Entra ano, sai ano, e no momento da construção orçamentária sempre fica a dúvida: o que priorizar para uma melhor rentabilidade no futuro? É verídico que a cada ciclo que se inicia, um novo cenário se apresenta. Em um setor complexo como a hotelaria, as variáveis são muitas, o mercado se transforma e a economia impacta diretamente a equação. Para 2025, a pergunta se repete: ocupação ou diária média?
Na Pesquisa Orçamentos Hoteleiros, divulgada na terceira edição do Hotel Trends Orçamentos, promovida pelo Hotelier News e Noctua Advisory em setembro, de 2023 para 2024, as diárias médias apresentaram crescimento de dois dígitos na maioria das praças analisadas. Por outro lado, a ocupação se manteve estável, como já era esperado pelo setor na mesma base comparativa.
Em RevPar, este ano supera em 30% o indicador de 2019 em números reais. Quando comparado com 2013, período de referência de bons resultados, a receita por quarto ainda é 11% inferior. Ou seja, ainda há espaço para elevar a rentabilidade dos empreendimentos.
Continuar crescendo em dois dígitos requer mais criatividade dos hoteleiros e estratégias equilibradas. E, para seguir subindo a montanha, além de melhorias na economia como um todo, os hotéis devem considerar esses dois pilares essenciais: demanda e tarifário.
Bala de prata
Para Henrique Campolina, sócio da Noctua Advisory, responsável pelo estudo, não existe uma resposta única para a questão. “Podemos seguir por distintas direções para esta resposta, mas o ponto central para o hoteleiro pode ser conhecer, planejar e gerenciar muito bem seu negócio”, analisa, acrescentando que esta não é a realidade de grande parte do mercado, uma vez que a indústria é carente de boas práticas.
E, segundo Campolina, conhecer bem o negócio significa saber todos os detalhes, com base em dados, de quem se hospeda, se existem consumidores suficientes, por que o cliente escolheu o empreendimento e qual a certa competitiva da propriedade.
“Estas são, inclusive, as perguntas respondidas quando se faz um estudo de viabilidade de um hotel. Neste contexto, as respostas estarão também na localização, no produto, na qualidade, no conceito, na forma de pagamento, na experiência, no relacionamento comercial, na forma de reserva, na economia do país, na marca, nas opiniões dos clientes, entre muitos outros pontos”, elucida o executivo da Noctua.
Campolina ainda destaca que, quando o cliente entende o valor do serviço, o questionamento sobre o preço é minimizado. “Na hotelaria, o volume sempre será estratégico e preço tático. Balancear os dois será o melhor a se fazer”, recomenda.
E se a demanda não responder?
Ao que tudo indica, as diárias serão o principal driver de crescimento em 2025. Todavia, é preciso lembrar que o consumidor brasileiro é sensível a preço. E se a demanda não vier como o esperado? O melhor caminho é aceitar a vacância e manter a tarifa?
“Essa é uma pergunta desafiadora e que todo hoteleiro faz. A melhor resposta é que cada hotel deve fazer a sua lição de casa e entender se o preço realmente cobre todos os custos envolvidos. Isso inclui folha de pagamento, insumos, comissões, segurança, água, luz, lavanderia, marketing, entre outros”, diz Flávia Lorenzetti, CEO da B&B Hotels.
A executiva salienta que análises imprecisas prejudicam a indústria, com tarifas reduzidas em busca de maior ocupação. “Uma alta ocupação com uma diária muito baixa pode, na verdade, não estar cobrindo nem os custos mínimos de manutenção, muito menos considerando a depreciação do ativo”, diz.
Rui Fernando Serpa de Medeiros, diretor Regional de Operações da Atrio Hotel Management, acredita na forma do segmento corporativo e na retomada dos eventos de grande porte em 2025 como catalisadores de demanda, além do calendário de feriados que beneficiará o lazer.
“Se por algum motivo a demanda projetada não se concretizar conforme nossas expectativas, estamos preparados para agir de maneira proativa e desenvolver produtos que possam estimular essa ocupação. Outra oportunidade que estamos explorando para reforçar o indicador é a realização de eventos sociais, como formaturas e casamentos para aumentar nosso market share”, diz Medeiros.
A Atrio aposta em cidades corporativas com potencial para o lazer para o desenvolvimento de pacotes e experiências que atraiam visitantes fora do período de eventos. “Dessa forma, mesmo que o cenário não evolua conforme projetado, continuaremos a criar valor por meio de inovações que aumentem a atratividade de nossos hotéis”, continua o diretor.
Marcelo Marinho, diretor de Vendas e Marketing da ICH Administração Hoteleira, reforça a fala de Flávia, mas pondera que elevar a ocupação significa aumentar os custos variáveis. “Claro que nossa prioridade é sempre subir a diária média, pois ela eleva a rentabilidade, o ticket médio e a produtividade de receita. Já a ocupação cresce despesas com equipe, luz, amenities, etc”.
Valorização do produto x diárias
Marinho reforça a dificuldade do setor em conseguir acompanhar a movimentação econômica de indexação de preços perante a inflação. Ele ressalta que a valorização das tarifas varia de acordo com cada praça, destacando que não adianta subir as diárias se o produto não condiz com os valores.
“A ICH possui hotéis de Manaus a Porto Alegre. Cada cenário é um cenário e nem todos estão com os preços que gostaríamos. O que rege a oferta é a demanda. Existem praças no interior mais caras que algumas capitais, mas a oferta é reduzida. Precisamos avaliar a cesta competitiva, se o hotel foi reformado e qual a percepção do cliente em relação ao produto”, pontua.
A operadora gaúcha vem realizando investimentos em suas unidades como estratégia para alavancar as diárias. “A hotelaria tem vários patamares, com um cenário variável. Vejo a possibilidade de indexação com crescimentos saudáveis”, diz o diretor.
Medeiros acredita que ponderar entre ocupação e diária média é uma dos maiores dilemas da gestão hoteleira – o que requer uma administração cautelosa no equilíbrio entre as duas forças, visando uma estratégia saudável a longo prazo.
“Optar por reduções bruscas nas diárias para aumentar a ocupação, em um mercado sensível a preço como o nosso, pode trazer um alívio imediato, mas compromete a percepção de valor do cliente, além de ser difícil de reverter em momentos de recuperação da demanda. É por isso que trabalhamos com uma abordagem flexível e muito assertiva na precificação, sempre analisando os picos de demanda para garantir uma diária média saudável no longo prazo”, explica o diretor da Atrio.
A CEO da B&B Hotels acredita que, quando uma precificação é bem feita, o financeiro torna-se sustentável. “A estratégia de precificação precisa ser assertiva e muito bem calibrada. Em cenários como esses, é fundamental não perder o timing da alta demanda. Se bem ajustada, ela pode sustentar a diária média no acumulado. Mais do que nunca, é preciso estar atento aos dados do mercado, saber analisá-los, interpretá-los e gerar um output de valor, algo que realmente faça diferença no jogo”.
Ela ainda enfatiza a importância de receitas adicionais como parte fundamental para resultados assertivos na equação, mas pondera a necessidade de calcular o custo de cada oferta. “Muitas vezes, aumentar a primeira linha parece bom, mas quando você analisa a margem, percebe que o sucesso não foi tão grande assim. Além disso, talvez nem tenha proporcionado a experiência desejada para o cliente”.
A relação com o investidor
Na outra ponta da questão está um importante stakeholder: o investidor. Escolher entre um e outro depende também desse elo da cadeia hoteleira. Medeiros pontua que convencer o proprietário de que manter a estratégia de preços é o caminho ideal requer uma comunicação clara e embasada em dados.
“Em redes como a nossa, temos o compromisso de sustentar não apenas o retorno no curto prazo, mas também o valor de longo prazo do ativo hoteleiro. Reduzir diárias de maneira agressiva pode comprometer esse valor de mercado, além de provocar um desgaste no produto, que pode afetar a percepção de qualidade e a experiência do hóspede, aspectos que nenhum investidor deseja ver comprometidos”, avalia o diretor da Atrio.
No caso dos condo-hotéis, onde os investidores são mais pulverizados, Medeiros afirma que transparência e alinhamento são fatores fundamentais. “Mostramos a eles que uma ocupação mais baixa, mas com tarifas mais altas, muitas vezes resulta em maior lucratividade do que lotar o hotel com tarifas reduzidas. Outro pilar importante de nossa abordagem é o controle eficaz de custos, que nos permite maximizar a rentabilidade mesmo em cenários de ocupação reduzida. Também destacamos que o mercado é dinâmico e que nosso time está sempre atento a ajustes necessários para garantir um equilíbrio saudável entre ocupação e rentabilidade, sem perder de vista nossa estratégia de longo prazo”.
Flávia acrescenta que o diálogo deve ser direcionado na apresentação de resultados concretos. “Não sou muito fã da palavra convencer. Pode soar como algo milagroso ou pouco sustentável. Mostramos o trabalho feito com base em números reais: o tamanho do mercado, os dados de ocupação, preço dos concorrentes, e quais diferenciais estão implementados para justificar e sustentar o valor da diária. Transparência é essencial, tanto para mostrar a performance quanto para justificar as decisões estratégicas”.
Outro fator relevante é que o investidor precisa entender o custo da depreciação do ativo. “Alta ocupação com diárias muito baixas pode, sim, acelerar essa depreciação, pois acaba atraindo um público menos cuidadoso, o que gera mais desgaste nas instalações. Quando mostramos o impacto de uma estratégia mal planejada sobre o valor do ativo no longo prazo, a decisão de manter um patamar saudável de preços se torna muito mais tangível e lógica”, diz Flávia.
É claro que a pressão por rentabilizar e dar margem é constante, mas a ICH goza de uma boa governança e relacionamento com seus conselhos e investidores. “Temos uma metodologia de orçamento muito saudável, que começa a rodar em agosto, onde iniciamos com a controladoria e finanças para dar o panorama de mercado, previsão de PIB, etc. Mostramos qual será o cenário para o próximo ano e convidamos os gerentes gerais para rodadas de despesas”, revela Marinho.
A operadora ainda realiza rodadas com os conselhos para chegar aos investidores de forma embasada, com dados de inflação, cesta competitiva, índices de NPs e avaliação. “Trabalhamos em conjunto e tiramos a temperatura no caso de divergências. O processo precisa ser tranquilo”, continua Marinho.
Na ICH, o foco para 2025 será investimento e tecnologia. Segundo o diretor, reduzir preços não é uma realidade praticada na rede. “Você traz mais custo variável e perde rentabilidade. Trabalhamos com equilíbrio, promoções, campanhas sazonais e datas de compras, como a Black Friday. Reduzir preço não faz parte da nossa cultura e todos perdem com essa prática”.
(*) Crédito da capa: Pixabay
(**) Crédito das fotos: Divulgação