Existem modismos e tendências que são passageiros e outras que se tornam uma obrigatoriedade não só competitiva, mas também de sobrevivência. Nos últimos anos, o turismo vem avançando em sua agenda de ESG (Environmental, social and corporate governance) como forma de minimizar os impactos do setor no meio ambiente. E, alinhada a essa conscientização que já atinge todos os segmentos da economia, a hotelaria sustentável vem ganhando força. Entretanto, a maior pedra no sapato do mercado para dar novos passos rumo a um futuro mais verde ainda está no bolso.
Em tempos de COP 26 (Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas), que se encerra hoje (12) em Glasgow, na Escócia, após um ano de turbulências ambientais em diferentes pontos do globo, o setor hoteleiro se vê cada vez mais pressionado para adotar medidas e metas sustentáveis mais assertivas.
Segundo estudo realizado pela EY Pathernon e Booking.com, a indústria de hospitalidade precisa desembolsar cerca de € 768 bilhões para zerar suas emissões de carbono até 2050, sendo € 525 bilhões destinados à produção de energias mais verdes. O investimento bilionário também envolveria a adoção de tecnologias mais eficientes, como sistemas de aquecimento e refrigeração mais modernos.
O WTTC (World Travel & Tourism Council) vem cobrando para que o setor de viagens se posicione de maneira mais sustentável. A organização uniu forças com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente e a consultoria Accenture para publicar seu relatório Net Zero Road Map, que estabelece estruturas para a indústria trabalhar sua descarbonização até 2050.
Em 2019, ano pré-pandemia, de acordo com o Cambridge Institute for Sustainability Leadership, o turismo contribui com cerca de 5% das emissões globais de gases de efeito estufa.
Hotelaria sustentável: projetos em destaque
Apesar do desequilíbrio provocado pelo setor no meio ambiente, a hotelaria já conta com cases interessantes de empreendimentos que conseguiram reduzir drasticamente seus impactos. Em 2018, o Parkroyal on Pickering (foto de capa), em Singapura, foi eleito o World’s Best Green Hotel pelo World Travel Awards. Construído em uma esquina movimentada, a propriedade é uma verdadeira floresta em meio a uma selva de concreto.
Na fachada, quatro andares de 15 mil metros quadrados de vegetação, com mais de 50 tipos de árvores, arbustos e plantas. O sistema de auto-irrigação com água da chuva garante a sobrevivência do jardim. E quando chove, os sensores desativam a irrigação artificial. Além da estética, o verde garante uma temperatura equilibrada nas paredes, reduzindo o uso de ar condicionado. No telhado, um isolamento térmico natural arborizado.
Previsto para abrir as portas este ano, o Svart Glacier Hotel, na Noruega, pretende alcançar o título de hotel mais sustentável do mundo. O empreendimento é o primeiro ainvestir no conceito de energia positiva e é uma colaboração entre Miris, Snohetta e Powerhouse.
Localizado no Círculo Polar Ártico, que oferece dias intensos de verão (com luz o tempo todo) e, no inverno, é iluminado pela Aurora Boreal, o Svart reduz seu consumo anual de energia em 85% em comparação aos outros hotéis modernos. O empreendimento também recolhe energia solar suficiente para poder cobrir as operações e a energia necessária para construir o prédio. Quando estiver 100% pronto, o projeto irá gerar mais energia do que consome, sem afetar a natureza ao seu redor.
No Brasil, a hotelaria sustentável ainda engatinha, mas já detém bons exemplos. A Pousada Alto da Boa Vista, em Campos do Jordão (SP), é a primeira zero carbono do país. Para chegar a esse patamar, medidas foram implementadas desde sua construção até o descarte de resíduos.
Medidas operacionais
Em João Pessoa (PB), o Verdegreen Hotel possui um Comitê Verde, composto por colaboradores de diferentes departamentos, como o gerente geral, Controladoria e A&B (Alimentos & Bebidas). O empreendimento, que antes contava com um setor específico para cuidar das questões atreladas à sustentabilidade, descentralizou a gestão.
De acordo com Julia Gouveia, assistente de Desenvolvimento Humano, membro do Comitê e da auditoria da ISO 14001, o Verdegreen nasceu com DNA sustentável. “O hotel foi pensado para ser sustentável desde sua obra, que já contava com coleta seletiva, resíduos de descarte correto, entre outras ações. A horta e a certificação do ISO foram consequências”, explica.
O empreendimento, que faz reaproveitamento da água, conta com uso de energia solar em placas instaladas no telhado, composteira que produz adubo para a horta, entre outras medidas, também oferta uma gastronomia com opções vegetarianas e veganas, além de fazer parte do movimento Segunda Sem Carne. “Nossa horta não produz o volume de ingredientes que precisamos, então priorizamos fornecedores locais como forma de favorecer a economia e reduzir a poluição com o transporte”, acrescenta Julia.
No coração da Floresta Amazônica, o Anavilhanas Jungle Lodge não poderia ser diferente. Em sintonia com a natureza e com as comunidades locais, a propriedade se preocupou com os impactos mesmo antes de ser construída. “Para qualquer hotel de selva, o tipo de operação precisa coexistir com a sustentabilidade. Desde o início, fazemos o descarte de lixo correto, coleta de água, uso de energias alternativas como a solar. Fomos o primeiro hotel de selva na Amazônia a solicitar a licença ambiental antes da construção”, destaca Guto Costa Filho, diretor do empreendimento.
O hotel de 23 UHs desenhou uma área de preservação permanente e, hoje, opera com uma usina fotovoltaica de 400 painéis, o que praticamente zera a necessidade de usar energia por meio de outras fontes. O sistema de tratamento de esgoto não descarta nenhum tipo de resíduo nos rios e as palhas nos telhados funcionam como um colchão térmico. Para completar, o Anavilhanas é o maior empregador privado de Novo Airão, com 90 funcionários oriundos da comunidade local.
No Mato Grosso do Sul, o Bonito Ecotel utilizou métodos construtivos ecologicamente corretos com desperdício zero de materiais. Outro diferencial do hotel é a produção de energia elétrica. Na cobertura do estacionamento foram instalados nada menos que 130 metros quadrados e placas fotovoltaicas, para a conversão da luz do sol em energia elétrica, deixando de emitir 25 toneladas de gás carbônico por ano na atmosfera. Nos telhados dos quartos existem aquecedores solares, que produzem água quente para as duchas dos banheiros.
Idealizado por Kassilene Cardadeiro e mais dois sócios, João Cardadeiro e Marco Aurélio Cremona, o projeto surgiu das experiências de viagens dos proprietários. “O conhecimento em arquitetura do João nos permitiu tornar viável alguns processos, pois muitos são caros e ao longo prazo são difíceis de manter”, pontua Kassilene.
Ser sustentável é caro?
No imaginário coletivo, sustentabilidade anda lado a lado com altos custos. Os hoteleiros ouvidos pelo Hotelier News ponderam que pequenas ações fazem grande diferença nos impactos sem afetar o faturamento no fim do mês. “Um hotel sustentável tem alguns tripés. Você precisa ter sustentabilidade financeira, é um ponto de partida. Nenhum negócio sustenta uma atividade sócio ambiental sem ela e toda a empresa nasce com o propósito de ter lucro, mas é preciso deixar algum legado para a comunidade”, pontua Filho.
Em termos práticos, o diretor do Anavilhanas afirma que alguns processos encarecem sim as operações, mas tudo faz parte de um bom planejamento e entender o que é viável para cada projeto. “Um painel solar em médio prazo te dá retorno, por exemplo, mas querendo ou não, as empresas vão migrar para esse lado. São práticas que requerem mais esforço”.
No Verdegreen, Julia explica que a conscientização do quadro de funcionários é parte fundamental para cumprir exigências. “A destinação correta de resíduos nós precisamos pagar, pois em João Pessoa não temos esse suporte. Em contrapartida, outras ações acabam compensando. A água que utilizamos do rebaixamento do lençol freático, reutilização de papel e digitalização dos processos acabam suprindo os custos adicionais. Também conseguimos reduzir o desperdício de alimentos, o que ajudou a minimizar alguns gastos”.
Kassilene acrescenta que as medidas precisam ser pensadas de forma macro, passando por todos os departamentos. “O desafio é pensar fora da caixa. É necessário fazer um estudo de orçamento e de quais ações podem ser implementadas, ainda mais quando se trata de um empreendimento que não nasceu com esse tipo de preocupação. A sustentabilidade não é um fim, mas um processo”.
Repasse nas tarifas
E quando os custos aumentam de um lado, a outra ponta sente. Para o consumidor, que vem priorizando hospedagens ecologicamente corretas, se hospedar em hotéis sustentáveis é sinônimo de altas tarifas. A proprietária do Bonito Ecotel explica que o projeto de sustentabilidade precisa ser pensado também para os gastos do cliente final. “Nosso hotel é de categoria três, com quartos com decoração clean, o que reduz o uso de produtos de limpeza. Isso reflete na tarifa que o cliente vai pagar lá na frente”.
O Verdegreen se considera um empreendimento com tarifas competitivas, com diária média baseada na experiência que o cliente vai vivenciar em um hotel sustentável. “Nossas tarifas são definidas de acordo com a qualidade do nosso serviço, mas a sustentabilidade não vem embutida no preço. Inclusive, o conceito sustentável é um diferencial na hora da tomada de decisão do hóspede, o que gera avaliações positivas”, diz Julia.
Hotel de selva que prioriza a experiência, o Anavilhanas acredita que o perfil de turista que preza pela sustentabilidade, não é, necessariamente, um hóspede de alta renda. “Existe o mochileiro, por exemplo, que não se importa em ficar seis horas em um ônibus ou não se preocupa tanto com luxo na hora de dormir. E o turista que quer ter a experiência, mas não abre mão do conforto. Mas o ponto de atração de ambos é o mesmo: experiências sustentáveis e socioambientais. Não é uma exclusividade do público de alta renda”, pontua Filho.
(*) Crédito das fotos: Divulgação