sábado, 21/setembro
InícioArtigosReila Críscia | Hospitalidade por meio da Gastronomia: A Visão do Chef...

Reila Críscia | Hospitalidade por meio da Gastronomia: A Visão do Chef Laurent Suaudeau

Sempre inspiradora, mais uma conversa, com chef Laurent Suaudeau, estimado como o mestre de grandes profissionais da gastronomia, desta vez ele fala para a nossa coluna “Hospitalidade por meio da Gastronomia”. A trajetória de Laurent Suaudeau ilustra uma rica experiência que vai desde a alta gastronomia em hotéis até a vibrante cena dos restaurantes de rua. Sua abordagem valoriza uma formação solida para dar expressão às mais preciosas receitas, adaptando-se às expectativas de diferentes clientes, enquanto mantém uma integridade técnica e criativa. Sua visão de hospitalidade, mediada pela gastronomia, continua a guiar suas interações com os clientes, e ele cria memórias inesquecíveis em qualquer ambiente.

Laurent chegou ao Brasil no início da década de 1980, aos 23 anos, com uma missão de peso: chefiar a cozinha do Le Saint-Honoré, no Hotel Méridien, no Rio de Janeiro, a convite do mestre Paul Bocuse. Desde então, ele trilhou um caminho impressionante, destacando-se tanto na alta gastronomia de hotéis quanto na cena dinâmica dos restaurantes de rua e já há 22 anos à frente do Espaço Cultural Laurent, onde dedica seu tempo a pesquisa, ensino, o que abarca cursos a chefs de cozinha e pontuais eventos.

Diferenças na Abordagem Culinária

Quando perguntei a Laurent sobre as principais diferenças entre a culinária de restaurantes de rua e de hotéis, ele apontou que a distinção está diretamente ligada à clientela e suas expectativas. Em restaurantes de hotéis, os clientes são, em sua maioria, compostos por hóspedes que buscam uma experiência gastronômica mais convencional e alinhada às expectativas de um hotel. “É crucial entender que os hóspedes, quase sempre, não estão dispostos a experimentar uma cozinha autoral como em um restaurante de rua,” explicou ele.
Já nos restaurantes de rua, a dinâmica muda. Os clientes geralmente buscam novidades, estão mais dispostos a explorar sabores ousados e a abraçar a inovação culinária. Esse ambiente proporciona aos chefs uma maior liberdade criativa e a oportunidade de apresentar uma cozinha mais autoral e experimental.


LEIA TAMBÉM


Convergências na Gastronomia

Apesar dessas diferenças, Laurent identificou pontos de convergência importantes. Ele acredita que a consistência na imagem e no conteúdo gastronômico é fundamental, independentemente do tipo de restaurante. “A consistência da imagem e o conteúdo da casa dependem muito da formação dos colaboradores que atuam tanto na cozinha quanto no salão,” afirmou o chef.

Tanto em hotéis quanto em restaurantes de rua, a formação sólida da equipe é essencial para manter a qualidade e a integridade da oferta gastronômica. A técnica apurada e o serviço impecável são pilares que sustentam a reputação de qualquer restaurante, seja ele na calçada ou no saguão de um hotel.

Desafios na Transição

Laurent refletiu sobre sua transição da alta gastronomia em hotéis para a vibrante cena dos restaurantes de rua. Ele reconhece que essa mudança ampliou significativamente sua criatividade. “A saída de um restaurante de hotel para meu próprio restaurante foi um grande impulso para a criatividade. No hotel, já tinha uma certa independência de atuação, mas no meu restaurante, a independência era total,” relembrou.

No entanto, ele destacou que a administração de um restaurante próprio exige um conhecimento mais profundo sobre gestão financeira, o que adiciona uma camada de complexidade à função de chef. “Você passa a fazer parte de um conjunto chamado empresa, onde não é apenas o artista, mas também deve se preocupar com o pagamento das contas,” observou Laurent.

Ingredientes Brasileiros e Cozinha Francesa

Discutimos também como Laurent equilibra a incorporação de ingredientes brasileiros na clássica cozinha francesa. Ele foi enfático ao afirmar que a cozinha francesa clássica não é modificada diretamente. Em vez disso, ele utiliza as técnicas da escola francesa, com suas mais de 300 técnicas aplicadas por Auguste Escoffier, para integrar ingredientes locais de forma criativa e respeitosa. “A escola da cozinha francesa permite incorporar ingredientes locais em uma cozinha criativa apresentada por cozinheiros brasileiros talentosos. Mas isso requer uma formação sólida, que muitas vezes falta no mercado brasileiro,” enfatizou.

Hospitalidade em Diferentes Ambientes

Para Laurent, a hospitalidade deve ser consistente, seja em restaurantes de hotéis ou de rua. Ele destacou que um bom restaurante em um hotel pode aumentar a ocupação dos apartamentos, beneficiando toda a operação do hotel. “Um hotel precisa sempre ter um bom restaurante como âncora, porque isso ajuda na melhor ocupação dos apartamentos,”. Mencionou o exemplo do Restaurante Laurent, que funcionava em um apart-hotel entre 1991 e 2000 e que viu uma melhoria na ocupação devido à qualidade do restaurante.
A interação com os clientes e a apresentação da cozinha e do serviço devem sempre corresponder ao preço cobrado, independentemente do ambiente. “A satisfação do cliente é o fator que realmente importa”, conclui.

A exemplo de uma trajetória como a de Laurent, nos indica que os caminhos futuros da gastronomia dentro da hospitalidade se estruturam no momento presente, a partir da dedicação dos empreendimentos em fomentarem uma base sólida gastronômica para edificar a receptividade nos hotéis. Como o chef segue buscando a excelência na sua constante balança entre tradição e inovação, os profissionais do setor hoteleiro devem compreender a experiência como sabedoria para continuarem assertivos em seus projetos, ao mesmo tempo que se abrem a contemporaneidade e abraçam os desejos do público para integrarem aos seus modelos de negócio.

Assim, a hospitalidade seguirá sendo um espaço de acolhimento em harmonia com o prazer de comer e beber. Considero que a hospitalidade em hotéis tem a vocação para o conforto na comida. Mais do que sabores “criativos” é necessário serem sabores “afetivos”.

Reila Criscia, jornalista, experiente profissional de eventos, curadoria gastronômica e relações públicas, com mais de 20 anos de atuação. Como diretora da Anagrama Comunicações e Eventos, ela se destaca na organização de eventos gastronômicos exclusivos, valorizando o contato humano e a experiência sensorial dos participantes. Sua expertise em construir relacionamentos duradouros e produtivos, aliada à sua paixão pela gastronomia e à hospitalidade, faz dela uma referência no mercado, atuando tanto em parceria com hotéis renomados quanto como curadora gastronômica para empresas de destaque.

Reila acredita que “a comida é um bem que fala todas as línguas” e em sua atuação trabalha com a compreensão de que a gastronomia  é uma linguagem universal que une culturas e tradições ao redor do mundo, proporcionando experiências únicas e memoráveis à mesa. O slogan de sua empresa é “Socializamos por meio da Gastronomia”

(*) Crédito das imagens: divulgação/Anagrama