quinta-feira, 14/novembro
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Proptech enfrenta investigação policial e processos de despejo em SP

Não há dúvidas que o mercado de short-term rental é próspero e vive acelerado crescimento, especialmente em São Paulo, onde se espera uma nova oferta significativa nos próximos anos. Agora, não se pode ignorar que, para empresas que fazem gestão profissionalizada dos apartamentos, existe um desafio operacional relevante, que muitas vezes dificulta a tarefa de escalar o negócio. No passado recente, um player importante desse segmento fechou as portas e, atualmente, outra proptech conhecida vem enfrentando problemas, que se estendem às esferas policial e judicial.

Lançada em 2020, a Tabas está com inúmeros processos na justiça por inadimplência com os donos dos imóveis locados pela empresa. Alguns deles, como mostra reportagem recente do G1, viraram boletins de ocorrência e investigação policial. A matéria do portal de notícias da Globo diz que existem proprietários há mais de três meses sem receber o valor do aluguel, bem como estão também em atraso o pagamento de IPTU e da taxa de condomínio, que, por contrato, são de responsabilidade da proptech.

A reportagem do Hotelier News conversou com a advogada que representa mais de 60 proprietários. Segundo ela, o prejuízo acumulado dos seus clientes com a Tabas ultrapassa R$ 1,5 milhão. Destes, cerca de 5% já tiveram sentença favorável, com rescisão contratual e consequente devolução do imóvel e definição de um ressarcimento pelo juiz para os donos dos apartamentos. Outros 30% tiveram liminares deferidas a seus favores.


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“A Tabas quase nunca apresenta defesa e muito menos recorreu das sentenças”, comentou Marcela Miranda Valério, que representa os proprietários. Na avaliação dela, o jurídico da Tabas não está dando conta da quantidade de processos judiciais, o que explica alguns julgamentos à revelia. E, de fato, o número de ações explodiu ao longo deste ano. Consulta ao site Jusbrasil mostra que existem mais de 700 ações envolvendo a startup paulista neste momento (veja aqui), nas quais ela é citada como autora ou ré.

“No início do ano, não eram nem 200 as citadas como ré”, acrescentou Marcela. Vale destacar que algumas ações são direcionadas para Leonardo Morgatto, o CEO e cofundador da Tabas. “Isso ocorre porque, nos contratos, ele aparece como fiador ou coobrigado, respondendo igual a Tabas”, destaca a advogada.

Entre as provas apresentadas nas ações estão trocas de e-mail e conversas em um chat, nos quais a proptech reconhece a dívida com os donos dos imóveis (veja abaixo). Mesmo assim, não quitou as pendências até o momento, aparentemente preferindo levar a disputa para os tribunais. “Geralmente, os clientes chegam até mim com quatro meses de inadimplência”, acrescenta Marcela.

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Todos os nomes citados nesta troca de emails entre Tabas e seus clientes foram ocultados

Modelo de negócio

Lançada em 2020, a Tabas ficou conhecida no mercado pelo seu modelo de negócio diferente dos seus pares. Em linhas gerais, a empresa garante um valor fixo mensal aos proprietários dos imóveis como forma de aluguel, além de assumir gastos de luz, água, IPTU e condomínio (quando era o caso), em troca da gestão total do apartamento. Seu diferencial, contudo, eram as benfeitorias (guarde essa informação) que realizava nas unidades, em uma obra que poderia chegar a R$ 50 mil.

Em uma analogia com o mercado hoteleiro, o modelo guarda lá suas similaridades com a OYO, que também “dava um tapa” nos hotéis que colocava em sua base de propriedades clientes. Importante mencionar que a semelhança para aí, mas, de fato, essa repaginada no imóvel, que visava conferir uma padronização à oferta de quartos em ambos os casos, contribuía para atrair interessados.

Em um negócio que demanda escala e no qual tamanho da base é documento, principalmente para chamar atenção de fundos de private equity, essa estratégia ajudou a Tabas nestas duas frentes. Tanto é que, no início de 2022, a empresa recebeu uma rodada de investimento de US$ 14 milhões (cerca de R$ 80 milhões na época da transação) liderada pela Blueground, plataforma de short-term rentals norte-americana que meses depois confirmou a aquisição da proptech brasileira.

Em paralelo às negociações, a Tabas acelerou sua expansão e atraiu também family offices, ampliando sua atuação para além do “varejo”, como a gestão de imóveis de proprietários individuais é chamada entre as operadoras do setor. “No geral, é um segmento de cliente mais rentável (varejo), mas que tem uma gestão operacional e de relacionamento com esse público muito mais complexo”, explica um executivo de uma administradora de short-term rental ouvido pelo Hotelier News que não quis se identificar.

“Parcerias com fundos, incorporadoras e family offices rendem contratos com margens menores, mas com um volume garantido muito maior. Além disso, o inventário fica concentrado em alguns edifícios, o que facilita bastante a operação”, acrescenta o mesmo executivo. “Em uma analogia com a hotelaria, pensando no relacionamento com esses investidores, é a mesma coisa que gerir um hotel de proprietário único versus um condo-hotel”, continua.

Futuro

A crise da Tabas alimenta teorias sobre o que poderia estar acontecendo com a empresa, que aparentemente – vide a rodada de R$ 80 milhões há dois anos – estaria capitalizada. “É importante lembrar que, normalmente, essas rodadas têm uma série de cláusulas, às vezes até mesmo de performance, até que a totalidade dos recursos entre efetivamente no caixa da empresa”, explica outro executivo de uma administradora de short-term rental ouvido pelo Hotelier News que não quis se identificar.

No mercado, existe até mesmo quem suspeita de uma inadimplência “proposital” para forçar a judicialização e tirar da base proprietários do “varejo” com o objetivo de se concentrar em outro perfil de investidores, no caso fundos e family offices (menos endereços e, com isso, gestão operacional e de relacionamento com investidores mais simples), o que poderia proporcionar um rompimento de contrato mais “barato”.

A pedido do Hotelier News, que teve acesso ao acordo padrão feito entre Tabas e os proprietários individuais, advogados consultados pela reportagem descartam essa hipótese. Na visão deles, a estratégia de judicialização, que é pouco convencional, faria mais sentido se a Tabas estivesse já de partida buscando um acordo extrajudicial ou, no mínimo, comparecendo às audiências, o que não vem ocorrendo em algumas ações, segundo relatos de Marcela.

Além disso, o contrato padrão entre as partes daria à Tabas, na visão dos advogados consultados, “uma porta de saída” mais barata, que seria notificar o rompimento do contrato com 60 dias da antecedência e abrir mão do valor investido em benfeitorias no apartamento (Cláusula décima primeira, parágrafo um).

As obras feitas nos apartamentos, aliás, têm sido fontes de disputa entre a empresa e os proprietários nas ações. Procurada pelo Hotelier News, a Tabas recusou o pedido de entrevista e enviou uma nota oficial (veja abaixo a íntegra) no qual diz que “os casos mencionados estão em processos judiciais e cada situação tem uma motivação específica, prevista em contrato, para suspensão dos pagamentos. Em todos eles, foram apurados valores devidos pelos proprietários à Tabas em razão de benfeitorias que a empresa fez em seus imóveis”


Nota oficial da Tabas enviada à redação

A Tabas é uma startup de locação e sublocação de imóveis, não se caracteriza como imobiliária, para tanto, a empresa não deixou de fazer repasse de aluguéis, mas sim, como inquilino, suspendeu o pagamento. Em 2023, a Tabas foi adquirida, integralmente, pela Blueground. Portanto a startup foi fundada por Leonardo Morgatto e Simone Surdi, porém, hoje, atuam como funcionários da empresa.

A empresa está ciente dos casos e informa que não foi notificada sobre nenhum inquérito policial em andamento que discuta a falta de pagamento dos aluguéis. Os casos mencionados estão em processos judiciais e cada situação tem uma motivação específica, prevista em contrato, para suspensão dos pagamentos. Em todos eles, foram apurados valores devidos pelos proprietários à Tabas em razão de benfeitorias que a empresa fez em seus imóveis.

Atualmente, a Tabas administra mais de 2 mil imóveis, e esses casos, que representam menos de 2% da nossa base de clientes, estão sendo tratados, adequadamente, na justiça. Estamos comprometidos em garantir que cada situação seja tratada com a devida atenção e conforme as determinações legais.

Seguimos crescendo e liderando o mercado de aluguéis flexíveis, focados em oferecer uma experiência de alta qualidade para todos os nossos inquilinos, com a transparência e o compromisso que sempre foram pilares da Tabas.


Ocorre que algumas das cláusulas do contrato não sustentam essa versão da Tabas. Uma delas (Cláusula décima primeira, parágrafo dois), por exemplo, diz que se o proprietário solicitar a rescisão sem justa causa, caberia ao dono do imóvel indenizar a empresa das benfeitorias realizadas.

Com a inadimplência no pagamento do aluguel, do condomínio e de outras taxas acordadas, a justa causa do proprietário para solicitar o rompimento do contrato está mais do que clara. Os juízes, aliás, vem tendo esse entendimento, como mostram as sentenças recentes em favor dos proprietários. “A linha de defesa é forçar o proprietário a pedir a devolução do imóvel e ainda cobrar as benfeitorias. Os juízes vêm tendo outra visão e, nas sentenças, estão devolvendo o imóvel ao proprietário sem a devolução das benfeitorias e com pagamento de multa por parte da Tabas”, conta a advogada Marcela.

“Diria que, diante do grande volume de processos ligados à inadimplência, da falta de apresentação de defesa e das sentenças à revelia, parece que esta empresa está mais com problemas financeiros e com dificuldade para honrar seus compromissos do que fazendo uma estratégia de judicialização para romper contratos”, avalia um dos advogados consultados pela reportagem.

“Pelo que ouvimos no mercado, e apesar desses casos judiciais, a empresa não estaria na eminência de fechar as portas. Eles podem estar com algum problema de caixa e, diante disso, privilegiando o pagamento de alguns investidores em detrimento de outros. Ou seja, estariam ‘pedalando’ no elo mais fraco (proprietários individuais) para garantir a satisfação do mais forte (fundos, incorporadoras e family offices)”, acrescenta um executivo de uma operadora que não quis se identificar.

Agora, é certo que o modelo de negócio da propetch fundada por Leonardo Morgatto e Simone Surdi, que prevê benfeitorias e um aluguel fixo, envolve riscos mais altos do que o utilizado por outras operadoras do segmento, que cobram um percentual sobre a receita total gerada para o proprietário. Talvez, esse maior “skin in the game“, que certamente ajudou a atrair proprietários para a base, esteja cobrando sua conta. Só o tempo dirá qual o futuro da Tabas.

(*) Crédito da capa: Divulgação/Tabas