Já faz algum tempo que o termo “luxo” vem sendo ressignificado. O que antes era visto como ostentação, ganhou novas nuances, passando a ser sinônimo de algo mais intangível, mas que o dinheiro pode pagar. Muito mais do que ter, o conceito agora simboliza viver e experienciar. E esta nova forma de consumir deu espaço para segmentos ainda pouco explorados em nichos mais abastados, como a propriedade compartilhada, por exemplo. Em um momento de plena expansão do setor, fica o questionamento: multipropriedade high end faz sentido?
O termo high end vem sendo amplamente utilizado para se referir a produtos e serviços atrelados a predicados como sofisticação, exclusividade e alta performance. Até então, luxo e multipropriedade eram como água e óleo, uma vez que o segmento cresceu apoiado no apetite de viagens das classes B, C e D. Mas os ventos parecem estar mudando.
Itens de luxo sempre foram significado de status, entretanto, as novas gerações têm revolucionado o modo de consumir, aderindo a economia compartilhada. Ou seja, a experiência que determinado bem proporciona se tornou muito mais relevante do que a posse em si. E temos muitos exemplos de compartilhamento de produtos high end como iates, aviões, helicópteros e até mesmo carros esportivos. Então, por que não um imóvel?
Sabemos que o setor de multipropriedade decolou no Brasil rumo a uma escalada que parece não regredir, pelo menos não por enquanto. Durante a 10º edição da Adit Share, realizada pela Adit Brasil, foram apresentados os números atualizados do segmento. De acordo com o estudo Cenário do Desenvolvimento de Multipropriedades no Brasil, 128 novos empreendimentos em 2021, totalizando 23 mil apartamentos e 582 mil frações. Este ano, o levantamento aponta 156 projetos lançados (30 mil UHs e 767 mil frações) — o que representa alta de 21,88%.
Luxo para dividir
Os números mostram a força do segmento de propriedade compartilhada no mercado brasileiro e a Resid já pegou carona no potencial do setor. Ainda que a multipropriedade seja majoritariamente voltada para a classe média, a empresa liderada por Paulo Henrique Barbosa procura explorar o conceito em nichos mais exclusivos.
Com a proposta de oferecer imóveis de luxo vendidos em frações, a Resid nasceu no início deste ano, com previsão de entrega do primeiro projeto até o fim de 2022 com cerca de 100 unidades habitacionais. “Nenhum dos projetos é uma residência única e só trabalhamos com propriedades greenfield. Nossa meta é chegar a 12 empreendimentos nos próximos três anos, em 12 destinos diferentes com VGV (Valor Geral de Venda) de R$ 6 bilhões”, revela o CEO.
Barbosa explica que o conceito de shared ownership não retira a exclusividade tão almejada por clientes de alto padrão, mas oferece um aproveitamento de ociosidade — muito comum em segundas residências. “A média de utilização de segunda residência no mundo é de 90 dias. Ou seja, os outros 270 dias ela fica vazia, apenas gerando gastos. E não é porque o cliente tem dinheiro que ele quer deixar um ativo parado”, pontua.
Pensando além do financeiro, manter um imóvel ocioso também não é sustentável — fator de peso nos dias atuais. Desta forma, proprietários buscam uma gestão profissional, com pagamentos proporcionais ao uso e valor agregado. “Nosso produto é uma segunda residência com serviço de hotel cinco estrelas. Ainda oferecemos benefícios internos como o intercâmbio para outros destinos”, acrescenta o executivo.
Em linhas gerais, Barbosa define a Resid como uma empresa que está inserida em uma nova categoria de multipropriedade, com foco em experiência e exclusividade. “O compartilhamento não é algo pertencente apenas à classe média. É um comportamento de consumo mais sustentável”.
Nicho pouco explorado
Pode até ser que a economia compartilhada seja uma tendência em ascensão, mas é fato que o nicho para fatias mais abastadas, pelo menos em multipropriedade, é algo pouco explorado. Para Fabio Neri, fundador da Unyk Holding, empresa que comercializa projetos do segmento, a resposta para a questão é simples: má distribuição de renda e desigualdade social.
“Isso faz com que a base da pirâmide seja muito maior e, naturalmente, um público comprador mais extenso. A multipropriedade permite que as pessoas tenham acesso a experiências que não seriam possíveis pagando a conta sozinhas. Ao mesmo tempo, existe uma série de vantagens, pois manter uma segunda residência tem custo alto, além de ser um imóvel herdável que ainda te dá a possibilidade de conhecer outros destinos por meio de intercambiadoras. É custo dividido com serviço de qualidade”, complementa Neri.
Seguindo por um caminho diferente da Resid, a VCI tem planos ousados de desenvolvimento de multipropriedade no Brasil. Responsável por trazer a marca Hard Rock para o mercado nacional, a empresa conta com um VGV de R$ 6 bilhões. Em fase de construção, o grupo em breve entregará os projetos de Fortaleza (CE) e Ilha do Sol (PR) – ambos com 100% das frações vendidas na primeira fase —, mas o portfólio, até agora, contempla 10 empreendimentos (9 de multipropriedades e 1 de hotelaria tradicional).
De acordo com Samuel Sicchierolli, CEO da VCI, o cliente que compra frações Hard Rock tem renda mensal na casa dos R$ 25 mil, com idade média de 37 anos, casado e com um filho. Em sua maioria, pessoas com passaporte e que já se relacionavam com a marca. “Cerca de 8% dos nossos clientes possuem renda acima dos R$ 45 mil. Entretanto, muitas pessoas se esforçam para adquirir suas frações, pois possibilitamos o parcelamento em 60 vezes, com intercâmbio para mais de 4 mil locais via RCI, podendo ser utilizado após o pagamento de 15% da unidade”, conta o executivo.
Com parcelas na casa dos R$ 1,5 mil, Sicchierolli explica que a multipropriedade permite que muitos consumidores tenham acesso a produtos e serviços que antes pareciam inatingíveis. Contudo, ele reforça que o foco do projeto sempre foi a classe A. “No mundo, a Hard Rock é uma marca cinco estrelas. Por mais que exista o compartilhamento, o empreendimento funciona como um hotel puro. E, com esforço, outras faixas de renda conseguem pagar. Nosso drive, desde a largada, é o cliente com passaporte que viaja para o exterior. Não estamos em destinos saturados como Olímpia e Caldas Novas”.
Venda complexa
Cada perfil de cliente pede por gatilhos específicos de venda. No caso de um público mais qualificado, o apelo se torna ainda mais complexo. Ainda que o preço não seja o maior diferencial, os desenvolvedores buscam um caminho do meio para finalizar as comercializações.
“Existe um apelo comercial, mas meu entendimento é que se trata de um público que procura exclusividade, logo, a entrega e o atendimento serão diferenciais, assim como a oferta de frações maiores”, avalia Neri. “Propostas temáticas e decoração personalizada também fazem sentido aqui”, continua.
Barbosa acrescenta que benefícios são a chave para o fechamento da venda, mas que a multipropriedade high end também conta com seu racional financeiro. “O cliente quer pagar um preço justo, mas ter acesso a produtos e serviços exclusivos. E as pessoas enxergam valor nisso. Buscamos agregar experiências que um hotel não ofereceria, por exemplo. É um cliente mais qualificado e a venda é mais difícil. São gatilhos menos emocionais de conversão”.
A VCI vende cerca de R$ 60 milhões por mês, segundo Sicchierolli. De acordo com o executivo, o momento é bom, pois o mercado está aquecido, mas a barreira de entrada ainda é um fator de peso. Por se tratar de um produto de alto padrão, ele explica que o público não pede uma venda de impacto, com abordagens na rua, como tantas empresas insistem em fazer.
“Normalmente, a pessoa vê algum anúncio e pesquisa. Ou algum conhecido comprou e comentou. É um público com um nível de conhecimento mais elevado, que visita o apartamento modelo antes de comprar, mas sabe que é um sistema inteligente, pois ele entende o valor do dinheiro. É um cliente que escuta e pede mais informações. Por isso, temos uma série de canais de atendimento, além de pontos de venda em alguns shoppings”, explica Sicchierolli.
Potencial de mercado
Pelo perfil de público, Barbosa acredita que a falta de regulamentação de mercado foi um empecilho para o desenvolvimento da multipropriedade high end no Brasil. “Existia toda uma questão jurídica por trás. A Resid é um produto dentro desse segmento, mas é apoiada na mesma lei. Entretanto, a carência de regulamentação também acabou direcionando o segmento para classes mais baixas”.
O ponto também foi destacado pelo CEO da VCI, que prevê um crescimento para essa fatia de mercado nos próximos anos. “Com a lei, começamos a observar hotéis cinco estrelas entrando no setor, o que foi fundamental. As pessoas também passaram a olhar o que, de fato, é relevante. Hoje, é ter experiências e não a propriedade. O foco mudou e isso foi potencializado pela pandemia”.
Sicchierolli acredita que existe espaço para o crescimento do nicho no Brasil, uma vez que o payback desses projetos é enorme. “Fomos pioneiros e bebemos água limpa, chegando a quase R$ 1,3 bilhão em vendas com apenas dois produtos. O mercado é grande e esta será uma tendência, visto que o comportamento do consumidor mudou”.
(*) Crédito da capa: Divulgação/Resid
(**) Crédito das fotos: Divulgação