Importantes acontecimentos históricos ao longo dos séculos, como as revoluções Francesa e Industrial, marcaram grandes transições globais. Com a pandemia que parou o mundo não foi diferente. Em 2020, já é possível perceber mudanças significativas em diversos hábitos, do trabalho ao consumo. No turismo e hotelaria, o impacto foi tremendo e é impossível não se perguntar, independentemente da vacina, se o novo normal chegou para ficar ou não.

Momentos de transformação pedem adequações muitas vezes drásticas. Padrões de comportamento que eram tendências lentas foram catalisados pelo isolamento social imposto nos últimos meses. Futurismo ou não, o fato é que o jeito de se fazer e consumir hotelaria não é mais o mesmo. Certificações, protocolos e a digitalização da jornada do cliente não deixa dúvidas. Antes da retomada do setor e a reabertura dos hotéis, muito se especulava sobre como seria essa nova realidade. Agora, com 92% da oferta brasileira em operação, segundo o último levantamento do FOHB (Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil), já é possível prever o que veio para ficar e o que é temporário.

Para fazer uma análise sobre esse novo normal, o Hotelier News conversou com Carolina Sass de Haro, sócia da Mapie, e Gabriela Otto, proprietária da GO Consultoria e presidente da HSMAI Brasil. Dando suas visões sobre o comportamento do consumidor e distribuição hoteleira, as profissionais preferem ponderar quando se trata de radicalismos e mudanças definitivas.

“Muito do tal novo normal, com todas suas regras e restrições, será temporário. Muitos querem seu velho normal de volta, repleto de liberdade, viagens, empregos e eventos lotados. Agora, claro que muitos procedimentos, inovações e boas práticas seguem na era pós-coronavírus, e esse será um excelente legado”, comenta Gabriela. “Lembrando que para fazer valer tudo isso, o que mais conta será a mudança de mentalidade”, acrescenta.

O novo normal do consumidor

Levantamento divulgado pela Booking.com no final de outubro revela que 66% dos brasileiros ainda não se sentem confortáveis em viajar sem a descoberta de uma vacina. Em contrapartida, 67% dos 1 mil entrevistados disseram estar animados para retomar suas viagens quando a pandemia acabar. Já outros 86% afirmaram que passarão a valorizar mais o hábito de viajar.

Um segundo relatório desenvolvido pela Travel Lab entrevistou 1.236 turistas de todas as regiões do país. De acordo com a pesquisa, protocolos sanitários em meios de hospedagens são fundamentais para 60,81% dos viajantes de lazer. Na sequência, aparecem fatores como segurança percebida (59,37%) e preço (56,48%). Para a próxima viagem, 53,78% pretendem se hospedar em pousadas e 51,79% em hotel.

No segmento business, ainda muito afetado pela pandemia, a demanda será maior nos hotéis econômicos (55,63%). Em relação aos protocolos sanitários, 52,92% dos viajantes consideram medidas de segurança fundamentais para a decisão de compra. Pouco mais que um em cada dois brasileiros não precisa viajar a negócios neste momento e também não gostariam.

“Com a maior reabertura da economia, muitas pessoas voltaram a trabalhar e a circular, disponibilizando-se a fazer outras atividades, como viajar. Temos algumas pessoas que já estão menos preocupadas no seu dia a dia e isso se traduz no turismo. Alguns hóspedes reclamam de protocolos rígidos, mas ainda é minoria”, diz Carolina.

De acordo com a sócia da Mapie, a maioria da população ainda não retomou o hábito de viajar e se limita às atividades obrigatórias. Segundo a profissional, neste momento, é importante reforçar os protocolos e dar segurança a esse grupo mais resistente na comunicação com o público. “São pessoas que não vão se sentir à vontade e precisamos delas para manter a demanda”.

Gabriela explica que a expectativa do hóspede é que o hotel “cuide” dele e mantenha as medidas necessárias para manter a segurança. “Em tempos de selos de qualidade, muitos sem fiscalização adequada, o grande fiscal dos protocolos segue sendo o hóspede, que, neste momento, está fazendo valer seu poder de influência com seus reviews, posts e câmeras sempre a postos durante a hospedagem. Antes de fazer a reserva, ele quer saber os protocolos e se sentir seguro. Durante a hospedagem, além de checarem se o hotel cumpre o que promete, esperam ser mimados, entretidos e bem-vindos”, acredita.

Carolina ainda ressalta a concretização das previsões de viagens à curta distância no lazer, em um raio de até 400 quilômetros para destinos acessíveis. “Normalmente, são viagens com conexão com a cidade de origem, próximos à natureza. Já o segmento business se confirmou como um mercado de retomada mais lenta”, acrescenta.

Novo normal - já vivemos essa realidade_gabriela otto

Para Gabriela: mais do que nunca, hóspedes querem cuidados e rígidas medidas de segurança

O que mudou para os hotéis

Antes das reaberturas, redes correram atrás de desenvolver seus próprios certificados de higienização, muitas vezes em parceria com grandes nomes da área da saúde. Na prática, muitas mudanças operacionais caíram por terra e se mostraram desnecessárias. “Higienização das mãos, uso de máscara e distanciamento social são três hábitos que obrigatoriamente foram implementados. Alguns resorts estão operando com ainda mais critérios, mas conseguindo oferecer atividades ao ar livre, o que faz da hospedagem mais atrativa”, destaca Carolina.

Outro ponto de relevância é a área de A&B (Alimentos & Bebidas). Com bufês assistidos ou self service com o uso de luvas, o departamento foi um dos que mais sofreu alterações operacionais. “Proteção de acrílico entre a comida e o hóspede e mise en place montado apenas quando o cliente chega à mesa são algumas mudanças substanciais que pudemos perceber”, complementa a sócia da Mapie.

“Como citei antes, a expectativa do hóspede é que o hotel cuide dele, não só comunicando assertivamente, mas fazendo valer os protocolos. Portanto, o diferencial está justamente em proporcionar isso sem afetar a experiência. Prova disso é que os buffets de café da manhã e a arrumação do quarto diariamente seguem atraentes”, pontua Gabriela.

Vendas diretas e digitalização

Como em toda a cadeia, a distribuição também sofreu transformações. Apesar do destaque atual em meio ao novo normal, as vendas diretas sempre foram um objetivo, avalia Gabriela. “Muitos aspectos contribuíram para isso, como a revisão de custos de distribuição e aquisição de cliente. Há também a necessidade de rever contratos com parceiros, que redundou em negociações firmes e até corajosas por parte dos hoteleiros. Além disso, acordos inéditos ocorridos no mercado mostraram que o equilíbrio e minimizar a dependência não só é possível, como é uma necessidade”.

A presidente da HSMAI ainda conta que muitos hotéis pequenos ou independentes passaram a adotar conceitos antigos, como nunca oferecer tarifas maiores no site do que canais terceirizados. “Parece pouco, mais isso não é mais um paradigma, e muda muito a estratégia comercial da hotelaria. É um passo a mais na profissionalização desse setor tão pulverizado”, destaca

Consumidores mais maduros com desejo de garantias de segurança e flexibilidade de condições de pagamentos ou cancelamento vêm optando por reservas diretamente com os empreendimentos. Desta forma, houve um maior despertar da indústria para a força das redes sociais. “Claro que alguns já trabalhavam bem online, mas a busca por maior conhecimento sobre marketing digital ajudou muito nesse período, destacando a necessidade de se comunicar diretamente com o cliente final”, pontua Gabriela.

Cálculos de lucratividade e maior aproximação entre as áreas de Vendas e RM (Revenue Management) também fazem parte de um planejamento estratégico assertivo. Criação de pacotes, promoções e parcerias também têm surgido com frequência. “Os hotéis estão ‘embalando’ suas propostas de preço versus valor de forma mais assertiva, ousando mais, testando e até corrigindo erros mais rapidamente. Não é o momento para tomar decisões precipitadas, de longo prazo, que possam prejudicar seu faturamento e lucratividade no futuro. É o momento de decisões de curto prazo e errar rápido”, complementa Gabriela.

Sobre 2021, ainda é cedo para afirmar se o novo normal vai se estender por mais um ano. Para Carolina, enquanto não houver uma vacina, precisaremos nos acostumar com o cenário. “Naturalizamos muitas coisas, mesmo que indevidamente. Prova disso são pessoas que tornaram a pandemia algo cotidiano e estão tocando a vida normalmente. Ainda teremos uma divisão de perfis de turistas por algum tempo. Caso haja uma nova onda, como na Europa, podemos esperar mais restrições”, finaliza.

(*) Crédito da capa: zhugher/Pixabay

(*) Crédito da foto: Divulgação/GO Consultoria