Philip Wolf é o CEO da PhoCusWright

(fotos: Juliana Bellegard)

 
Inteligência de mercado é algo ainda pouco usual para a maioria das empresas brasileiras, que pouco incluem extensas pesquisas de mercado como parte de sua estratégia de vendas. Mas este cenário está lentamente mudando, e a valorização da informação vem crescendo. Dentro do setor de turismo e, mais especificamente, na hotelaria, dados são elementos essenciais para qualquer tipo de trabalho. Quanto melhor embasada em fatos a sua estratégia de vendas, marketing ou mesmo expansão de negócios estiver, maiores as chances de sucesso. Não acredita?
 
A PhoCusWright é uma empresa norte-americana que há mais de 15 anos lida com pesquisas e inteligência de mercado, trabalhando em cima de viagens e turismo. Seu CEO, Philip Wolf, concedeu uma entrevista exclusiva para o Hôtelier News na qual fala sobre sua atuação, sobre tendências de mercado, tecnologia e a nova classe média. “Trabalhamos com conexões: queremos saber como os fornecedores (companhias aéreas, hotéis, locadoras etc), intermediários e viajantes se conectam. Não é só distribuição, pois estas conexões podem ser técnicas, por meio de sistemas de reservas, GDS, PMS; mas também pode ser emocional”, descreve.
 
A verdade é que a PhoCusWright tem pesquisas em milhares de áreas diferentes, abrangendo tópicos como market share, tendências de tecnologia, previsões de áreas de consumo, perfil de públicos divididos por continente, atitudes e comportamentos destes consumidores. “Viajantes, intermediários, fornecedores: esta é nossa especialidade”, finaliza Wolf.
 
Por Juliana Bellegard
 
Hôtelier News: Como foi o começo da PhoCusWright? Você viu alguma abertura no mercado para este tipo de serviço?
Philip Wolf: Foi um pouco de loucura da minha parte. Existe uma expressão em inglês – bet the farm – que significa arriscar tudo o que você tem. Eu tive uma agência de viagens entre 1989 e 1994, mas em 1990 começei a investir em tecnologia. Acreditava que a tecnologia iria causar uma revolução global no setor de viagens e apostei tudo nisso ao me desfazer da agência e criar a PhoCusWright. O problema foi que, de 1992 até mais ou menos 1997, a maioria das pessoas da área detestava a empresa. Nos jogavam tomates, não acreditavam no que propunhamos.
 
Quando eu começei, tinha sete endereços de e-mail no meu cartão de visitas, um para cada servidor. Isso porque não havia inter-operabilidade entre eles, se você tinha um e-mail na AOL e eu precisasse te mandar um e-mail, precisaria de um endereço na AOL. Isso durou muito tempo.
 
 
HN: Por que acreditou, então, que haveria uma mudança neste cenário e que era hora de investir nisso?
Wolf: A razão pela qual eu acreditei que a tecnologia provocaria uma revolução foi que percebi que os profissionais da indústria de turismo estavam muito focados em seus próprios umbigos. Os viajantes estavam frustrados. A tecnologia, e principalmente a internet, libertou-os. Os clientes ganharam habilidade, confiança e, até certo ponto, prazer de ter controle sobre as decisões de sua própria viagem.
 
Viajar é visceral, é extremamente importante. Não é como comprar cadeiras para sua sala de jantar. Tem a ver com experiência, com emoção. Vocês brasileiros estão presenciando isso agora com o crescimento da classe média: ver o contentamento de uma pessoa ao planejar sua primeira viagem. Tudo o que acontece em prol do consumidor, mesmo que seja contra a indústria do turismo, é bastante positivo. Porque muitas vezes é isso que acontece. Eu estava certo quanto a tudo isso, vimos tudo isso se desdobrar nos últimos anos.
 
HN: Quais as principais diferenças entre o mercado nos anos 1990 e atualmente?
Wolf: Quando começamos, os viajantes eram treinados a não ter escolhas. Você ia para uma agência de viagens, de vez em quando lia algo sobre turismo no cadeno dominical do jornal, lia um livro ou ouvia uma história de algum conhecido. Mas era muito difícil planejar e agendar uma viagem sozinho. Lentamente, os consumidores começaram a ter mais acesso a coisas óbvias, como informação, consulta de preços e até avaliações sobre os lugares para onde queriam viajar.
 
Isso tudo, principalmente, por conta da internet. A web abriu o mundo das viagens e do turismo para milhões de consumidores. É quase como abrir uma barragem e ver toda a água correr, mas de forma positiva. Era uma barreira que havia sido levantada há muito tempo.
 
HN: De que forma, o comportamento dos consumidores mudou com o desenvolvimento da internet?
Wolf: Em 1995, onde os turistas conseguiam informações sobre viagens? De poucas pessoas – um agente de viagens, autores de guias e artigos de jornal. A indústria do turismo era uma área de conhecimento de poucos. Com o surgimento e desenvolvimento da internet, isso mudou. A princípio, a web era um meio de comunicação de mão única, o usuário recebia toneladas de informações.
 
A internet 2.0 foi um segundo passo, pois criou um ambiente virtual mais interativo, no qual os criadores de sites e os leitores estavam em pé de igualdade. Um grande exemplo disso foi o surgimento do TripAdvisor, no qual os viajantes podem publicar suas próprias impressões sobre determinado hotel ou local. Se você precisa se hospedar em São Paulo e está em dúvida entre o InterContinental e o Renaissance, que são dois hotéis ótimos, pode ver o que as pessoas estão falando sobre cada um. Passamos do conhecimento de poucos para o conhecimento de uma multidão.
 
“Quando um hoteleiro diz que está cuidando de
determinado problema em seu empreendimento
e não está, é mortal para o hotel

 
HN: E as mídias sociais, como entram neste cenário?
Wolf: As mídias sociais são algo recente, mas estão gerando uma grande transformação dentro da internet. Vieram após esta primeira ideia de web 2.0. Com elas, você cria conexões com pessoas que conhece. No TripAdvisor, muitas vezes você não sabe quem são aqueles usuários que fazem os comentários.
 
Agora, você pode conseguir informações com seus amigos virtuais. Então passamos do conhecimento de poucos para o conhecimento de uma multidão e para o conhecimento de seus amigos. O que as mídias sociais fizeram foi agregar credibilidade à experiência online. Eu posso ver os comentários de 20 pessoas diferentes sobre um hotel mas, se você me recomenda e eu te conheço, vou levar a sua avaliação muito mais a sério.
 
HN: Os hotéis estão se ajustando a essa nova realidade dos consumidores?
Wolf: Hotelaria é uma das áreas mais segmentadas da indústria de turismo. Não tem resposta exata para esta pergunta, pois existem milhares de empreendimentos. Eu diria o seguinte: os hotéis que usam mídias sociais estão ganhando. Digamos que você tem um pequeno hotel independente em Paris, ou mesmo no Rio de Janeiro. Antes de tudo isso, você tinha que estar em um GDS, fazer parte de uma rede ou estar em um guia para ter alguma visibilidade. E isso era muito caro.
 
Por que estou dizendo isso? Porque muitas vezes as empresas pequenas reclamam da dificuldade das novas tecnologias. Na verdade, hoje está mais fácil de um hotel independente ser visto, ouvido e conhecido do que nunca. Eu sei que seis dos dez hotéis de Paris que estão entre os mais comentados no TripAdvisor são pequenas propriedades com menos de 50 UHs. Então quando você pergunta se os hotéis estão lidando com a web, eu digo que alguns deles estão gerenciando sua experiência na internet muito bem.
Por outro lado, existem aqueles hotéis e, mais especificamente, os próprios hoteleiros, que acreditam que a imagem do empreendimento na internet não tem tanta importância assim. Tudo bem, mas esta postura está custando a eles market share e também RevPar.
 
“Se você pratica as coisas erradas, isso
nunca vai te levar à perfeição”
 
HN: Falando um pouco sobre o trabalho da PhoCusWright, qual a importância das pesquisas e do levantamento de informações para a hotelaria?
Wolf: Nós fazemos pesquisas na América do Norte, em muitos mercados da América Latina, Europa ocidental e oriental, Rússia, China, Índia, Nova Zelândia, Austrália e Japão. Então, servimos como um farol, um guia, para os hotéis que optam por usar nossos números. No mercado de hoje, pesquisa e inteligência são essenciais – mission critical, como dizemos – para ser bem sucedido. Ideias inovadoras e informação são o que temos de mais importante atualmente.
 
Não entender quais são as tendências do mercado e os novos meios de comunicação é arriscar seu negócio. Não está atraindo e muito menos fidelizando clientes. E novos clientes são sempre muito importantes. Dentro dos setores de hospitalidade, marketing e vendas tem muito a ver com a realidade digital. Isso tudo faz parte do que chamamos de inteligência.
 
Todos conhecem o clichê “a prática leva à perfeição” – que é, na verdade, um erro. Se você pratica as coisas erradas, isso nunca vai te levar à perfeição. É como aprender a jogar golfe: se você segura o taco incorretamente, não vai melhorar, mas sim ficar cada vez pior. Eu corrijo o clichê: “a prática perfeita leva à perfeição“. Intelgência, pesquisa, ideias, tendências, tudo isso assegura que o que você está fazendo está correto. Sem isso, você corre o risco do mercado estar mudando e você ainda estar gerenciando ou vendendo um hotel da mesma maneira. Correndo atrás da sua própria cauda. A probabilidade de fazer isso é grande, na medida que a velocidade das mudanças de cenário atualmente está cada vez maior.
 
HN: Qual a melhor maneira de usar as informações – tanto de pesquisas quanto da internet – a favor de um hotel?
Wolf: Vou usar uma história que aconteceu comigo para ilustrar isso. Eu reservei um hotel há mais ou menos uns três anos no México. Um local pequeno, com dez apartamentos. Chegando lá, conheci o dono e, quando ele descobriu o que eu fazia, puxou conversa. Eu contei para ele que, ao fazer a reserva, pedi para não ser colocado em uma das suítes, chamada Las Palmas. Eu havia lido na internet que havia uma construção ao lado do hotel e desta suíte se ouvia o barulho de fora. Ele me perguntou o que deveria fazer e o aconselhei a vender a suíte, mas falar a verdade para o cliente.
 
Havia homens trabalhando na construção entre as 10h e as 16h, horário que normalmente as pessoas estão na praia, somente de segunda à sexta-feira. Depois de nossa conversa, ele começou a vender esta suíte explicando isso e acrescentando que ela tinha a melhor vista do hotel – o que também era verdade. Dois anos depois, ele me manda um e-mail dizendo que a construção havia chegado ao fim e que a suíte era a acomodação mais vendida no hotel. Ele saiu de um problema e achou uma oportunidade.
 
 
HN: Você citou o conhecimento das tendências do mercado como uma informação importante para os gestores. Quais são as grandes tendências hoje?
Wolf: Vou listar três. A primeira é exatamente o que essa minha história ilustra. Você não pode esconder a verdade, é impossível. Você tem que ser extremamente transparente. Muito se fala sobre transparência, mas não é sempre que se gere um hotel desta forma. Se você afirma ser transparente, tem que mostrar isso em seu negócio. Quando um hoteleiro diz que está cuidando de determinado problema em seu empreendimento e não está, é mortal para o hotel. Sua estratégia tem que ser usar a transparência a seu benefício.
 
A segunda grande tendência são os mobiles, as tecnologias móveis. Com o número crescente de smartphones e a classe média em ascensão, mais pessoas estão se conectando à internet fora de casa ou do escritório. Existem muitos aplicativos e tecnologias só para os mobiles, e você precisa de uma estratégia para trabalhar este meio. Se optar por ignorá-lo por ser muito complicado ou intimidante será o equivalente a ignorar a internet há dez anos. Há muitas pessoas viajando e usando este tipo de tecnologia, os hotéis precisam se comunicar com este público não só antes da viagem, mas durante.
 
A terceira tendência são os novos consumidores. O Brasil vive isso hoje. Estima-se que, no mundo, existam 2 bilhões de pessoas na classe média, e é possível que este número chegue a 4 bilhões em 2030. Isso significa que há muitos turistas novos que querem viajar para todos os tipos de destino. É preciso chegar até estes consumidores, ter uma estratégia para vender viagens para este crescente público em pontencial e conquistá-lo. Se você usar as mesmas técnicas que já vem sendo usadas, não terá afinidade com eles.
 
HN: Como você enxerga o Brasil dentro deste cenário?
Wolf: Estou aprendendo muito sobre o mercado brasileiro. Descobri, por exemplo, que a classe média é formada por 30 milhões de pessoas. São pessoas que estão viajando pela primeira vez, certo? Talvez, estas pessoas ainda usem as agências para planejar sua viagem. Mas, ao mesmo tempo, essas 30 milhões de pessoas estão fazendo com que outras classes sociais também cresçam. São viajantes mais experientes e que vão usar muito mais as ferramentas online.
 
Isso acontece em outros mercados. Nos Estados Unidos, Reino Unido, na Escandinávia e Austrália, por exemplo, mais de 35% dos turistas já reservam suas viagens online. Nossa previsão é de que o Chile chegue neste número em 2012. A conclusão é a seguinte: isso vai acontecer no Brasil. Não é uma questão de “se”, mas de “quando”.