feita nos últimos três anos foi a construção da Vila do Golf. Como surgiu a ideia de criar esse espaço?
PM: O reposicionamento que estamos fazendo no hotel é para cima. Nós queremos deixar o hotel mais luxuoso. Nós entendemos que um hotel-escola tem que oferecer o máximo de experiência para o aluno, e se ele for mais luxuoso ele dará mais opções de serviços para que o aluno aprenda. Por exemplo, o serviço de mordomo, que é recente, há questão de um ano, e eles atendem especificamente à Vila do Golfe. E isso deixa o hotel mais para cima. E, para deixá-lo mais luxuoso, nós entendemos que algumas coisas são simbólicas, e a Vila do Golf é uma delas: algo simbólico. Lá nós temos as melhores acomodações do hotel, com 200m² cada uma. Um dos objetivos da Vila é atrair uma clientela ainda mais top para o hotel, mais exigente, que busca novo.
 

As suítes têm 200m²

Neste reposicionamento, algumas pessoas nos perguntaram se nós estávamos mudando o público. E eu disse que não, que o que queremos é acrescentar um novo público, mais exigente. Nosso hotel hoje tem foco na família. Não é mais apenas o público de melhor idade, que frequentava no passado. Hoje nosso foco comercial é a família, aquele hóspede de 35 a 55 anos, no auge de sua carreira profissional, com alto poder aquisitivo, filhos pequenos e afins.

Então a Vila do Golfe vem dentro desta esteira de mudanças, para dar um atendimento muito privativo, muito exclusivo. É um serviço hiper especializado. O café da manhã é servido dentro do quarto. É uma sensação de você estar numa casa, mas com todos os benefícios de um hotel. A pessoa marca com o mordomo em qual horário vai querer seu café da manhã e, caso ela prefira, ela não precisa nem sair do quarto – o mordomo serve o café dentro da acomodação.

 

Menu de pipocas é uma das
mordomias da Vila do Golf
É como se lá nós tivéssemos cinco suítes presidenciais. Este tipo de suíte não é algo que você aluga toda hora. No entanto a ocupação está muito boa. Em julho, por exemplo, em todos os finais de semana nós tivemos pelo menos três das suítes ocupadas. Nos eventos que tivemos nos dias dos pais, as cinco Vilas foram alugadas com antecedência, de quinta a domingo.

Os eventos aqui para empresários, presidentes de grandes empresas também têm ajudado. Você começa a trazer esse público para cá e, quando eles conhecem a Vila, querem ficar. Poucos hotéis na cidade de São Paulo têm uma estrutura como a nossa.

Chinelos com o nome do hotel também fazem parte dos mimos

HN: Como que é a média de permanência nas diárias da Vila do Golf?
PM: Nós só fazemos reservas para no mínimo dois dias. Em julho, que foi um mês de bons resultados, eu diria que a permanência média foi de três a quatro dias. Em alguns momentos de pico, como por exemplo nos finais de ano, nós só vendemos sete dias. No réveillon, quando a inauguramos, nós estávamos com quatro apartamentos ocupados. Nós só não alugamos o quinto com receio de que houvesse algum imprevisto e tivéssemos que substituir o hóspede de um apartamento para outro. É um lugar que está tendo uma ótima aceitação sem que seja necessário que façamos muito ‘barulho’. O hóspede que já se hospeda aqui, e nós visualizamos que ele tem perfil para a Vila do Golf, nós levamos até lá para que ele conheça. Eventualmente trazemos alguém do trade para se hospedar, formadores de opiniões, alguns negociadores que vêm nos conhecer para agendar eventos. E aí, quando eles conhecem, automaticamente, acabam querendo se hospedar.
 
“Formar é a nossa função”

Nós queremos melhorar sempre a experiência do hóspede e também o aspecto comercial do hotel. Por isso, todos os dias, no final da tarde, nós mandamos alguma coisa de alimentos e bebidas como cortesia. O happy hour dele acontece lá. Levamos algum petisco, um queijo, algo assim. E aí, automaticamente, ele olha a carta de vinho dentro do apartamento e acaba consumindo. Nós entendemos que esses pequenos mimos são, na verdade, outros produtos. Outro detalhe é que horário de check in e check out na Vila são livres.

À noite, a iluminação constrasta com a
beleza natural da enorme figueira
 
 
HN: A Vila do Golfe é um espaço luxuoso que envolve a hospedagem. Há algum projeto diferenciado especificamente para área de A&B?
PM: Sim, o Espaço Figueiras. Ele abriu agora em julho. Nós não tivemos uma inauguração oficial, contudo já temos marcados para lá jantares, shows, eventos neste estilo. É um espaço que pretendemos abrir para passantes. Queremos transformá-lo num bar-restaurante.
 
 
Espaço Figueiras foi inaugurado em julho

HN: Vocês têm hóspedes que frequentam o hotel há muito tempo. Como é isso?
PM: É um hotel no mínimo curioso. A taxa de pessoas que vêm e retornam para cá é absurda. Eu nunca vi na hotelaria. Desconheço hotéis similares. Nós temos aqui uma lista de 50 habitués, cerca de 50 famílias. Algumas delas vêm de oito à dez vezes ao ano. É o hóspede que vem em todos os feriados. São pessoas que escolheram não ter sua casa de campo, sua casa de praia – e sim vir para o hotel.

Quando eu cheguei aqui, o outro gerente havia ficado no Grande Hotel por muitos anos. E os hóspedes estavam temerosos com minha chegada. Foi engraçado porque um deles chegou e falou: “seja muito bem-vindo”. Eu estranhei e disse que aquela frase era minha, mas aí o hóspede retrucou: “Seja bem-vindo porque eu venho aqui faz mais de 30 anos, e você está chegando agora”.
 
São famílias que estão visitando o hotel já na terceira, quarta geração. E isto é muito legal. A hora em que a pessoa vem cinco, seis, dez vezes ao ano, o hotel se transformou em sua segunda casa – a história das férias dessas pessoas cruza com a história do Grande Hotel. E esse pai, que teve uma boa história aqui, trouxe seu filho e, na hora em que este filho cresce, ele percebe que há um vínculo emocional muito grande com o hotel. E aí ele quer trazer o filho dele. É muito característico.
 
“Temos que formar profissionais para o mercado”

HN: Como tem sido o número de alunos que se formam? Há muitos profissionais efetivos e alunos que já estão trabalhando?
PM: Hoje praticamente um terço de nossos funcionários são ou foram alunos do Senac. Um exemplo é a nossa adega. Para se ter ideia da nossa preocupação com a formação, praticamente todos os nossos garçons fizeram curso de sommelier.

O curso básico é outro exemplo, que é muito importante no aspecto social. São cursos de cozinheiro básico e de garçom básico, voltados para a baixa renda. As pessoas não pagam o curso, ganham alojamento, alimentação e uma bolsa auxílio. O curso tem duração de três, quatro ou seis meses, dependendo do modo. O interessante é que esses alunos saem daqui muito valorizados. Normalmente saem colocados. É um trabalho social interessante porque normalmente você pega pessoas que não têm profissão e que saem daqui com um encaminhamento profissional.

É muito comum que as pessoas venham para o curso quase que com um emprego garantido. Elas costumam dizer que estão vindo fazer o curso pois os próprios empregadores dizem que vão contratá-los se eles fizerem o curso do Senac.
 
 
O simpático quati é mais um dos habitués do Grande Hotel São Pedro

HN: Quantos colaboradores trabalham no Grande Hotel São Pedro?                                                                                  PM: Nós temos 220 funcionários. Isso sem contar os alunos. Isso é uma questão que muitas pessoas pensam e nós tentamos desmistificar. Muitos acham que o hotel é operado por aluno. O hotel tem 220 funcionários para 117 apartamentos. São quase dois funcionários para cada quarto. É um número grande. Temos muitos funcionários, pois não temos nenhum serviço terceirizado. Lavanderia, jardinagem, tudo é feito por nossa equipe.

HN: Mas não é complicado ter de cuidar de áreas que não são expertise do hotel?
PM: É complicado em alguns momentos. Por exemplo, hoje quase nenhum hotel tem lavanderia própria. E nós temos. Ela faz parte do posto de atendimento do aluno. A gente conserva até por uma questão acadêmica. Como eu disse, um terço de nossos funcionários já foi aluno, ou é ex-aluno ou, além de ser funcionário, ainda está estudando. Isso é algo que o Senac também estimula. Nós temos uma bolsa estímulo com a qual pagamos 80% dos cursos que os funcionários querem fazer. Desde cursos básicos a coisas relacionadas à hotelaria. É uma questão de ensino. Somos um hotel-escola, que acredita no potencial das pessoas.

A natureza é mais um dos atrativos do Grande Hotel

Temos aqui vários tipos de aluno, de ensino básico, de pós-graduação, de bacharelado. Temos atendimentos diferentes para diferentes tipos de alunos. E como fazemos isso? Nossos funcionários são treinados para serem sempre educadores. Temos um programa de desenvolvimento do ensino que reforça a importância de atendimento ao aluno, como ele tem que se comportar, como é que ele tem que passar a experiência dele, ou seja, ensinamos os processos de formação de um educador. Ele não vai ser um professor que vai à lousa, mas ele é um educador. Todos os nossos funcionários são educadores. Temos que partilhar conhecimento. Temos esta característica, são dois pontos com a mesma igualdade e importância: o hóspede e o aluno.

Eu atendo pessoalmente alunos. Eles passam cada dia num setor e, num dos dias, passam comigo. É uma maneira de partilhar conhecimento com eles. Então funciona dessa forma: treinamento, orientação e exemplo.

O hotel-escola tem que formar profissionais para o mercado. A faculdade forma do ponto de vista acadêmico. E nós formamos do ponto de vista prático. Eu viro para o meu sommelier e digo que, se daqui três anos ele ainda continuar aqui, ele é incompetente. Porque daqui três anos ele tem que estar num grande restaurante em São Paulo. Nós pagamos curso de inglês, damos oportunidade de ele ir às feiras, de fazer workshops, de evoluir, visitar vinícolas. Por isso digo que daqui há alguns anos ele tem que estar fora daqui, ir para o mercado.

Às vezes as pessoas até perguntam se nós não temos medo de perder os funcionários. Há hotéis que tentam se fechar, que não querem perder o funcionário. Mas o hotel-escola é diferente. Eu acredito que, se nosso funcionário foi para outro lugar, é sinal de que nós cumprimos o objetivo de formar bons profissionais. Esse é o nosso objetivo. Formar é a nossa função.
 
Serviço