“A Resorts Brasil não precisa estar na vitrine,
precisa fornecer dados. Acho que é o
nosso papel”, diz Ricardo Domingues
(fotos: Juliana Bellegard)
 
Um empreendimento que reúne hospedagem, gastronomia e lazer em um só espaço, possibilitando que o cliente possa desfrutar de toda sua estrutura sem precisar locomover-se para fora do local. O foco no lazer, o contato com a natureza e, muitas vezes, uma ampla gama de opções para atender famílias. Como definir o que é um resort? A partir do momento em que este produto turístico começou sua expansão pelo Brasil, alguns os hoteleiros viram a necessidade de se organizar. Eram, então, 14 resorts (e seus respectivos representantes) que decidiram unir forças com o objetivo de defender o segmento. O belicismo pouco tinha a ver com o mercado de hotéis urbanos ou de flats, tampouco com as casas de praia, locadas em temporadas, alternativa encontrada pelos brasileiros para aproveitar seu final de semana livre. A defensiva surgia frente a seus pares.
 
“Nessa época, 2001, havia uma consolidação do segmento de turismo e, principalmente, da hotelaria. Foi um boom. Havia, então, empreendimentos que se autodenominavam resorts e não eram”, explica Ricardo Domingues, diretor Executivo da Resorts Brasil. A motivação, semelhante à que levou o MTur (Ministério do Turismo) a criar o SBClass (Sistema Brasileiro de Classificação de Meios de Hospedagem), era traçar um padrão a ser seguido. Isso porque a profusão de unidades hoteleiras com piscina e massagem dizendo-se resort e spa gerava, por vezes, um desgaste na imagem desta categoria de empreendimento. De acordo com o dirigente, ainda nos primeiros anos de entidade, recebia reclamação de hóspedes de “um vulgo ou pseudo-resort”, como ele define. O questionamento invariavelmente era prontamente rebatido: “Olha, se ele não faz parte da Resorts Brasil, não podemos nos responsabilizar. Entretanto, na sua próxima viagem, tem uma relação no nosso site, você pode escolher um desses empreendimentos, que foram certificados”.
 
De lá para cá, a associação somou 41 membros em 11 Estados brasileiros e, hoje, faz parte das entidades que serve como fonte de dados sobre o desempenho do setor. O estudo Hotelaria em números – Brasil 2011, elaborado pela Jones Lang LaSalle Hotels com a colaboração da Resorts Brasil, mostrou que os resorts registraram, em 2010, números inferiores a 2009. Os índices da entidade estão impressos e afixados no quadro do escritório da Resorts Brasil em São Paulo, onde a entrevista exclusiva ao Hôtelier News foi concedida. Na mesa, entre papéis e publicações, o computador guarda as planilhas e power points com esses dados. Domingues consulta os números ao falar sobre os resultados – bons e ruins – dos associados. “A Resorts Brasil não precisa estar na vitrine, precisa fornecer dados. Acho que é o nosso papel”, diz.
 
Por Juliana Bellegard

 
 
HN: Existe uma preocupação por parte da Resorts Brasil em fazer o levantamento dos números dos associados. Isso faz com que o setor ganhe credibilidade?
Domingues: Sim, é preciso profissionalizar o Turismo. Hoje, você tem que mensurar todas as ações que realiza, é necessário dizer qual foi o resultado deste ou daquele evento. Não dá para fazer e queimar dinheiro. Eu peguei os resultados do desempenho do Carnaval do Rio de Janeiro nos últimos dez anos, e os números são muito distorcidos. A estimativa foi que, de 2003 para 2004, o movimento de turistas subiu 20%, no ano seguinte mais 15%, e assim por diante, de tal forma que não caberia na ocupação hoteleira. Os números não mentem, mas se você pegar o histórico, você vai encontrar distorções.
 
Por isso, temos números bem precisos dentro da associação, dados fornecidos pelos próprios associados. É possível ver, por exemplo, que a taxa de ocupação cai um pouco em 2009, sobe de novo em 2010 e está se mantendo assim este ano. O comissionamento para agências está na casa de R$ 87 milhões, os impostos somam R$ 169 milhões. São números consolidados, que divulgamos e passamos inclusive para o próprio Ministério do Turismo.
 
HN: Você explicou que o objetivo da associação é manter um padrão de qualidade. Como é o processo de seleção dos empreendimentos que fazem parte da Resorts Brasil?
Domingues: São duas etapas. O primeiro passo é fazer uma solicitação. Passamos uma matriz de classificação, que deve ser preenchida pelo empreendimento. São perguntas simples com respostas dicotômicas – sim e não – para avaliar a infraestrutura do hotel. São itens como meio ambiente, entretenimento e lazer, gastronomia, segurança, hospedagem, qualidade do empreendimento em termos de apartamento, restaurante e, principalmente, entretenimento e lazer. Recebida essa matriz, indicamos um auditor independente, que passará uma ou duas noites avaliando tudo. O custo desse auditor é do empreendimento.
 
Ele vai avaliar o serviço, criar situações possíveis, fazer pedidos. Quer um ovo frito de madrugada, quer passar uma camisa, para ver quanto tempo demora, se é atendido ou não. Lógico, vamos aos extremos, mas isso porque, se o extremo for atendido, o básico também será. Ao retornar, o auditor faz um relatório para a Resorts Brasil. O candidato também tem que estar legalizado, com seus impostos em dia e em propriedade legal. Por fim, faz-se uma reunião da diretoria para avaliar o posicionamento mercadológico do empreendimento. É a visão do consumidor, do jornalista e dos concorrentes. Se a unidade vem para acrescentar algo para o mercado ou não.
 
 
 
HN: A matriz de vocês é, então, anterior à do SBClass. A Resorts Brasil trabalhou junto com o governo nessa iniciativa de classificação?
Domingues: Somos, de certa forma, uma referência em termos de indicadores para alimentar os governos Estadual e Federal. Temos indicadores, números do setor muito detalhados, de impostos pagos, IPTU, ICMS, empregos gerados, e temos uma matriz. Como o governo nos enxerga como um braço prático, nos procurou para pensar na classificação dos resorts. A matriz foi solicitada e serviu de fonte inicial para adequação dos critérios do governo. Praticamente 80% a 85% da matriz do governo é igual à nossa. Outra coisa interessante é o fato de alguns novos empreendimentos solicitarem a matriz da Resorts Brasil para adequarem-se às exigências. Já tivemos dois casos deste tipo: o Meliá Angra e o Breezes Búzios, que fizeram o pedido de associação antes de concluir suas obras. Antes de abrir as portas, os resorts já se adequaram.
 
HN: De que forma a instalação de um resort em determinada região pode interferir no equilíbrio do local?
Domingues: O Turismo é um setor que, de modo geral, com qualquer investimento pesado feito, gera mão de obra, receita, desenvolvimento para o município. É só ver os casos dos resorts, quando ele se implanta em uma área, o desenvolvimento social humano que aquela região tem como consequência disso é altíssima. Os empreendimentos evitam o êxodo rural – o trabalhador deixa de sair de lá para morar nos grandes centros porque ali tem uma perspectiva de crescimento -, valoriza a gastronomia local, você valoriza a riqueza cultural, as raízes regionais.
 
Nas cidades onde os resorts estão instalados, você contrata a mão de obra e dá uma renda, uma perspectiva de carreira para quem não tinha nada disso. Tendo renda, ele pode viajar, melhorar sua qualidade de vida. O Rio Quente faz um trabalho muito bem feito com o município; lá em Comandatuba, coube à iniciativa privada levar energia elétrica, saneamento básico, rodovia. O que caberia ao Estado. Os empreendimentos também têm feirinha que vende produtos locais. A mesma coisa serve para o abastecimento: como eles não estão instalados em grandes centros, estão em cidades periféricas, precisam comprar insumos no próprio município, gerando arrecadação.
 
 
E tem também a questão da mão de obra local, cuja contratação nós incentivamos. Um exemplo é a Bahia, um dos primeiros destinos de resorts. Era difícil fazer com que os nativos utilizem sapato com meia, pois eles estavam acostumados a andar descalço ou de chinelo. É preciso ensinar o português correto e também outros idiomas, para atender bem os turistas. O Palladium passou dois anos capacitando seus colaboradores, criou a Universidade Palladium. Que governo investiria nisso? O morador hoje pode ser taxista do empreendimento, ter contato com turistas, trocar ideia sobre cenários mundiais. Olha a cabeça desse taxista. Se não fosse o resort para trazer uma nova visão de mundo, ele ia ficar isolado, ou viria para São Paulo, trabalhar com construção civil. Não vejo nenhum indicador que mostre pioras nas regiões onde o resort se instala.
 
HN: A sustentabilidade, tanto em relação às comunidades locais quanto ao meio ambiente, é incentivada pela associação?
Domingues: Sim, faz parte de nossa matriz. A relação com a comunidade local é importante, desenvolver a região como eu citei. A questão do meio ambiente também: o empreendimento tem que ter, pelo menos, três políticas de preservação ambiental. Como cada um tem sua particularidade, não entramos em detalhes de exigência sobre o que é feito. Tem um associado que fez um acordo com uma universidade para o reaproveitamento do óleo de cozinha, transformando-o em combustível para motosserra, para cortar o jardim.
 
HN: É muito comum ver, em todos os tipos de empreendimento, os avisos de reutilização das toalhas com o intuito de economizar água. É uma iniciativa que gera resultados reais?
Domingues: Fazendo um cálculo simplificado: a lavagem de cada toalha gasta, em média, 15 litros de água. Os resorts associados somam, hoje, 11.704 UHs. Se pensarmos um mês de janeiro, cuja ocupação é de 90%, a conta é para 10 mil apartamentos. Em cada um deles estão hospedadas, no mínimo, duas pessoas. São, portanto, 20 mil toalhas por dia, se cada hóspede usar uma só. Multiplicando pelos 15 litros, é um gasto de 300 mil litros diariamente só para lavar essas toalhas. Essa iniciativa foi uma ação da Accor que foi aplicada em outros empreendimentos. Eu acho que não é uma economia burra não, é muito inteligente.
 
HN: Como você enxerga o trabalho de promoção turística hoje?
Domingues: É preciso que os empreendimentos sejam colaborativos. No Caribe, na Espanha, o que acontece é que todos trabalham juntos em prol do destino. Os Estados Unidos soube muito bem se posicionar. Tem Nova York, tem a Califórnia – quando você viaja, não vai para os Estados Unidos, mas para estes destinos específicos. E aqui, você vem para o Brasil. Porto de Galinhas é uma exceção, está buscando essa diferenciação, que eu valorizo muito. O Embratur [Instituto Brasileiro de Turismo] fez um trabalho muito bem no começo, que é segmentar por produtos: Sol e Praia, Histórias e Natureza, Eventos. Mas ainda falta algo a mais.
 
 
 
HN: Excetuando-se os últimos escândalos, o MTur cumpre um papel importante neste contexto?
Domingues: Essa questão, sem sombra de dúvida, foi um pesadelo para os que estavam envolvidos. É uma página virada. A criação do Ministério [em 2003] foi um ponto muito positivo, pois a pasta é atuante, tem feito ações visando beneficiar o setor e, principalmente, está disposta a ouví-lo. A Resorts Brasil é uma instituição consolidada e trabalha em parceria com o Embratur, no sentido de atrair clientes de alto poder aquisitivo, que vem para o Brasil e divulgam o destino em seus meios.
 
Mas se os escândalos despontaram dessa forma, é porque o setor está tendo visibilidade, quando sempre foi um patinho feio. Se compararmos os investimentos feitos no País com outros destinos, como Espanha, EUA, Alemanha, Inglaterra, países que têm o Turismo como um de seus principais pilares econômicos, o Brasil faz pouco. Estima-se que o setor represente 3,2% do PIB [Produto Interno Bruto] Nacional, gera cerca de  870 mil empregos diretos e indiretos só em hotelaria, sem falar agência, operadora, companhia aérea. Seu desenvolvimento deveria ser uma bandeira levantada pelos parlamentares. 
 
HN: O que pode, então, ser feito para reverter essa situação?
Domingues: A Resorts Brasil entrou com uma representação junto aos parlamentares visando a inclusão do turismo no programa Brasil Maior, cujo pano de fundo é a desoneração de alguns setores que tem como característica a alta contratação de mão de obra e a baixa informatização. Que é nosso caso. O setor é 100% mão de obra, informática é só no sistema de reservas, o resto tudo é operacional, tem que ser contemplado. O que falta: uma representatividade e uma cobrança maiores do setor. É o próximo passo no sentido de crescimento e amadurecimento do Turismo. Exemplo disso é o setor de laranjas dos Estados Unidos. Lá, os senadores fazem leis impedindo a importação de laranja brasileira para preservar o produto deles.
 
Aqui a gente não só não vê isso, mas o governo ainda incentiva nosso turista a ir para fora. O custo trabalhista e a carga tributária brasileiros são muito elevados, e isso faz com que percamos competitividade internacional. Fizemos um quadro comparativo do País com destinos do Caribe. Aqui, uma mesma estrutura de resort é 60% mais cara do que na República Dominicana e 40% mais cara do que na Jamaica. Além disso, o câmbio está favorável. A viagem para o exterior passa a ser circunstancial, o brasileiro decide ir para fora, porque é mais barato. E o contrário também acontece, o estrangeiro deixa de vir para cá. Sair de Buenos Aires ou de Santiago e se hospedar no Brasil é mais caro que do que em Cancun ou em Aruba, que são destinos mais distantes. 
 
 
HN: O brasileiro precisa de mais incentivo para viajar para os resorts nacionais?
Domingues: Um dos nossos trabalhos, dentro da associação, é quebrar o paradigma de que resort é uma coisa de luxo. Não é. A própria definição é um empreendimento de alto padrão no qual o hóspede não precisa se ausentar, tendo suas necessidades de entretenimento, gastronomia, segurança e contato com a natureza atendidas no local. Existe também a mística de que é algo caro, mas, pelo menos nos últimos três anos, o valor dos pacotes vem sendo reduzido. O que acontece, volto a dizer, é que a carga tributária no Brasil é abusiva. O Ricardo Freire, do Viaje na Viagem, fez uma ação em parceria com a Resorts Brasil no ano passado, na qual ele visitou empreendimentos do Caribe e daqui para mostrar as diferenças. Em nenhum momento, na avaliação dele, os resorts nacionais ficaram abaixo dos caribenhos no que diz respeito a entretenimento, serviço, gastronomia. Não deixamos nada a desejar.
 
HN: Vocês trabalham com os associados no sentido de contornar essas dificuldades?
Domingues: Existem duas maneiras de aumentar a rentabilidade de um empreendimento: a primeira é reduzir custos e a segunda é aumentar a receita. Trabalhamos muito visando reduzir custos, de tributos, buscando caminhos alternativos. Esse é o papel da Resorts Brasil, buscar soluções visando melhorar a performance dos associados. Estamos, por exemplo, observando a mudança de perfil de consumo dessa geração futura, a Y. É importante orientar o mercado, mostrar quais são as tendências, qual é o cenário, preparar esse mapa. Por isso, inclusive, promoveremos o Resorts e o novo contexto mundial [evento que acontece hoje (18) no Rio de Janeiro]. É uma nova fase para a entidade também.