quinta-feira, 14/novembro
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Julio Cesar Butuhy: A escassez de colaboradores: o fundo do poço ainda não chegou

Em 2008, eu e outros professores do Senac São Paulo, apresentamos uma pesquisa no XII Brazilian Hospitality Investiment Conference, evento promovido pela BSH, sobre perspectivas para o futuro da hotelaria. Naquele momento, a maior preocupação do trade, era que se nada fosse feito, no futuro, poderia faltar mão de obra qualificada. E que isto comprometeria seriamente o desenvolvimento do turismo brasileiro, como um todo.

É triste constatar, mas este futuro chegou e é bem pior do que imaginávamos na época. Ele não afeta apenas o nosso segmento econômico, mas o mercado de serviços como um todo. O comércio, em geral, está “penando” para preencher as vagas de emprego que foram reabertas desde meados do ano passado.

É pior do que o previsto, pois estamos vivendo um momento que pode ser definido como a “tempestade perfeita”. Encerramento maciço de cursos na área de turismo, hotelaria e eventos, por parte de faculdades e universidades. Simplificando, nossos principais desenvolvedores de colaboradores estão diminuindo a formação de pessoas altamente qualificados. A pandemia mudou e ampliou a visão de mundo e de qualidade de vida de muitas pessoas (dos mais jovens, principalmente).


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Continua com a diminuição no desejo de “trabalhar a vida toda em uma empresa e de fazer carreira em um só lugar”. Isto influencia na queda significativa do interesse dos colaboradores em manter longos vínculos com uma mesma empresa. O aumento de doenças psicológicas (ansiedade, burnout, stress, por exemplo), fato constatado durante a pandemia e que atingiu principalmente os colaboradores da linha de frente.

Segue com baixos salários e benefícios, que colocam a remuneração da nossa área abaixo de valores médios recebidos, por exemplo, na construção civil. Planos de carreira que são lindos no papel, mas que não são colocados em prática pelas empresas. Isso cria no colaborador a sensação de que estagnou na carreira e de que “vou morrer fazendo só isso”.

Os diversos profissionais qualificados que foram demitidos durante a pandemia e que após se recolocarem, não possuem mais interesse em voltar para o segmento de hospitalidade. A desconfiança quanto ao fim ou não da pandemia, que gerou um medo latente de que uma nova epidemia cause uma outra onda de demissões em massa.

Afinal, o nosso segmento, foi o que sofreu impactos mais perceptíveis e duradouros em termos de emprego e renda.

Podemos listar pelo menos mais uma dezena de motivos para a atual escassez de mão de obra. Mas precisamos pensar agora, em o que fazer para mitigar os nossos problemas futuros, pois persiste uma inevitável sensação de que as coisas ainda vão piorar muito, antes de ficarem ruins.

Essas atitudes passam inevitavelmente pela quebra de alguns paradigmas existentes no trade. E isto inicia, verdadeiramente, com a mudança de algumas atitudes e posicionamentos das empresas. Quando se fala na mudança de paradigmas, nenhuma ideia ou sugestão deve ser, a princípio, tratada como absurda.

Algumas das diversas ideias que surgirão podem vir a se tornar uma solução funcional, interessante e replicável para os demais players do trade. Por isso, devem ser discutidas e merecem mais atenção, algumas ideias de transformação que deveriam estar na agenda de reuniões e discussões dos gestores, a partir de ontem:

  • Modificação da jornada de trabalho dos colaboradores, com escalas 5×2 ou, até, 4×3,
  • Mudança nos horários de trabalho, podendo ser turnos de 06 horas/dia ou 12×36 horas,
  • Mudança na mentalidade dos nossos RH, sendo necessário o fim do etarismo. Somos uma sociedade que está envelhecendo, e bem rápido!! Não conheço nenhuma empresa do trade com programa especifico para contratação de pessoas com maior experiência de vida;
  • Oferecer um acompanhamento psicológico frequente para todos os colaboradores;
  • O fim dos estágios não remunerados (acreditem, ainda existem e não são poucos!!). Muitos estudantes necessitam da bolsa estágio para auxiliar na sua formação e para gastos básicos, como comer, se deslocar, etc.;
  • Criar ambientes de trabalho verdadeiramente colaborativos, respeitosos e justos. Devemos valorizar o trabalho em equipe e fazer o devido reconhecimento, quando merecido. A era da competição e da inimizade desenfreada entre várias equipes ou setores dentro da empresa precisam acabar!!;
  • Regras claras e com divulgação aos colaboradores, sobre perspectivas de promoção e plano de carreira que funcionem;
  • As associações de classe precisam fazer “pressão política” junto as três esferas de poder público. Interessa a todos profissionais formados e qualificados;
  • Mesmo estando em lados opostos nas negociações salariais, sindicatos de empregados e empregadores devem se unir e desenvolver parcerias estratégicas, visando à formação, qualificação e contratação de mão de obra,
  • As grandes empresas e redes serão obrigadas a reativar ou criar as suas próprias “Universidades Corporativas”. São estas empresas e redes, e não hotéis pequenos e médios, as que serão cada vez, mais impactadas pela falta de colaboradores;
  • Empresas e as Instituições de ensino públicas e privadas, devem ampliar seus acordos de cooperação e parceria. A união entre a teoria e prática são essenciais em qualquer trabalho e profissão, principalmente quando lidamos com pessoas;
  • Agregar novas tecnologias no atendimento pessoal ao cliente, como por exemplo, tradutores de idiomas simultâneos para atendimento. O que poderia suprir a falta de colaboradores bilíngues, cada vez raros no nosso segmento.

Essas são algumas mudanças que podem e devem ser feitas e de modo acelerado. E além delas, surgirão muitas outras. Se nada for feito, a escassez de colaborados irá se transforme na falta de colaboradores.

Fiz hotelaria na Escola Superior de Hotelaria de Canela, no final dos anos 1980. Havia uma frase (com pequenas variações), que professores como Otto Klein, André Poltronieri e Gilberto Bonatto repetiam sempre: “se você não gosta de trabalhar atendendo gente, você está na profissão errada”. Precisamos voltar a valorizar as pessoas que adoram atender pessoas e a estar junto destas.

E, se nesse meio tempo, pudermos tratar nossos colaboradores como queremos que eles tratem nossos clientes, acho que isso um bom início de transformação, que estes novos tempos nos impõe.

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Júlio César Butuhy é formado em Hotelaria, pós graduado em Administração Hoteleira, Mestre em Hospitalidade – Planejamento Estratégico para empresas Turísticas e Doutor em Medicina Tropical pela USP. Atua há mais de 30 anos na hotelaria, tendo realizado trabalhos no Brasil, Angola, Argentina e Portugal, tanto na gestão, como no desenvolvimento e implantação de meios de hospedagem variados. É Professor Pesquisador do Centro Universitário SENAC de São Paulo, onde é docente no Curso de Hotelaria, nas áreas de estudo de viabilidade e implantação de hotéis. Faz parte da equipe de pesquisadores do Senac São Paulo que desenvolvem pesquisas aplicadas e analises setoriais para turismo, eventos e hotelaria. Desde 2007, é consultor ad hoc para Avaliação de Cursos Superiores do Ministério da Educação (MEC).

(*) Crédito da foto: arquivo pessoal/Julio César Butuhy