A pandemia trouxe uma mudança grande com relação à possibilidade de trabalho em casa, tendo diversas empresas adotado o conceito de home office para alguns dias da semana, o que gerou uma mudança de padrão. Pessoas passaram a investir em imóveis maiores e mais distantes do trabalho, o que abre espaço para compra e locação de flats menores, para que utilizem nos grandes centros nos dias de pernoite.
Ora, enquanto os condo-hotéis lançados a partir de 2013 passaram a ser regulados pela CVM, as vendas dos que já existiam no mercado e os flats para uso próprio não passam pelo crivo do órgão e não há o prospecto que resume o negócio como um todo, ficando a pergunta: se eu quero investir em um flat ou em um condo-hotel já operando há anos, no que devo prestar atenção?
1) Entender o que está comprando
Primeiro é importante entender a diferença:
a) Um apart-hotel, muitas vezes chamado de “flat” ou residencial com serviços, costuma ser um apartamento menor, em prédio residencial que pode oferecer algumas estruturas ou benefícios assemelhados a serviços hoteleiros (como limpeza, lavanderia, serviço de passadeira, delivery de alimentos), mas a ideia de quem compra é utilizar a unidade para si, com decoração própria e, ainda que venha a alugar, não há um serviço único de locação com remuneração conjunta por todas as locações ou “pool”.
b) Já no condo-hotel, o mais costumeiro é que quem vá utilizar não tenha a menor noção de que se trata de um condo-hotel. O cliente vai simplesmente alugar, por diária, o imóvel que estará de acordo com o padrão da bandeira da administradora do hotel que prestará os serviços hoteleiros e locará os quartos todos que estejam no pool, repartindo entre os condôminos proprietários os lucros líquidos de toda operação do hotel. Já o investidor vai receber uma receita conjunta com os outros proprietários de unidade, sem ter a posse do quarto.
Então a primeira questão é: você está adquirindo o imóvel com serviços para usar ou somente investir? Se a resposta for a primeira opção, isto é, ter a posse, a opção mais recomendada é um apart-hotel. Ainda que venha alugar em temporadas nas quais não estiver utilizando a unidade, você terá a posse indireta do imóvel e arcará com os custos dele (repassados ao inquilino).
Já se a ideia é mais obter receitas e não se preocupar no dia a dia da operação, a opção do condo-hotel poderá ser mais adequada.
2) Analisar o passivo do imóvel e dos proprietários
A compra de um imóvel exige a análise se o imóvel tem dívida de tributos como IPTU, taxa de incêndio, cotas condominiais em atraso, para que saiba as condições do que está comprando. Isso porque essas taxas são diretamente relacionadas ao imóvel e costumam acompanhá-lo. Ou seja, independentemente de quem pagou ou não pagou, a dívida continuará vinculada ao imóvel, cobrável do adquirente.
Não é só isso. É preciso verificar se quem vendeu tinha direito de fazer isso, não tinha dívidas que possam anular a venda ou se tinha algum problema no momento em que o vendedor comprou o imóvel.
Por exemplo, se alguém compra um imóvel que já tinha sido prometido à venda faltando somente registrar a compra e venda, essa segunda compra pode vir a ser anulada. Também se alguém vende um imóvel, mas estava com uma execução em andamento contra o vendedor, o credor pode, em certos casos, anular a venda… esses são alguns dos exemplos.
Então sempre consulte profissionais na hora de comprar unidades imobiliárias. Ainda que tenha experiência com compra e venda de imóveis, é importante uma análise caso a caso dos documentos do imóvel e dos vendedores (antigos e atuais, dependendo do tempo em que o vendedor tiver sido titular do imóvel).
3) Leia a convenção de condomínio
A maior parte das compras e vendas de imóvel é feita sem que o comprador analise a convenção de condomínio.
Esse documento é o que estabelece as regras gerais e é preciso entender quais são, principalmente se se tratar de empreendimento que envolve serviços ou se for multiuso (por exemplo, um prédio residencial com restaurante e lojinha embaixo). Apesar da leitura normalmente ser repetitiva e maçante, é importantíssimo que se analisem as condições existentes.
Há proibição de locação por Airbnb? As lojas fazem parte do condomínio? As regras são diferentes? Qual horário de funcionamento? Como fica a divisão de custos e encargos condominiais? É claro que o consumo de luz uma quitinete é muito diferente de uma academia de ginástica, né? Esses são alguns pontos que merecem atenção.
4) Entenda as condições comerciais dos serviços e instalações
A ideia de que só vou pagar se eu quiser usar, nem sempre funciona. Busque saber e obtenha, por escrito, todas as condições financeiras e os encargos que são cobrados com os serviços e instalações.
Procure saber também se existem contratos de longo prazo firmados com alguma bandeira ou operadora hoteleira e – dentro do possível – faça uma pesquisa para ver se há reclamações de outros condôminos sobre a forma como a operação do condomínio e dos serviços está sendo oferecida.
Pesquise e pergunte. Não tenha medo de “ser chato/a”. É melhor ter segurança do que se arrepender depois. E peça ajuda para quem entende. Você está investindo em um patrimônio de longo prazo, tem que ser feito com cuidado.
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Ana Beatriz é sócia do Perez & Barros Advogados, Masters of Laws pela New York University, Presidente da Comissão de Hotelaria e Multipropriedade do IBRADIM e Membro da Comissão de Direito Urbanístico e Imobiliário da OAB/RJ. Professora dos Cursos de Pós-graduação da CEPED/UERJ, PUC/RJ e ABADI.