Mensalmente, ouço de executivos e investidores as seguintes perguntas: “Multipropriedade é um bom negócio?”. “Vale a pena entrar no setor?”. E minha resposta geralmente é simples: “Sim, mas com diligência e preparo”. Em um setor no qual muito se fala de VGV, pouco se discute estratégia, fluxo de caixa e o real potencial de valor do negócio.
Primeiro, o lado sedutor das propriedades compartilhadas
Caminhamos para 200 projetos no Brasil, entre empreendimentos lançados e em operação. São dezenas de bilhões de reais em VGV e um preço de venda por m² próximo a 4 vezes à incorporação tradicional. Em uma visão simplista, uma “mina de ouro”, com oportunidades para incorporação, comercialização, estruturação financeira, operação hoteleira, consultoria, intercâmbio…
O “lado B” que poucos te contam
Não apenas o preço de venda é superior à incorporação tradicional, mas o distrato e o custo de comercialização também. Projetos com 70% de cancelamento e 25% de inadimplência existem, e infelizmente não são um ponto fora da curva. Algumas operações estruturadas com CRIs deixaram de distribuir resultados e empresas relevantes sofreram.
E como obter sucesso?
O êxito de operações de multipropriedade, assim como em qualquer negócio, passa pela concepção de bons produtos, parceiros fortes, uma entrega alinhada com a promessa e sólida governança. Alguns pontos de atenção:
- Não se faz bons negócios com empresas ruins. “Primeiro quem, depois como”. Sem bons parceiros, não há bons projetos.
- Contratos precisam ter alinhamento de interesse. Cláusulas de performance e divisão parcial de risco entre comercializadores e incorporadores são fundamentais.
- Se não tem acesso a capital, não avance. É preciso ter recurso financeiro compatível com a lógica do negócio. Financiamento a qualquer preço quebrará a sua empresa.
- A operação é a alma do negócio. Não basta vender, precisa entregar. Projetos sem boa operação viram uma avalanche de cancelamento.
- Excel aceita tudo. Se é “marinheiro de primeira viagem”, busque assessorias independentes, sem conflito de interesse, para avaliar o seu negócio. O barato pode sair caro.
- Não caia na armadilha de vender investimento. A essência do negócio é o uso, não o aluguel das unidades para rentabilizar o imóvel.
- Sem vendas não há negócio. Pontos de originação de clientes são estratégicos. E a essência do negócio continua sendo as vendas de impacto.
- Pós-vendas na prática. Relacionamento, relacionamento, relacionamento. “Quem não dá assistência, perde a preferência”.
Repito, a multipropriedade pode ser um bom negócio
O turismo compartilhado é um negócio global de US$ 20 bilhões anuais em vendas, de grandes players e mais de 50 anos de crescimento. Em mercados maduros, com produtos adequados e empresas competitivas, excelentes resultados foram atingidos. E sim, também é um negócio complexo, que requer estratégia, diligência e governança.
No Brasil, por ser um mercado em desenvolvimento, estamos em curva de aprendizagem para muitas operações. Logo, inspirar-nos em boas práticas nos ajudará a ter negócios cada vez mais sólidos e atrativos. Para tanto, temos uma “lição de casa” para fazer como setor.
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Pedro Cypriano é especialista em investimentos e gestão estratégia, fundador e sócio-diretor da Noctua Advisory | Inteligência em hospitalidade e entretenimento. Ao longo dos últimos 20 anos, liderou centenas de projetos junto a consultorias globais, na Europa, no Oriente Médio, na África e na América Latina. Conselheiro de empresas de multipropriedade, timeshare e hotelaria. É autor do livro Desenvolvimento Hoteleiro no Brasil, pela editora SENAC, e professor em cursos de pós-graduação e programas executivos no Brasil e no exterior.
(*) Crédito da capa: Arquivo pessoal
(**) Crédito da foto: Divulgação