Guilherme Cesari, vice-presidente de Desenvolvimento
da Marriott International no Brasil
(fotos: Dênis Matos)
 
Quando se fala no mercado hoteleiro do Brasil, os números comumente são superlativos. O frenesi vivenciado pelo setor só faz crescer e tem atraído cada vez mais seguidores – sublinhe-se aí os internacionais.
 
De certo, não é possível seguir tal métrica em se tratando da Marriott International, que está há 13 anos no País e, portanto, não figura na lista dos que chegaram há pouco. Sim, a rede é quase veterana em terras tupiniquins, espécie de artilheira do time das estrangeiras, apesar de manter postura discreta.
 
Mesmo estando às vésperas do baile de debutante, tem somente cinco empreendimentos no País, o que é considerado modesto num capítulo tão profícuo desta indústria. São eles o Renaissance São Paulo Hotel, o JW Marriott Hotel Rio de Janeiro, o São Paulo Airport Marriott Hotel, o Marriott Executive Apartaments São Paulo e o Hotel Spa do Vinho Caudalíe, de Bento Gonçalves (RS) – o caçula do portfólio e o primeiro da coleção Autograph na América do Sul. Todos, acentua-se, hotéis de alto padrão, que fazem coro ao número de unidades do grupo e atendem aos requisitos da quase extinta definição cinco estrelas, copiosamente citada no dicionário dos hoteleiros como upscale – o que agrada mais os executivos de Marketing.
 
A fatia do bolo, no entanto, precisa ser maior. No último mês, o grupo anunciou uma parceria com a incorporadora brasileira PDG Realty, cuja pretensão é dobrar o portfólio da rede com a construção de cinco hotéis em solo brasileiro – nas capitais Rio de Janeiro, Salvador, Curitiba, Manaus e Vitória – somando 1.126 novos apartamentos.
 
O projeto da Marriott, no entanto, vai além, e o segmento de hotéis econômicos deve ser contemplado – com, pasmem, a pretensão de que 50 unidades sejam alavancadas.
 
À frente disto está Guilherme Cesari, vice-presidente de Desenvolvimento da cadeia hoteleira para o Brasil. À primeira vista, o executivo, que tem pouco mais de 35 anos, destoa da figura corporativa que o cargo lhe imbuí – mesmo de barba feita e trajado como mandam os manuais conservadores da Administração de Empresas. Quando o entrevistei, apenas o blazer e a gravata ele havia abandonado, e não era para menos nos trinta graus que faziam numa terça-feira de janeiro.
 
Nesta entrevista exclusiva, o profissional dá indícios do papel da Marriott para com a hotelaria brasileira e dos processos para que isso se consolide. Elogia ações do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), fala de seu trabalho como consultor e elucida os entraves do mercado quanto à captação de investimentos.
 
Por Dênis Matos
 
“Existe mais a tendência de faltar hotéis do que sobrar”
 
Cesari foi contratado em meados de 2010, quando o grupo estadunidense anunciou um escritório de Desenvolvimento em São Paulo, no intuito de viabilizar tais projetos. A escolha foi certeira como um dardo desferido por Zeus, uma vez que o profissional acumulava mais de dez anos de trabalho na então HVS Global Hospitality Service, hoje Hotel Invest, uma das consultorias mais respeitadas do mercado. É formado e pós-graduado em Administração de Empresas, ambos os títulos pela FGV (Fundação Getúlio Vargas), e participou da criação da HVS no Brasil, implantando todo o sistema de análise, metodologia e estudo de mercado sobre a hotelaria no País.
 
Toda a expertise que a consultoria, também estadunidense, já havia desenvolvido lá fora, foi adaptada para o Brasil – e Cesari esteve à frente do processo, reunindo-se com os diretores da empresa na terra do Tio Sam. Não demorou muito e ele tornou-se sócio da filial brasileira.
 
“Nos últimos anos, fui responsável por liderar o trabalho de criação, implantação e gestão de um fundo de investimento especializado e aplicado ao setor hoteleiro”, relembra. “Nesse trabalho, tive que executar o projeto. Como consultor, é muito comum que você faça o planejamento e as análises – mas a execução fica a cargo do seu cliente. Neste, em específico, fiz a execução e a gestão do fundo”, completa, olhando para xícara de café, que acabará de ser servida por sua assessora de imprensa numa das mesas do Bite, bar situado no primeiro andar do Renaissance São Paulo.
 
Ele menciona que, à época, suas funções tinham cunho muito mais analítico e de gestão, destoante do que é feito hoje na Marriott. “A ênfase muda bastante. Na Marriott é mais executivo, de articulação. E tem um elemento comercial muito forte, de relacionamento com investidores e empreendedores. O elemento analítico existe, mas ele toma bem menos o meu tempo, uma vez que tenho uma equipe voltada a isso. Assim, posso me dedicar mais às decisões”, pormenoriza.
 
A resolução do que deve ou não ser feito, inclusive, é algo que o profissional faz junto aos investidores. Ele diz que, no Brasil, isto se dá de diferentes formas, pois o mercado nacional tem muitas peculiaridades – o que serve como influenciador para a construção do perfil de quem investe. A baliza utilizada por Cesari é a hotelaria norte-americana, que possui mais linhas de financiamento e prazos mais alargados. “Há linhas de crédito de 20, 25 anos, com taxas de juros bem mais razoáveis, melhores do que as que temos no País. Você consegue financiar em torno de 50 a 70% do total investido”, explica.
 
Essas facilidades, segundo ele, reduzem muito o risco do investidor – além de abrir chances para alavancar a rentabilidade do empreendimento e de diminuir a exposição do capital utilizado. “No Brasil, se você tem um projeto de R$ 100 milhões, há grandes chances de ter que aportar de apenas um investidor isso. La fora não, é possível você investir R$ 30 milhões e conseguir o restante por financiamento, diminuindo a exposição do capital”.
 
 
Sem financiamentos, nascem os condo hotéis
Uma gama muito maior de investidores interessados nasce num mercado que trabalha sob esta métrica, pois há maior rentabilidade, menor exposição do capital e melhores condições de pagamento. No entanto, o sintoma é outro no País. “No Brasil não há financiamentos. O único banco que está oferecendo uma linha um pouco mais próxima do que vemos em outros mercados é o BNDES. No entanto, a instituição exige garantias muito altas. Em outros países, é menos frequente que isso ocorra”, compara.
 
A inflexibilidade desses modelos acaba desenhando um mercado tão dinâmico quanto o nacional. Por não haver linhas mais adequadas à hotelaria, o investidor pulverizado se faz presente, em especial nos moldes de condo hotéis – que representam 70% da oferta em São Paulo. “O condo hotel existe, em primeiro lugar, por essa falta de financiamento, aí surgem os investidores individuais. Eles têm uma expectativa de rentabilidade que é mais adequada a este mercado”.
 
A razão de ser no Brasil
Ainda assim, num setor completamente destoante de seu país de origem, a Marriott planeja voos audazes, e a pretensão é que a rede inaugure, nos próximos dez anos, 50 empreendimentos no País – grande parte deles com a bandeira Fairfield Inn, de hotéis econômicos. A contratação de Guilherme Cesari é passo primeiro quanto a isso.
 
“Fui contratado para desenvolver uma estratégia específica, definindo nossas prioridades e visões de futuro no País”, esclarece. Para tanto, algumas medidas já são latentes, como a formação da equipe voltada a essa expansão. As parceiras necessárias para que isso acontecesse também figuram entre os tópicos ditados pelo vice-presidente.
 
Além dos projetos com o Spa do Vinho e com a PDG, um plano mais eficiente vem sendo esmiuçado, voltado à marca econômica do grupo. Nesta tocante, contudo, a bandeira deveria carregar uma insígnia brasileira: “Não bastaria apenas adaptarmos, nós precisaríamos desenvolver a Fairfield Inn com o perfil nacional. Foi o que observamos”, conta.
 
 
 
Da necessidade nasceu um extenso programa para pesquisas de mercado com uma consultoria local. Turistas que viajam por todo o País, a negócios, e se hospedam em empreendimentos econômicos foram ouvidos. Questionamentos variados foram levantados – como hábitos, gostos, o que gostariam de ver em hotéis, sugestões, conceitos de serviço e afins. “Fizemos mais de vinte entrevistas de uma hora cada. A partir da sexta, sétima entrevista, você começa a ver que as respostas se repetem. Isto mostrou que havíamos chegado a um resultado consistente e conseguimos entender o perfil deste hóspede”, relata.
 
O estudo de mercado trouxe baliza para a rede, que percebeu detalhes específicos deste cliente. De acordo com o vice-presidente, foi mensurado, por exemplo, que os respondentes não exigiam quartos nem televisores grandes – mas privavam por uma internet com alta velocidade. Outro ponto é que, por utilizarem muito comumente serviços hoteleiros, os pesquisados entendiam o valor justo das diárias e o que não deveria ser oferecido pensando em não encarecer os custos.
 
A concorrência também não ficou alheia ao processo e foi analisada pela equipe de Desenvolvimento da própria Marriott, para que a rede construísse um posicionamento para o segmento de baixo custo. Fornecedores de Alimentos & Bebidas também foram visitados, para que se definisse a estrutura de serviço ideal para atender este hóspede.
 
“Foi um trabalho de criação de um produto especificamente para brasileiros. Grande parte da demanda do segmento econômico é doméstica. Era preciso desenvolver algo para este público”, diz Cesari, acrescentando que até mesmo questões estéticas – como as cores utilizadas para pintura dos apartamentos – foram questionadas.
 
Quase do Oiapoque ao Chuí
A estimativa é que 25 Estados sejam contemplados com hotéis Marriott deste padrão, em sua maioria em grandes capitais. “É parte de nossa estratégia posicionar nossa marca na capitais que são portões de entrada do Brasil, onde há um fluxo muito grande de viajantes domésticos e internacionais”, anuncia.
 
O estigma de luxo que a Marriott carrega não será transposto para estes hotéis? “A Marriott tem sua reputação muito ligada aos hotéis cinco estrelas, é fato. Temos marcas muito fortes como o Edition e o Bvlgari – voltadas ao luxo. Nosso portfólio, no mundo inteiro, tem uma quantidade enorme de apartamentos: são hotéis grandiosos mesmo, com centros de convenções e demais serviços. Há pouco mais de 20 anos começamos o trabalho com três estrelas, e a rede conseguiu usar essa reputação também no segmento econômico. O desenvolvimento dessas marcas lá fora foi bem sucedido sem assustar o cliente com o luxo”, garante, apontando que a Fairfield soma mais de 800 hotéis no mundo.
 
Ele assegura que isto fez com que o grupo conseguisse, mesmo nos hotéis econômicos, agregar valor por conta das marcas superiores – e não afastar o cliente pela suntuosidade.
 
“Ele [o hóspede] percebe a qualidade do serviço, do produto, o alto padrão, mas em empreendimentos mais enxutos. Nós dizemos que o Fairfield tem um select service: entendemos a necessidade do cliente e oferecemos aquilo que é essencial, mantendo um alto nível de qualidade”, explica. “A redução de alguns produtos”, ele completa, “permite que se pague um valor menor pela diária”.
 
Edition e Bvlgari no Brasil, quem sabe
As bandeiras luxo citadas pelo executivo, inclusive, podem vir a ter hotéis no Brasil. Segundo Cesari, a possibilidade, ainda remota, estaria voltada a praças consolidadas, como Rio de Janeiro e São Paulo. Porém, não há outros detalhes sobre as marcas no País. A intenção é que o portfólio de upscales da rede, já robusto, aumente – uma vez que, em decorrência das tarifas de valores mais elevados, esses hotéis fazem com que a Marriott tenha uma das maiores receitas hoteleiras do mundo.
 
Há mercado no Brasil para mais empreendimentos deste porte? “Você se impressiona quando anda em São Paulo ou no Rio e vê o enorme número de concessionárias de automóveis de luxo. Isso acontece também nos restaurantes, que são muito caros. Ou seja, os consumidores estão dispostos a pagar mais pela marca. O mesmo conceito é aplicado à hotelaria”, argumenta. “O alto nível desses produtos desperta uma demanda cada vez mais crescente de pessoas dispostas a pagar por isso”, conclui.
 
 
Postura proativa
Segundo o executivo, este interesse de expansão da Marriott em terras brasileiras não é de hoje. Ele diz que a rede, desde o início, tinha olhos para o País, sempre embasada nas atribuições que a matriz estadunidense desenhava e numa postura reativa ao mercado, ou seja, atendendo às demandas que iam se apresentando. “Por isso crescemos muito, por exemplo, no Caribe e na América Central”, ele articula, “porque são regiões próximas aos Estados Unidos, onde a marca é muito forte”.
 
O vice-presidente conta que mais recentemente, nos idos de 2008 para 2009, a diretoria do grupo percebeu que, para que se construísse uma expansão mais sólida no Brasil, semelhante à de outras regiões do mundo, era preciso que ela tivesse uma postura mais proativa.
 
“Foi aí que se desenvolveu uma equipe especializada na América Latina, formada por pessoas com alto conhecimento nesses mercados, que entendem os players e a demanda existente”, indica. “Um processo semelhante aconteceu na região da Ásia, principalmente na China, e hoje já temos um pipeline bastante forte naquela região. Pretendemos construir este mesmo pipeline aqui”, assevera.
 
Há demanda, mas falta crédito?
Para que os planos da rede estadunidense em terras tupiniquins ganhem forma, a empresa terá que alargar cada vez mais suas parcerias, principalmente com os investidores. Cesari assegura: “Investidor não falta, isto é até uma coisa muito interessante no mercado brasileiro. O que existe é a dificuldade de viabilizar os projetos, porque os custos estão muito altos, a exemplo dos terrenos, o que acaba inibindo que novos aportes sejam realizados”, articula.
 
A Marriott pensa em fazer algo com o BNDES para tanto? “Sinceramente, não. Mas a participação do Estado é muito importante para o turismo, a partir do momento em que o governo ajuda a melhorar a infraestrutura do País. O setor depende muito de transporte. Um dos elementos que citei é que nossos projetos estão voltados a cidades com aeroportos, de preferência que sejam hubs [pontos de conexão]. Até mesmo trens, rodovias e portos influenciam na hora de viabilizar um projeto”.
 
A esta leitura, o administrador de empresas acrescenta que o BNDES está até “extrapolando” sua função como instituição bancária, indo além do que deveria fazer. “O que é bom. Mas eles estão fazendo isso por conta da absoluta falta de financiamento apropriado para hotéis”, ataca.
 
Tal cenário, para ele, reflete o capitulo inusitado – do ponto de vista positivo – do mercado hoteleiro no Brasil. A especulação de que a demanda pode vir a cair por terra com a eclosão das muitas redes no País, parece não assolar o pensamento de Cesari. Ele sustenta que a crise vivenciada pelo setor no início da década passada foi um processo muito mais violento do que o desenrolar atual da indústria de hospitalidade.
 
 
 
“O que vemos hoje é uma expansão mínima: ela é muito baixa em relação ao que aconteceu no passado e muito baixa em relação ao potencial de um mercado que considero ainda tímido. Isto porque, apesar de a ocupação dos hotéis ser muito boa, ainda temos poucos empreendimentos em desenvolvimento no País por conta dos entraves. Hoje, uma das grandes barreiras é o alto custo do setor imobiliário e da construção civil”, diz, gesticulando como se uma bola de futebol estivesse às mãos.
 
Mais do que isso, o vice-presidente de Desenvolvimento acrescenta, há uma fortíssima demanda por prédios comerciais e residenciais. “Isto, inevitavelmente, afeta a construção de hotéis. Hoje, o investidor imobiliário, quando avalia um novo projeto, pensa entre comercial, residencial e hotel. Como o comercial e o residencial são muito acessivos, a rentabilidade tende a ser mais alta. Por isso, ele acaba escolhendo esses desenvolvimentos imobiliários”, esclarece.
 
É deste ponto que o profissional parte para finalizar a análise quanto à demanda, que para ele ainda pode ganhar mais elasticidade. “Não existe nenhuma sinalização de alerta quanto à rentabilidade de um hotel, pelo contrário. Em São Paulo, hoje, por exemplo, não existe um hotel em construção. No Rio são pouquíssimos. São capitais com demanda agressiva, que vão abrigar a Copa do Mundo e as Olimpíadas, e não vemos o setor hoteleiro crescer. Existe mais a tendência de faltar hotéis do que sobrar”.