Pousada pode se consagrar como a primeira de
Florianópolis com postura ecologicamente responsável
(foto: divulgação)
 
Em tempos de discurso verde, papo de quem não é sustentável tem ruído como cicuta no meio empresarial. Aquele que não se preocupa com o planeta, pouco sabe sobre os desdobramentos do alargamento da camada de ozônio ou não adota meia dúzia de procedimentos que anteriormente eram atribuídos aos “bichos-grilos” está tão démodé que provavelmente utiliza o Orkut e não tem mais de 400 amigos no Facebook, com o perdão da piada. Pega mal não ser verde e, a essa altura, até o Hulk caiu no gosto popular.
 
O alarme soou primeiro entre os ambientalistas, mas isso num tempo remoto no qual a sustentabilidade estava sozinha e ninguém dava lá muita atenção ao tema. Não mais. Agora, o diálogo de que não se pode mais fazer uso desenfreado do planeta virou a nova coqueluche, inclusive para o setor hoteleiro. Pudera. Sem se levar em conta o que pode vir a ser do globo terrestre caso o freio de mão não seja puxado, o discurso de marketing quanto às práticas sustentáveis por si só já vale a mudança de comportamento. E há mais benesses aí – listadas mais à frente.
 
Por essas e outras, empresas estão, cada vez mais, acirrando suas posturas quanto ao tema. O leitor deve questionar, de fato, qual é a novidade disso. Nenhuma. À altura das promessas feitas e das expectativas já consolidadas, terá de invocar outra cabala o hoteleiro que quiser, efetivamente, tornar tangível essa história de sustentabilidade.
 
E o ato não pode ser somente o discurso de que “conscientizamos o hóspede a não enviar toalhas à lavanderia diariamente”. Há algumas medidas concisas em prática. E aí o caso da Pousada Verdes Mares é a luz no fim do túnel, com desculpas antecipadas pelo clichê, quanto a esta missão civilizatória.
 
Situada na praia dos Ingleses, em Florianópolis, a unidade hoteleira direciona desde ano passado um programa de educação ambiental que pode ser tido como integrado e eficiente. A primeira parte do projeto, tocado com a organização sem fins lucrativos Nosso Lixo, engloba o PGRS (Programa de Gerenciamento de Resíduos Sólidos). Já o passo número dois é a criação de um minhocário, para que nenhum lixo orgânico volte para o planeta, que deve ser findada ainda este ano, em meados de outubro próximo.
 
“O interesse partiu por meio da leitura de O livro verde, de Elizabeth Rogers e Thomas M. Kostigen, que despertou a iniciativa de transformar nossa pousada num ambiente mais responsável ecologicamente”, explica Caroline Athayde, proprietária do meio de hospedagem.
 
“Nosso foco é, antes de tudo, trabalhar a não geração de resíduos, pois sabemos que, se tratarmos tudo que for gerado, estamos na verdade perpetuando este estilo de vida embasado no desperdício e que é totalmente insustentável”, completa o engenheiro Gilberto Napoleão, coordenador do programa Adquira seu minhocário, tocado pela Nosso Lixo.
 
Notadamente, esbarra-se na questão básica citada pelo especialista: conscientização. E é por isso que o Hôtelier News resolveu conhecer a realidade da Verdes Mares, no intuito de colocar à mesa prós, contras e impasses que esta causa ainda apresenta para o mercado hoteleiro com um case específico.
 
Por Dênis Matos

 
(imagem: imoveissustentaveis.com.br)
 
É na ausência de conscientização da indústria da hospitalidade brasileira que reside um dos pontos que faz da atitude sustentável algo incipiente no Brasil. Até pouco tempo havia um estigma de que respeitar o planeta era simplesmente não poluir – e aí os símbolos disso estavam presos a chaminés, fábricas ou empresas cujo esgoto desembocava num rio ou algo assim. Porém, hoje, muitos setores já convergem nesta lógica do meio ambiente e têm ciência de seu papel.
 
“Como o setor turístico vem aumentando a cada ano, e isso acarretando em populações flutuantes consideráveis, notou-se que sim, o turismo e seus meios de hospedagem também resultam em impactos ambientais relevantes e em consumo de recursos naturais excessivos”, explica Gilberto Napoleão. Para o engenheiro, a noção do impacto que o turismo carrega tem construído informações preciosas tanto para o empreendedor quanto para os hóspedes.
 
“Acho que já temos uma fatia representativa de empresários conscientes agindo com responsabilidade ambiental em suas ações. Ainda assim, poucos influenciados por meio da consciência ambiental e, sim, do contrário, por uma consciência de mercado”, ataca. “Pela pressão cada vez mais predominante dos consumidores, as empresas evidenciaram que as questões ambientais fazem parte de uma administração estratégica. As boas práticas devem estar incluídas na gestão dos negócios, pois ambos são fatores essenciais para longevidade do empreendimento”, completa.
 
No caso da Verdes Mares, a mudança vem imbuída com um quê ideológico. Caroline menciona que a preocupação era repensar o que se fazia de “certo” ou “errado” na pousada no que tange ao meio ambiente. Coletores, contentores e espaços adequados para a armazenagem dos diversos tipos de resíduos foram necessários para tanto.
 
Todo o material reciclável, notadamente, é separado entre papéis, plásticos, metais e vidros e tem seu destino certo. Os resíduos orgânicos, por sua vez, passam pelo minhocário e vão virar adubo. O intuito, sublinhe-se, era obter melhores resultados, mas não só isso, uma vez que os dividendos estão no pacote.
 
“Claro que a redução de custos após a completa implementação do programa empolgou, mas a consciência de estar fazendo a nossa parte e ainda replicando para nossos hóspedes é o que faz os olhos brilharem”, articula a executiva.
 
Subsídios para uma postura sustentável
De fato, o diferencial da sustentabilidade tem sido moeda de troca para que os meios de hospedagem ganhem destaque num mercado tão competitivo. Mas há mais que isso. Exemplo claro e favorável de que a sustentabilidade, além de politicamente correta, traz dividendos é o ISE (Índice de Sustentabilidade Empresarial), criado pela Bovespa (Bolsa de Valores de São Paulo) para transformar a questão num ponto de marketing.
 
O índice pode ser baliza para despertar o interesse de investidores na compra de ações de empresas que possuam políticas claras de respeito à responsabilidade social de seus empreendimentos, produtos, serviços e ao meio ambiente.
 
A ABIH (Associação Brasileira da Indústria de Hotéis), o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) e o IBH (Instituto Brasileiro de Hospedagem) também produziram recentemente o Manual de sustentabilidade para os Pequenos Meios de Hospedagem, com um manancial de práticas para que hotéis e pousadas se consolidem e se posicionem acerca desta lógica sustentável.
 
Some-se aí o ProCopa Turismo, projeto no qual empresários do setor podem solicitar ainda financiamentos para o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) com taxas menores caso as unidades hoteleiras possuam políticas favoráveis ao meio ambiente. A priori, os pedidos devem ser entregues até o final deste ano, mas o órgão já estuda ampliar o prazo, em dois produtos voltados à sustentabilidade: o Hotel Sustentável (que exige certificado de construção sustentável) e o Hotel Eficiência Energética (que exige certificado de eficiência energética).
 
Mesmo com essas possibilidades, esbarra-se aqui, aparentemente, na questão de conscientizar o mercado quanto ao ponto como investimento – e não como gasto. “Se formos analisar como um custo, talvez alguns achem oneroso, pois estamos falando de algo pontual. No entanto, se for visto como investimento, que trará um retorno ainda em curto prazo, com certeza teremos gestores satisfeitos, pois tais medidas agregarão valor ao espaço, receita ao empreendimento, atividades interessantes aos hóspedes, minimização de passíveis ambientais, ponto de criação de valores sociais, dentre outros”, esclarece o engenheiro.
 
(imagem: cprh.pe.gov.br)
 
Para a Verdes Mares, a lógica parece ter funcionado. A proprietária diz que o projeto contempla um estudo financeiro, da economia que é feita com o tratamento e encaminhamento do lixo – o que, se considerado, faz do investimento algo retornável e economicamente viabiliza a implementação. Outro ponto é que o governo exige de empresas que produzam uma quantidade grande de lixo devem pagar uma empresa especializada para recolhê-lo e, com o projeto, isso é minguado.
 
“Na Pousada Verdes Mares, por exemplo, na implementação da segunda parte do que foi projetado, os resíduos orgânicos que eles pagariam para serem coletados serão tratados in loco. O húmus gerado será destinado ao paisagismo, para uma horta orgânica, e a última parte para um viveiro natural, onde os hóspedes poderão, gratuitamente, plantar mudas para neutralizar a emissão de carbono da viagem”, acrescenta.
 
De fato, pensando num empreendimento independente, os cerca de R$ 10 mil gastos com o projeto são pesados. Contudo, tendo como base um hotel de rede, que tem estrutura e, comumente, investidores aplicando verba, isso se tornaria risível.
 
Ainda assim, mais do que dinheiro é preciso para que algo como o PGRS se desenhe. Segundo Gilberto Napoleão, os facilitadores e os  viabilizadores do plano estão, justamente, no trabalho de educação ambiental. Para ele, as pessoas envolvidas, comumente, não terão acesso às mesmas informações em suas casas – o que dificulta que a postura sustentável se torne hábito.
 
“O PGRS é composto, primeiramente, por um programa de educação ambiental integrado e eficiente. Esta é uma etapa chave, pois garantirá a efetiva operacionalidade de tudo o que foi projetado, bem como, por meio de uma socialização de informação, sensibilizará os hóspedes estimulando uma mudança de atitude e promoverá a criação de valores sociais”, menciona.
 
(imagem: construindoacasaverde.blogspot.com.br)
 
Para tanto, em diversos pontos da Verdes Mares estão instalados painéis que convidam o hóspede a assumir posturas fieis à causa – servindo de mantra para visitantes e colaboradores. “Não somos um hotel-escola, o visitante não é obrigado a participar, mas o ambiente desenvolvido dentro da pousada neste sentido naturalmente induz o turista a ter esta consciência e agir dentro da pousada conforme as diretrizes do programa”, comenta Caroline.  
 
Além da questão de engajamento, o que deve ser feito com cada resíduo encontrado precisa ficar latente para o coletivo. Todo um levantamento com formas adequadas para segregar, manusear, acondicionar, transportar e destinar os materiais colhidos precisa ser levantado. Alguns resíduos, como papel higiênico, esponjas e palhas de aço, não têm solução e são tidos como rejeito. Nem tudo é perfeito.
 
Mas pode ser minguado. O papel do hóspede, neste sentido, tem latência novamente. De acordo com o engenheiro, o sistema empregado na Verdes Mares atende justamente a esta insígnia desde a reserva. O cliente recebe um e-mail contendo um manual de gerenciamento de resíduos sólidos. Além disso, caso tenha interesse, pode solicitar um guia com o mesmo conteúdo, porém direcionado aos resíduos familiares. Essa disseminação, diz o engenheiro, é completada com as práticas que o visitante terá no próprio meio de hospedagem.
 
Em meio a esses processos, ainda assim, Caroline diz não ver grandes percalços para que tudo funcione. Ela garante que nem mesmo a conscientização ou a execução foram complexas, devido ao envolvimento dos funcionários. A Nosso Lixo, também, acompanhou todo o andamento da implantação, para que o programa engrenasse.
 
De funcionários a hóspedes, todos precisam ser engajados
para que o sistema do minhocário funcione na Verdes Mares
(foto: divulgação)
 
Responsabilidade empresarial
Todo o andamento da coisa, notadamente, está atrelado a importância que se dá a ações deste porte. Caroline, neste sentido, felicita-se por ter conseguido desenvolver algo operacionamente possível e, além disso, fazer sua parte como cidadã.
 
O engenheiro, quanto à questão, é mais incisivo. “Projetos como este são, antes de tudo, obrigados por lei. Todos os grandes geradores têm responsabilidades perante seus resíduos, tais como contratar empresas que coletem e destinem adequadamente os materiais. Ainda com embasamento legal, todos somos responsáveis por promover um meio ambiente equilibrado”, argumenta.
 
“Sabendo disso, agir com responsabilidade perante nossos resíduos economiza recursos naturais, previne impactos ambientais, melhora qualidade de vida, prioriza a saúde pública, previne contra catástrofes ambientais, ajuda na formação de cidadãos, dentre muitos outros. Implantar projetos como este mostra o comprometimento do estabelecimento com um crescimento sustentável, trabalhando por um futuro melhor”, finaliza Napoleão.
 
Neste ponto, Caroline vai além e só vê benefícios: “Acredito que, por isso, poderemos nos credenciar como a primeira pousada urbana ecologicamente sustentável de Florianópolis”.