Parece uma quinta-feira como outra qualquer neste Brasilzão, certo? Para a grande maioria de nós, a não ser que algo realmente significativo ocorra até às 23h59, sem dúvida nenhuma. Agora, no sexto e no décimo terceiro pavimentos do Centro Administrativo Rio Negro, em Barueri (SP), o dia foi especial. Festejam-se os resultados conquistados nos últimos 10 anos, mas, sobretudo, celebra-se o que está por vir. Sim, de 2014 para cá, quando foi comprada por dois fundos de investimento privados norte-americanos, a Atlantica Hospitality International se transformou. Não só mudou de dono, como de marca, de estratégia, de cultura, de estrutura organizacional e, principalmente, de tamanho.
Para quem não lembra, foi exatamente no dia 24 de outubro de 2014 que dois fundos privados de investimento norte-americanos – o Quantum Strategic Partners, do mega investidor George Soros, e o Tao Invest, da Tao Capital Partners – anunciaram a aquisição da então Atlantica Hotels, à época presidido pelo seu fundador, Paul Sistare. Desde então, o crescimento da operadora paulista é inquestionável, e uma série de números mostra isso (veja infográfico abaixo). A começar pela base de hotéis, que saltou de 85 para algo próximo a 200, número que a operadora espera atingir até o final do ano, alta de 133% no período.
Em decorrência disso e de outras iniciativas implementadas ao longo desta década sob nova direção, a receita da Atlantica explodiu, pulando de R$ 640 milhões (cerca de R$ 1,1 bilhão em valores corrigidos) para um faturamento estimado de R$ 2,65 bilhões em 2024, crescimento de 140% no período. Atualmente à frente da operadora paulista, Eduardo Giestas ainda ocupava a cadeira de CEO da Laureate Education quando a transação foi anunciada. E sua chegada, quase dois anos depois, tem mesmo relação direta com o que a empresa é hoje.
Executivo com histórico de atuação em projetos de transformação corporativa, Giestas foi contratado justamente para aplicar sua expertise número um na operadora. Quase dois anos após a compra, os novos acionistas entenderam que era preciso dar novos rumos ao negócio após a euforia dos anos Lula e a dura realidade que a recessão do período Dilma Rousseff trazia. Em entrevista exclusiva ao Hotelier News, ele diz não ter uma lembrança específica do seu primeiro dia no escritório do Centro Administrativo Rio Negro, onde fica a sede da empresa até hoje, mas sabe exatamente o que o motivou a aceitar o desafio.
“Na verdade, o carpete estilo de hotel americano chamou minha atenção no escritório”, brincou o executivo, em videocall com a reportagem esta semana. “Como profissional, foi uma decisão difícil sair da Laureate. Foram cinco anos lá, quando montei time muito bom, que ajudou no fortalecimento da marca Anhembi Morumbi, na condução da aquisição da FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas) e na posterior integração entre elas“, comenta. “Agora, a hotelaria é um setor que gosto. É interessante, muito dinâmico, com um viés varejista e nervoso, mas que, ao mesmo tempo, tem uma pegada B2B na parte do relacionamento com os investidores. Então, vi um potencial de transformação e realização muito grande na Atlantica”, acrescenta Giestas, explicando o que o atraiu.
“De maneira coletiva e individual, o balanço (à frente da empresa) é altamente positivo. São oito anos, resultados significativos, a empresa evoluiu, pude me desenvolver, montar uma equipe e me realizar. Em paralelo, tenho um relacionamento com os acionistas de extrema confiança.” – Eduardo Giestas, CEO da Atlantica Hospitality International
“Em retrospectiva, meu maior orgulho não é o que conquistamos nos últimos oito anos, mas o quão credenciados e qualificados estamos para os próximos 10, principalmente no que tange a equipe que montamos na Atlantica. Nunca trabalhei com time direto tão competente e, hoje, temos a equipe mais qualificada do segmento no país”, continua Giestas.
Jornada de transformação
Agora, para chegar até lá, trabalho não faltou para Giestas e o time que montou, que tem lideranças reconhecidas no mercado, como Guilherme Martini, Flavia Buiati, Mark Campbell, Gabriela Menacho, Juliana Pinheiro, Fernando Morais e Ricardo Bluvol, entre tantos outros. Primeiro, é bom lembrar que ele chegou “no olho do furacão”. Isso porque, ao longo desses 10 anos com um novo proprietário, a Atlantica (e a hotelaria) passou por duas graves crises: a recessão econômica do período Dilma Rousseff e a pandemia.
“Então, desses 10 anos, cinco foram momentos de crise. Estou há oito na empresa e peguei dois anos de recessão e dois de pandemia. Mesmo nessa situação desfavorável, digamos assim, saímos de uma empresa que faturava R$ 640 milhões (R$ 1,1 bilhão em valores corrigidos) para uma que vai ter uma receita de R$ 2,65 bilhões este ano; que tinha 85 hotéis e que vai chegar ao final de 2024 com algo próximo a 200 unidades. Um negócio que tinha margem de GOP na casa de 32% e que, neste ano, chegará a 40%”, cita Giestas.
O executivo, aliás, diz que divide essa trajetória de evolução em dois momentos. O primeiro tem relação com o cenário à época da compra, que não se mostrou oportuno logo depois. Isso porque os atuais acionistas da Atlantica fizeram a aquisição em um período no qual havia grande euforia com o potencial da economia brasileira – quem não lembra da capa da The Economist? Em função disso, os ativos no Brasil estavam caros, com um dólar a R$ 2,30.
“Então, além dessa situação imprevista na macroeconomia que veio a seguir, no qual se adicionou um risco político no país com o impeachment, houve um momento natural de mudança na nossa organização, que teve que que se adequar a um modelo de governança de investidores institucionais e que precisava fazer uma avaliação do negócio para planejar um processo de sucessão. Dessa forma, cheguei mandatado para, dada a nova situação de mercado, revisitar o plano estratégico de longo prazo”, relembra.
Giestas conta que sua chegada dá partida a esse segundo momento de evolução da empresa e que, nos três meses seguintes a que sentou na cadeira como CEO pela primeira vez, ele ficou totalmente dedicado a rever a estratégia de crescimento da empresa. “O que era a Atlantica até ali? Era uma empresa bem-sucedida, multimarcas, voltada para gestão de hotéis em mercados primários e secundários de alta relevância, focada no segmento corporativo, totalmente asset light e bastante descentralizada. Esse era o paradigma”, explica.
Ainda assim, mesmo com uma missão de revisitar a estratégia da empresa, o executivo destaca que a tese de investimento anterior da Atlantica continua valendo até hoje. Ou seja, apesar da crise que se vivia à época de sua chegada, o mercado brasileiro é grande. Na hotelaria, é sub-ofertado comparado com outros países, dominado pelos independentes e bastante fragmentado.
“A partir dessa característica, pode-se dizer que é uma indústria com muito potencial (para administradoras hoteleiras). Então, questionar esses paradigmas foi o que nos levou à transformação do negócio. Entendemos que tínhamos que migrar a visão anterior de ser uma empresa de hotelaria tradicional para nos tornarmos uma plataforma de serviços de hospitalidade”, comenta.
Giestas conta que um dos primeiros desafios a ser enfrentado tinha relação com a volumetria. A partir dali, a Atlantica passou a ter uma abordagem mais flexível nos contratos, sem ter um modelo estanque nas negociações, o que a permitiu captar mais oportunidades de crescimento, principalmente para conversão de hotéis. “Em paralelo, passamos a considerar também o crescimento inorgânico (compra de empresas); a entrada em mercados secundários e terciários com outro modelo contratual (franquia), que não tínhamos; a apostar no segmento de lazer, que não era um objetivo dos antigos proprietários; e a explorar novos modelos de hospedagem”, enumera.
Quem olha o que se sucedeu a partir dali, vê que a Atlantica seguiu à risca esse plano, como mostram as aquisições da Vert Hotéis (2018) e as incorporações de hotéis da THG (Transamerica Hospitality Group) e da Bristol Hotels ao portfólio, ocorridas em 2021. Em outras frentes, a operadora abraçou as franquias e o lazer, bem como entrou nos segmentos de STR (short-term rentals) com o lançamento da Roomo, e no de multipropriedade, no qual já conta com vários projetos assinados.
Questionado pela reportagem se, mesmo lá atrás, quando o plano estratégico foi revisitado, as entradas nos mercados de STR e de multipropriedade já eram consideradas, Giestas explicou que, naquele momento, o importante era rever os paradigmas do negócio. “Foi isso que nos permitiu aproveitar as tendências que se consolidariam dali em diante. Na época, por exemplo, student housing estava em alta, e analisamos essa possibilidade”, comenta.
“A ideia era criar uma nova visão, um novo paradigma para a empresa. Em volumentria, por exemplo, significava sair dessa visão que somos uma empresa de hotelaria tradicional, de mercados primário e secundário, multimarcas e voltada para o segmento de negócios. Existia um espectro muito maior de oportunidades a explorar. Então, dentro da questão operacional, passamos a olhar a Atlantica a partir de um conceito de plataforma” – Eduardo Giestas, CEO da Atlantica Hospitality International
Na sequência, viriam mais três ondas de mudanças na Atlantica, que foram quase uma consequência do novo caminho escolhido. “Elas não são sequenciais, vieram e seguem em paralelo, mas começaram em épocas diferentes. Primeiro, entramos em uma onda de transformação organizacional, que começou no segundo semestre de 2017. Depois, veio um processo de transformação cultural, que teve início em 2019. Por fim, era preciso avançar na transformação digital, e fizemos isso a partir de 2021”, contetualiza Giestas. “E, claro, essas três ondas nunca param”, completa.
Novamente aqui é possível ver que o trabalho na Atlantica tem avançado. A primeira frente (transformação organizacional) começou com uma mudança nas lideranças da organização. “Também movimentamos muita gente internamente, além de trazer pessoas vindas do mercado, e não necessariamente da hotelaria. Em paralelo, passamos a olhar o negócio com foco grande em resultado e implementamos um modelo de gestão baseado em planejamento e controle, com metas de curto e longo prazos. E aqui há um marco importante: já no final de 2017, voltamos a operar com geração positiva de caixa”, destaca Giestas.
Na segunda frente (transformação cultural), passou-se a planejar uma operação longeva e com uma cultura despersonificada, que existirá independentemente da liderança. “Focamos em um modelo meritocrático, com um ethos engajador. Começamos esse movimento cultural em 2019, mas veio a Covid, que foi muito difícil para todos. No entanto, posso dizer que o projeto de mudança cultural veio na hora certa, pois a pandemia fortaleceu ainda mais nosso espírito de equipe. Em resumo, avançamos para tornar a Atlantica uma empresa ambidestra: focada em resultados, mas comprometida com nossos valores, como a sustentabilidade e a diversidade”, explica.
Nesta frente, a Atlantica também colhe resultados, construindo uma organização com demografia própria, muito mais diversa e com maior igualdade do que a do país, por exemplo. “O Projeto AJA, que muito nos orgulha e já tem resultados claros, e os seis selos consecutivos do GPTW (Great Place to Work), em que também fomos premiados este ano entre as melhores da região de Barueri e Osasco, onde estão baseadas grandes empresas, deixam-nos muito contentes”, afirma Giestas.
“Nesta frente (digital), temos resultados positivos, que podem ser traduzidos pelo Let’s Atlantica, plataforma de e-commerce que já é o segundo principal canal de vendas da empresa, e deve encerrar o ano com mais de R$ 200 milhões movimentados. Temos ainda nosso programa de fidelidade, lançado há um ano e meio e que encerra 2024 com 1,1 milhão de membros.” – Eduardo Giestas, CEO da Atlantica Hospitality International
Por fim, a última frente (transformação digital) vislumbrou quatro camadas de atuação: automatização de processos, mirando ganhos de eficiência e de compliance; data analytics, para possibilitar melhores e mais ágeis decisões; CRM, com o objetivo de redesenhar as jornadas do cliente, aproximando-se de stakeholders vitais para o negócio, como investidores e hóspedes; e experiência do hóspede, para criar melhorias específicas para a jornada do cliente dentro do hotel.
“Então, tudo isso que falei resume o segundo momento desse processo de transformação da Atlantica. Hoje, é esse o negócio que temos em mãos”, diz um orgulhoso Giestas.
E o futuro?
Giestas vê um cenário positivo não só para a Atlantica, mas para toda hotelaria. Para justificar sua linha de raciocínio, ele cita a demanda crescente, em função da mudança de comportamento do consumidor, que passou a priorizar as viagens em sua lista de consumo, e a volta com força dos mercados corporativo e de eventos, isso tudo em um cenário de baixa nova oferta de quartos. “Acho que vamos entrar em um ciclo expansionista de longo prazo da demanda, algo que não se via há muito tempo no setor”, avalia. “O que me orgulha, como falei no início dessa entrevista, não é o que já fizemos, mas o fato de estarmos preparados para esse futuro”, completa.
Agora, ele estará lá para acompanhar esse futuro? Se você está estranhando a pergunta, é importante destacar que há uma explicação para isso, em um contexto que envolve tanto a persona da organização (Atlantica), quanto do próprio executivo (Giestas).
Em relação ao primeiro ponto, o motivo é mais do que óbvio: fundos de private equity fazem aquisições de empresas para em algum momento sair do negócio – e lucrar em cima do seu crescimento. Usualmente, esse ciclo dura uns sete anos e, no caso da operadora paulista, lá se vai uma década – muito embora uma pandemia tenha aparecido no caminho, o que justifica um alongamento desse prazo médio.
Ao longo do primeiro trimestre de 2024, houve fortes rumores de que esse momento havia finalmente chegado para a Atlantica, que estaria em negociações para ser adquirida pela Advent International, fundo de private equity norte-americano que tem no portfólio de investimento participações em negócios variados, o que inclui empresas brasileiras como a Tigre, o Nubank e a rede de restaurantes Viena (veja a lista completa aqui). Na hotelaria, especificamente, a empresa controla a Aimbridge Hospitality, que é a maior adminstradora multimarcas de hotéis do mundo.
Para várias fontes ouvidas pela reportagem do Hotelier News, o negócio fazia muito sentido e poderia marcar a chegada da Aimbridge Hospitality ao país. Primeiro porque, assim como a Atlantica, a Aimbridge também é uma administradora multimarcas. Segundo, porque a operadora norte-americana tem grande interesse em ampliar sua atuação na América do Sul e, inclusive, sua controladora havia feito a aquisição de uma rede colombiana há dois anos, a GHL Hotels. Chegar no maior mercado da região, portanto, era um caminho óbvio.
Durante a SAHIC 2024, realizada no Peru, em maio, o escriba que vos fala ouviu da boca de Leandro Castillo, presidente da Aimbridge LatAm, que chegar ao Brasil era questão de tempo e que, para ingressar no mercado brasileiro, até por suas especificidades, o ideal seria por meio de uma grande aquisição. Os rumores, portanto, ganhavam corpo e, ligando os pontos, era plausível acreditar que uma negociação estaria realmente em curso.
Mais números da Atlantica
- Receita em 2024: R$ 2,65 bilhões
- Receita em 2029: R$ acima de R$ 5,5 bilhões*
- Hotéis ao fim de 2024: perto de 200 unidades
- Empreendimentos em 2029: mais de 450 unidades**
- Número de quartos em 2029: 40 mil UHs*
- Let’s Atlantica (Loyalty): 1,1 milhão de membros*
- Let’s Atlantica (E-commerce): R$ 200 milhões faturados*
- Let’s Atlantica (participação nas vendas): 8%
* Projeção para o final de 2024
** Inclui hotéis e residenciais
Na entrevista desta semana, Giestas foi enfático ao dizer que não sofre pressão dos acionistas para vender a Atlantica, embora reconheça que exista um ciclo natural nos negócios de fundos de private equity. “Primeiro, é importante destacar que nossos acionistas não são fundos de cotistas, são próprios”, disse Giestas. “Não sofro, por parte dos acionistas, nenhum tipo de pressão (para a venda). Ao contrário, temos uma relação de confiança muito forte. Além disso, se o negócio é bom, gera caixa e paga dividendos, não há motivos para sair”, complementou.
Do lado pessoal, o discurso de fechamento de Giestas durante a Convenção da Atlantica, no início do ano, alimentou ainda mais os rumores da venda. Várias fontes presentes ao evento disseram ao Hotelier News que o tom do discurso parecia de despedida. Ou seja, ele teria cumprido sua missão: reestruturou a empresa, fez ela crescer e, agora, era hora de partir para deixá-la com um novo controlador.
Novamente, Giestas nega qualquer possibilidade de despedida. “Há muita especulação. Acho que fui muito mal interpretado. Primeira coisa, eu adoro a empresa. Tenho uma relação pessoal com o time de altíssima consideração. Temos um projeto muito sólido. O relacionamento que tenho com o presidente do board, o Doug Geoga, é excepcional. Ele é meu mentor. O espaço que tenho, enquanto profissional, para realizar e me desevolver é de muito valor. A crença que tenho no potencial da empresa é enorme. Estou muito motivado, engajado, tem muita coisa para fazer ainda”, comentou.
“Estamos em um momento muito bom com os acionistas, pagando dividendos. Como falei, o potencial de expansão do mercado nos dá uma perspectiva muito positiva, até porque estamos preparados para essa nova fase. Estou muito feliz aqui e, com certeza, não é uma despedida”, complementou.
Assim torcemos. Ter bons profissionais é fundamental para a indústria hoteleira brasileira e, com certeza, Giestas é um deles. Os números atestam sua competência. O texto é longo, mas, se você chegou até aqui, certamente aprendeu muito sobre gestão de empresas. Revisitem sempre e desfrutem!
(*) Crédito das foto: Divulgação/Atlantica Hospitality International
(**) Crédito dos infográficos: Hotelier News