sábado, 21/setembro
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Mateus Cabau: chegou a hora do ciclo de renovações?

No geral, e mesmo nas grandes capitais, a hotelaria brasileira está envelhecida, e não me refiro à idade média dos profissionais do setor. Mesmo hotéis embandeirados estão no mínimo “cansados”, o que vem gerando um movimento dentro das operadoras para iniciar um ciclo de renovações dos ativos. O que penso disso tudo?

Bem, inegavelmente, o Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos) é um estímulo para isso, e é fácil de entender o porquê. Somada à boa performance atual da hotelaria, a iniciativa governamental – que concede uma série de benefícios fiscais a diferentes segmentos da cadeia produtiva do turismo – engordou a margem de GOP (Gross Operating Profit) dos hotéis brasileiros. De forma mais significativa ainda, o benefício impacta no lucro líquido da operação. E, como sua validade se estende até 2027, o setor ganhou uma janela de oportunidade datada para conduzir esse ciclo de renovações.

Outro fator que contribui para essa perspectiva é o fato de que, com o fim da demanda reprimida por viagens, a hotelaria volta a ser influenciada pelo desempenho da economia – e aqui as estimativas dos analistas econômicos não são propriamente auspiciosas. Segundo o último Boletim Focus, do Banco Central, a projeção de incremento do PIB pra 2024 é de 1,5%, mesmo patamar de um mês atrás do relatório, que ouve dezenas de agentes do mercado financeiro e é divulgado semanalmente.


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Diante desse cenário, é certo que não teremos margens de expansão expressivas na demanda por hospedagem e nas tarifas a partir de 2024, o que torna o crescimento orgânico do negócio mais desafiador. Sendo assim, na visão de muitas operadoras, o ciclo de renovações é uma alternativa para a hotelaria requalificar os ativos para “justificar e apostar ” no aumento das diárias e, consequentemente, das margens de lucro.

Escolha de Sofia?

Todo esse contexto faz sentido, e isso é inegável. Agora, não se pode deixar para trás tudo que se passou na pandemia. E é tudo muito recente, pessoal! Digo isso porque temos que pensar em um elo importante nesta cadeia de negócios, que é o investidor/proprietário. E, de março de 2020 até pelo menos o meio do ano do ano passado, esse stakeholder viu seus ganhos com o investimento que fez serem inexpressivos, isso quem não teve que fazer mais aportes no período em função da crise sanitária.

Sim, o setor vive um bom momento em termos de performance, recuperando os níveis de 2019. Sim, o Perse abre mesmo uma janela de oportunidade para renovações. Sim, será mais desafiador crescer organicamente os preços a partir de 2024. Agora, reflita comigo, devo eu convencer esse investidor a abrir a carteira a partir de uma promessa de lucro lá na frente após tudo que a pandemia gerou? Sendo esse futuro em um país instável politicamente e economicamente como o Brasil? Mais ainda, como fazer isso justamente agora que ele finalmente ele está ganhando dinheiro depois de tanto sofrimento?

Escolha de Sofia? Diria que não. Na verdade, acredito que para muitos gestores hoteleiros (senão a grande maioria) não é o momento de fazer esse pedido. Onde minha empresa atua, isso não vai acontecer por uma razão simples: acredito que preciso remunerar esse parceiro estratégico bem. Agora, essa é minha visão e o que minha empresa indica para decisão dos investidores. É minha realidade e recomendação, mas já aprendi que na hotelaria “cada caso é um caso”.

Por isso, deixo uma ponderação final aos demais hoteleiros: para tomar a melhor decisão, você precisa entender duas coisas. Primeiro, saber se seu hotel está só “cansado” ou se, efetivamente, sua infraestrutura é ultrapassada. Segundo, é fundamental ter clareza sobre como está o seu produto frente à concorrência. Então, avalie dois cenários:

  • Combinação infraestrutura ultrapassada + reviews ruins nas principais plataformas de avaliação: neste caso, conduzir uma renovação fará sentido, pois talvez nunca mais você terá um benéfico como o Perse, que vai te permitir ganhar espaço no mercado. Aqui, a janela de oportunidade tem data.
  • Combinação infraestrutura cansada + bons reviews nas principais plataformas de avaliação: neste caso, talvez pequenos ajustes apontados pelos clientes nas plataforma de avaliação ou observado pelo seu time resolvam a questão, em um investimento muito mais baixo que manterá seu nível de competitividade.

Agora, segue uma importante observação direcionada exclusivamente aos investidores e proprietários de hotéis. Não se deve ignorar que muitas operadoras têm sua remuneração baseada no resultado de GOP e que investimentos e despesas de retrofit acabam não afetando o indicador – e assim, sem afetar os fees pagos às administradoras.

Além disso, algumas delas têm robustos departamentos técnicos de suporte a renovações que são remunerados a partir de fees pagos em cima dos valores investidos nesses retrofit.

O que quero dizer com isso? Que uma renovação pode, sim, representar um potencial conflito de interesse, se for mandatório o uso dos serviços técnicos da respectiva operadora.

Ou seja, olhar para o seus dois clientes (investidores e consumidor final) é vital para tomar a melhor decisão. Já compartilhei um overview da minha leitura. E você, como analisa essa isso?

Com mais de 20 anos de experiência em gestão hoteleira, Mateus Cabau acumula passagens por Marriot e Atlantica Hotels. Em 2013, mudou-se para os EUA, onde, entre outros projetos e posições profissionais, atuou como co-desenvolvedor da primeira unidade da Red Collection: o Spot X, que fica na região de Lake Buena Vista, em Orlando. Atualmente, por meio de sua empresa brasileira de consultoria, é responsável pela gestão da franquia do Comfort Hotel Santos, em Santos (SP). Cabau ainda realiza palestras e consultorias para hotéis.

(*) Crédito da capa: Arquivo pessoal