A Pousada Scheidt é uma Gastehaus que fica em Campos do Jordão, no interior de São Paulo, a mais de mil metros de altitude. Dentro deste conceito, muito popular na Europa, os donos da casa-pousada abrem suas portas aos hóspedes. Isso mesmo. Em seus lares, recebem clientes. Como diz Ceia, uma das proprietárias, “eles entram na minha cozinha”. As poucas suítes (apenas cinco) garantem atendimento personalizado. Conversamos com ela e Amadeus Scheidt sobre a experiência de abandonar a rotina de executivos, que por anos tiveram em São Paulo, e migrar para outra cidade atrás de uma nova vida, voltada ao ramo hoteleiro. Eles garantem que o sistema europeu não interfere na privacidade, afirmam que clientes viram amigos e concluem, categóricos, que não há cartão de crédito que pague a atual qualidade de vida que têm.


Fachada da Pousada Scheidt: Gastehaus

Por Karina Miotto


Casal Amadeus e Ceia Scheidt: ex-executivos

Hôtelier News: Qual a experiência profissional de vocês antes de inaugurar a pousada?
Amadeus Scheidt: Me formei em Administração de empresas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) em 1973. Trabalhei 24 anos em uma multinacional, primeiro na área financeira e depois de longos anos me tornei o responsável por toda a área do Mercosul. Aprendi que para ser bem sucedido em um mercado globalizado, cheio de concorrentes, o primordial é focar o seu cliente e saber oferecer sempre um produto diferenciado.

Ceia Scheidt: Eu também trabalhei, durante muitos anos, como executiva em multinacionais.

HN: Como surgiu a idéia de sair de São Paulo e inaugurar um meio de hospedagem em Campos do Jordão?
Scheidt: Pois é, depois dos 55 anos, levando a estressante vida de executivo, você pensa: “vale a pena? Vou continuar no emprego e concorrer com meu patrão? Me aposento e vou pescar? Vou parar e ficar pirado?”. Negativo.

Lá fomos nós, eu e Ceia, pesquisar algo para unir o “útil ao agradável”. Fizemos curso de como gerir pousada e outros também (e hoje podemos dizer que em nada nos ajudou) e optamos por um projeto que ficasse próximo ao eixo Rio-São Paulo-Minas Gerais.

HN: Por que uma pousada com poucos quartos? E por que Campos do Jordão?
Scheidt: Escolhemos Campos do Jordão por ficar no meio do eixo. O segredo é achar o equilíbrio. Foi por isto, inclusive, que optamos por um negócio pequeno. Em junho deste ano comemoramos dois anos de existência como “calouros” no negócio de “pousadeiros”.

Ceia: Tudo tem sua época e seu momento. Uma pessoa de 30, 40 anos, que vem para um lugar normalmente tranqüilo como Campos, pode estranhar. Depende muito da cidade. Este lugar tem a ver conosco.

Quanto às nossas cinco suítes, é melhor porque o atendimento é mais personalizado. Como são poucas habitações, procuro sempre mexer nos detalhes da decoração para não enjoar meus hóspedes com a mesmice. Temos habitués, não quero que vejam as mesmas coisas. Me sinto como se estivesse brincando de casinha de boneca.


Cama king size da Suíte Romantique: detalhes em salmão


Tons de azul na Suíte Bauer Triplex

HN: A qualidade de vida aumentou após a mudança de profissão?
Scheidt: Alavancamos em muito a nossa qualidade de vida e conseguimos controlar todo o nosso negócio sem estresse. Esperamos poder colaborar com este segmento da área de serviços. Acreditamos que o Gastehaus tem um potencial enorme de crescimento.

Ceia: Você muda tudo. Seus hábitos, suas vestimentas… Eu era supervisora de exportação de uma multinacional, vivia de salto alto. Não preciso mais disso nem de maquiagem. Hoje tenho tempo para fazer uma caminhada para ver a noite cair às 19h.

Enquanto mexo no jardim, ele dá comida para os passarinhos. É uma maravilha. Vale muito, muito a pena. Estamos a 1.720 m de altitude. É muito sossego. Ouvimos o barulho do silêncio. Ontem fotografei um esquilo.


Simplicidade, tranquilidade e muitos
passarinhos na casa-pousada

HN: Como é o conceito Gastehaus?
Scheidt: É interessante o conceito de Gastehaus. É pouco difundido aqui no Brasil. Viajamos muito pela Europa, principalmente Alemanha, Suíça e Áustria, onde experimentamos este tipo de pousada. Você sai do padrão de serviço tradicional, impessoal. No Gastehaus você é atendido pela dona ou dono da casa, decorada e mantida nos mínimos detalhes. É tratado pelo nome e paparicado nos serviços como se fosse um membro da família.

Ceia: O Amadeus busca o pão cedinho, minha irmã faz o bolo… A única coisa terceirizada que temos aqui é o pão francês. A partir do terceiro dia, no máximo, já está todo mundo à vontade. O hóspede tem liberdade de entrar na minha cozinha.

HN: O que é preciso fazer para começar bem o Gastehaus?
Scheidt: Definir muito bem o público-alvo (cliente), afinal, ele vai conviver em sua casa.

HN: Há limites de quartos para quem quer abrir um meio de hospedagem dentro deste conceito?
Scheidt: Sim. Há limites de quartos e isso deve ser pensado de acordo com sua capacidade de atender a todos os teus hóspedes. Não se esqueça de que você deve chamá-los pelo nome, na hora e nos momentos certos.

HN: Como é morar na pousada e conviver sempre com os hóspedes?
Scheidt: Na verdade, não convivemos o ano todo com outras pessoas (conceito do útil ao agradável). Depende da temporada e dos feriados. Trabalho é trabalho, descanso é descanso. É preciso saber separar.

HN: Não dá saudades da privacidade?
Scheidt: Dentro da sua casa, no conceito de Gastehaus, a privacidade é sempre dirigida ao hóspede. Ele vem em primeiro lugar. Quanto a nós, projetamos a pousada para que mesmo com lotação completa tenhamos o nosso “cantinho”.


Falando em cantinho, um para sentar e conversar

HN: Quando a convivência entre os proprietários e os hóspedes é maior, clientes podem se transformar em amigos pessoais?
Scheidt: Como se diz, amigo é amigo, negócio é negócio. Porém, temos hóspedes que já retornaram várias vezes e indicaram outras pessoas. Fica sim, uma amizade, o que muito nos orgulha e alegra.

Ceia: As pessoas anotam o que consomem do frigobar. Não preciso anotar todos os dias. Confio em meus hóspedes. Na época da Copa, um grupo de casais já tinha feito check-out e pediu para ficar um tempo a mais para poder ver o jogo do Brasil. Eu disse que sim. Eles novamente perguntaram: “Dona Ceia, podemos colocar umas cervejas na sua geladeira?”. Eu disse: “Claro!”. E nós entramos com a pipoca.

Em outra situação, um hóspede comentou que havia pegado um bombom. Eu respondi que é brinde da pousada, pois sempre coloco um chocolate sobre as camas. Ele disse: “Não, aquele eu já comi. O outro eu peguei de sua dispensa!”. A amizade acaba acontecendo. Sempre ligo para meus hóspedes no dia de seus aniversários.

HN: Vale investir em pequenos meios de hospedagem dentro deste conceito?
Scheidt: Posso responder como consultor ou ex-executivo. Como retorno financeiro, pode esquecer. Como qualidade de vida, não há cartão de crédito que pague.


Avenida Paulista em São Paulo ou este jardim na casa de Campos? 
Eles preferem o jardim

HN: Qual é a diária média da pousada?
Scheidt: Está entre R$ 275 na baixa e R$ 375 na alta temporada.

HN: Em quais meses há maior ocupação?
Scheidt: A alta temporada é em meados de julho. Agosto é para quem gosta de sossego.

HN: Vale a pena manter uma Gastehaus tendo em vista gastos com a manutenção fora de temporada?
Ceia: Quando você mora no lugar, compensa. Para abrir só quando tem hóspede, não compensa. Conheço pousada aqui que fica meses fechada. Nosso jardim, por exemplo, despende de R$ 300 a R$ 400 por mês. É preciso mantê-lo sempre bonito.

HN: Vocês prepararam o jardim com plantas nativas? 
Scheidt: Sim. E averbamos 20% de nosso terreno para proteção ambiental.

Ceia: Não desmatamos para construir a pousada, mas a lei pedia que ou plantássemos espécies nativas em nossa área ou que doássemos uma certa quantidade de mudas à prefeitura. Resolvemos plantar aqui. E nesta área não podemos construir nada.

HN: Dá para começar no mercado mesmo sem ter experiência?
Scheidt: Sim, dá para começar tudo na vida sem experiência. Afinal, a gente cresce experimentando e aprendendo. O importante é definir bem o seu objetivo e aceitar uma boa dose de risco. Enfim, mudanças exigem planejamento.

HN: Para inaugurar uma Gastehaus qual deve ser o investimento inicial?
Ceia: No estilo da nossa casa deve ser de, no mínimo, R$ 1 milhão. Para construir algo com muito esmero é preciso ter essa quantia.


A bela e aconchegante casa

HN: O que vocês diriam para pessoas que, como vocês, gostariam de mudar de cidade e inaugurar um empreendimento dentro do conceito Gastehaus?
Ceia: A vida a Deus pertence, mas eu fico em Campos do Jordão, não quero mais saber de São Paulo!

Scheidt: Primeiro é preciso entender bem o conceito do Gastehaus. Na Alemanha, gast é o hóspede e haus é casa. Para dar certo, os donos da pousada devem ter nesta, a sua atividade principal, mesmo que não seja a sua fonte de recursos mais importante. Resumindo: Gastehaus deve ser a atividade principal, mas a fonte secundária de recursos. Se vale a pena? Novamente eu te digo: não há cartão de crédito que pague.


Precisa falar alguma coisa?

Detalhes da pousada
As cinco suítes têm cama king size, lençol elétrico para aquecer os hóspedes em dias de muito frio, vidros duplos que não permitem entrada de barulho e que ajudam a manter a temperatura agradável, aquecimento do chuveiro a gás que garante água quente, frigobar, TV de 20″ e DVD. Todos os quartos têm decoração diferenciada, cada uma com um estilo. A Romantique, por exemplo, é provençal e conta com detalhes em cor salmão.
A casa possui cerca de 120 títulos de filmes, lareira com TV a cabo na sala e jardim
de 2 mil m². Os carros ficam em garagens e cada hóspede recebe um controle do portão.

Serviço
www.camposdojordao.org/pousadascheidt