domingo, 22/setembro
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RM: 2023 pede uma estratégia mais conservadora ou otimista?

Assumir riscos ou priorizar a segurança tarifária? Para muitos especialistas em RM (Revenue Management), tomar decisões ousadas faz parte de uma boa estratégia de precificação. Afinal, quem não arrisca não petisca, certo? Bem, a resposta é: depende. Perante um cenário positivo para o turismo, ao mesmo tempo o setor hoteleiro se depara com um panorama macroeconômico de muitas incertezas. Essa soma de fatores leva os empreendimentos a uma complexa equação a ser resolvida: 2023 pede uma postura mais conservadora ou otimista?

Para responder a essa questão, é preciso relembrar alguns índices importantes da economia brasileira atual. Com uma Selic a 13,75% ao ano e uma projeção de IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) com expectativa de 5,79% — valor acima dos 4,75% projetados pelo CMI (Conselho Monetário Nacional) para este ano, precificar de forma assertiva é para os fortes.

Esta semana, o BC (Banco Central) projetou alta de juros e inflação para os próximos meses, além de anunciar expectativas nada otimistas para o PIB (Produto Interno Bruto), com previsão de crescimento na ordem de 0,76% em 2023.


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“Atualmente, existe uma expectativa para o PIB que gira em torno de 0,8%. Para se ter uma ideia, em 2022, o indicador ficou em 2%. Ou seja, a projeção para 2023 é bem menor do que o registrado no ano anterior. Já a previsão da inflação está por volta de 5,8%”, explica Marcos Sarmento Melo, economista, diretor da Valorum Empresarial e professor de Finanças do Ibmec.

PIB baixo e inflação alta, definitivamente, não é uma combinação promissora. Somando a isso, Melo afirma que o dólar não deve variar nos próximos meses, permanecendo na casa dos R$ 5,20.

“A taxa de juros elevada deve permanecer até o fim do ano, pois a Selic a 13,75% é o que baliza os demais indicadores. Quem está acostumado a viajar, provavelmente o fará via parcelamento, o que ficará mais caro. Contudo, o Brasil é um país que costuma desobedecer as previsões de início de ano, como foi o caso de 2022”, analisa o economista.

Melo destaca que a dinâmica do mercado brasileiro sofre muitas interferências de outros países e blocos econômicos, o que dificulta a confiabilidade das projeções. “O ano passado foi bem diferente do previsto e, provavelmente, o cenário se repetirá em 2023. Definir panoramas é necessário, mas não dita como será a realidade de fato”.

Marcos Sarmento Melo
Brasil não respeita projeções, diz Melo

Arriscar para acertar?

O sentimento de otimismo faz parte das expectativas de Waleria Fenato, sócia fundadora da RMView. Com números que se equiparam a 2019, a executiva salienta a recuperação da inflação em algumas praças, mas lembra que o Brasil é um país pulverizado quando se trata de retomada.

“Essa recuperação foi motivada pelo lazer, mas em 2022 também observamos movimentos importantes no corporativo e eventos. Acredito que seja uma tendência que continuará. É claro que temos desafios econômicos, como uma moeda fraca em relação ao dólar, o que traz custos para o aéreo, mas ao mesmo tempo impacta a classe de turistas que costuma viajar para o exterior”, salienta Waleria.

Fator importante quando o assunto é oferta e demanda, a executiva ressalta que a hotelaria brasileira não contou com grandes lançamentos nos últimos anos. Para o RM, a procura aquecida por viagens ajuda a maximizar a receita dos empreendimentos. Logo, Waleria afirma que o momento pede atenção, mas também é uma janela de oportunidades.

“O RM tem dois desafios pela frente: um deles é no quesito automação. O setor tem muito o que melhorar em termos de performance, principalmente em processos de distribuição e inteligência de mercado para identificar oportunidades. Essa resolução ajuda também na carência de mão de obra preparada para o RM, uma vez que muitos profissionais deixaram a indústria”, avalia a executiva.

Sobre as melhores estratégias para 2023, Waleria acredita que atuar com RM é sempre um fator de risco. “Não tem como fazer uma estratégia sem envolver cenários que podem acontecer ou não. O risco é inerente, mas os hotéis podem optar por correr mais ou menos, tudo vai depender dos dados e como o empreendimento olha para eles”.

Identificar a capacidade de forecast é uma das chaves para melhores resultados, segundo a executiva, que sugere que os profissionais de RM trabalhem com testes constantes de percepção. “A reação do cliente perante as variações de preços, assim como a demanda age a curto, médio e longo prazos, são bons balizadores. É preciso sair da zona de conforto”.

Estar atento à reputação do hotel tem peso relevante na precificação, uma vez que um empreendimento mal avaliado e com tarifas altas se descola da realidade percebida pelo cliente. “Não se aumenta preço sem uma boa reputação”, enfatiza Waleria.

Melo pontua que é preciso ter controle de caixa para entender qual o real impacto das mudanças na precificação. “Muitas vezes, uma promoção atrai o hóspede, mas sacrifica a liquidez da empresa. Ou seja, não é um bom negócio. Um financeiro bem ajustado é essencial para entender o que está entrando e saindo”.

Waleria Fenato
RM é fator de risco, afirma Waleria

A visão do gestor

Após mais um ano de recordes, o Palácio Tangará não se define nem como conservador, nem otimista. Celso Valle, diretor geral do empreendimento de luxo, afirma que a estratégia varia de acordo com o momento do mercado.

“Antes da pandemia, nosso RM era um. Após a reabertura, no auge do medo da pandemia, foi outro. Quando retornamos, o hotel oferecia um diferencial com muitos espaços abertos, além da criação de novos, como o restaurante Pateo do Palácio. Esses e outros aspectos de nossa estrutura nos tornaram mais agressivos em termos tarifários”, explica Valle.

O Tangará podia se dar ao luxo de arriscar. Todavia, essa não é a realidade de muitos empreendimentos do setor. Valle pondera que é necessário avaliar se a propriedade já está consolidada no mercado para definir tarifários mais pretensiosos.

“Quando o hotel está conquistando espaço, acredito que uma postura mais conservadora seja o ideal. Até porque, você não tem limites bem definidos. Você pode ter uma espinha dorsal traçada para o trimestre ou semestre, mas diversas interferências mudam o cenário de acordo com o comportamento de mercado”, avalia o diretor.

Para definir estratégias assertivas, Valle recomenda olhar para dentro e para o mercado, levando em consideração a concorrência, localização, categoria e comportamento do público-alvo. “Não existe receita de bolo. É preciso saber seus diferenciais em relação aos outros, semear potenciais e colher tarifas saudáveis”.

Celso Valle
Relação precisa de confiança, pontua Valle

RM X gerente geral

E muito antes de traçar métodos de precificação, o RM deve estar afinado com a gerência geral. Como um braço de um grande ecossistema, o gerenciamento de receita precisa responder aos comandos da cabeça pensante. “Trabalhar ao lado do RM é um facilitador. É necessário trazer para perto e não esperar que o profissional responsável faça tudo. É primordial gerar sinergia nas decisões. O acerto ou o erro nunca são de uma única pessoa”, salienta Valle.

Compartilhamento de ideias, franqueza e confiança são alguns dos pontos destacados pelo diretor do Palácio Tangará para desenvolver um relacionamento saudável entre ambas as partes. “Duas cabeças pensam melhor do que uma. É lado a lado que o movimento acontece”.

Para Waleria, o RM também precisa estar alinhado com a equipe de marketing, que possui maior percepção do cliente. “Mas tudo vai depender da estrutura de cada hotel. Temos redes com gestão centralizada ou remota. O trabalho precisa ser feito em equipe. Pois muitas vezes o profissional de RM está debruçado em números e análises, sem muita noção da vivência dentro da unidade”.

(*) Crédito da capa: austindiestel/Unsplash

(**) Crédito das fotos: Divulgação