Oyo - capa_matéria inicial_unicórnioHaverá um horizonte azul esperando pela unicórnio indiana?

Setor de origem milenar, a hotelaria global há tempos não via tamanho agito. Um jovem empreendedor, um modelo de negócio inovador, uma plataforma moderna e, em pouco tempo, um unicórnio surgia atrás do arco-íris da hospitalidade. De fato, foi impossível não notar a trajetória ascendente da Oyo Hotels & Homes, que recebeu aportes multimilionários e se expandiu de maneira nunca antes vista, mas que agora enfrenta questionamentos. Na Índia, na China, nos Estados Unidos e, sim, no Brasil, a empresa fundada por Ritesh Agarwal se viu obrigada a rever estratégias e procurar alternativas – algumas dolorosas – para tentar manter sua aura “mitológica” intacta. Se conseguirá ou não só o tempo dirá, mas aparentemente há muitas pontas a aparar – e o tempo urge!

A partir de hoje (7), o Hotelier News inicia uma série de reportagens sobre o furacão Oyo, que desembarcou no Brasil no início do ano passado. Fruto de apurações com fontes próximas à rede indiana e com dezenas de proprietários de hotéis parceiros, as conversas apontam para um cenário desafiador à frente. Pelo que apuramos, há insatisfação de todos os lados: de clientes, dos donos dos empreendimentos e da equipe de colaboradores. Os problemas, por sua vez, são variados e vão desde a qualidade das unidades (hóspedes) a promessas não cumpridas (proprietários e funcionários).

Agora, o arco-íris era realmente bonito de se ver – e de todos os ângulos possíveis. Para os consumidores, significava um meio de hospedagem com preço acessível e aparentemente de qualidade. Para hoteleiros era efetivamente um sonho: uma empresa chega, promete aumento de ocupação e, melhor ainda, garante investimento em melhorias no ativo. Para colaboradores em potencial, a chance de trabalhar numa empresa dinâmica, próspera e inovadora. Qual a probabilidade de alguém não se interessar? E, de fato, muita gente abraçou a rede, incluindo investidores pesos-pesados do universo de private equity global. De startup promissora, a Oyo rapidamente virou unicórnio.

As suspeitas de que as coisas não estavam bem, contudo, começaram a aparecer no final do ano passado. Na Phocuswright Conferece, diante das principais lideranças da indústria de viagens mundial, Agarwal enfrentou questionamentos após sua apresentação, quando focou na expansão nos Estados Unidos e na evolução gradual nos números financeiros da companhia. Foi pouco convincente para a maioria. Na outra ponta, a falta de padronização no atendimento ao cliente e a quase inexistente experiência de hospedagem nas unidades da rede foram temas centrais das indagações recebidas dos entrevistadores.

No evento, Argawal pouco ou quase não falou com a imprensa, incluindo o Hotelier News, que negociava há meses uma entrevista e, num primeiro momento, tinha um bate-papo confirmado. Fez sua apresentação, atravessou a cortina para o backstage, pegou suas malas e se mandou, em um comportamento diferente do ano anterior, quando era presença certa nos happy hours pós-programação, segundo relatos de participantes. Deu a impressão de querer evitar situações desconfortáveis. Mas o tempo, meus amigos, é o senhor da razão.

Oyo - Ritesh AgarwalNa Phocuswright Conferece, questionamentos à marca já existiam  

Não demorou muito e as primeiras notícias ruins apareceram. Resultados fracos em mercados importantes aumentaram as dúvidas que já ganhavam corpo. A pressão dos investidores, interessados em retorno mais rápido dos aportes milionários, colocou mais pressão. Reportagem do The New York Times deu um tempero ainda mais apimentado a esse enredo todo, denunciando práticas corporativas bastante reprováveis. A empresa e seu modelo de negócio inovador passaram a ser questionados. A plataforma passou a sofrer muitas críticas, o que levou a uma mea culpa de Agarwal: “Nós não somos perfeitos.”

No Brasil, apesar da ausência de um anúncio oficial das operações, tudo transcorria no padrão de sempre: expansão agressiva, negócios fechados com muita rapidez e grande agitação no LinkedIn, com muitas contratações e dezenas de vagas sendo abertas. Até que o cenário externo bateu à porta por aqui também.

Oyo Hotel & Homes: novo approach

Todo esse contexto, pelo que o Hotelier News apurou, está fazendo com que a rede indiana faça um desvio de rota em sua estratégia no Brasil. O apetite por expansão desenfreada e a busca por volume, que marcam a chegada da Oyo às novas praças, vem dando lugar a um cuidado maior com carteira de hotéis existente, atualmente na casa de 400 unidades, segundo comunicado da empresa.

O objetivo é claro: focar na operação atual para torná-la rentável o mais breve possível, seguindo “recomendação” dos investidores – notadamente SoftBank. O primeiro passo para chegar lá foi o padrão de sempre para negócios pressionados por melhores resultados. Ou seja, foi preciso fazer um redimensionamento do time, só para usar o suave jargão corporativo do momento. Em português claro, uma chuva de demissões. Fala-se em cortes de 10% a 15% da força de trabalho, estimada em cerca de 1 mil profissionais.

“O SoftBank sempre foi muito lucrativo. Com as apostas erradas dos últimos tempos, a empresa vem colocando pressão nas startups que receberam aporte para terem maior lucratividade”, informa uma das fontes anônimas ouvidas pela reportagem com acesso às lideranças da Oyo Brasil. “Com isso, corte de pessoal é consequência natural. Obviamente, o clima não é muito bom entre os funcionários”, completa.

Em paralelo, como citado acima, o plano de expansão será menos agressivo, mais focado em mercados centrais ou em praças secundárias de maior potencial. Pelo que apurou o Hotelier News, a meta da Oyo Brasil é ter Ebtida (Lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização, na sigla em inglês) no azul em 2021. O objetivo é audacioso, especialmente se levarmos em conta a política de preços adotada, a relação com os proprietários e a má impressão deixada com os clientes finais em várias localidades.

Oyo - Oyo Vila Maria, em São PauloHotel da Vila Maria, em São Paulo: rede expandiu rápido no Brasil

Muitos dos proprietários com os quais a reportagem conversou, por exemplo, relataram queda brutal da diária média em relação ao praticado antes do acordo com a rede indiana – e isso aconteceu mesmo após as melhorias feitas pela Oyo Brasil nos empreendimentos, o que em teoria requalificaria o produto. Para muitos deles, a ocupação efetivamente subiu, só que isso foi acompanhando de mais custos, o que não foi suficiente para trazer lucratividade à operação. Pelo contrário, muitos mencionaram prejuízos, gerando insatisfação e pedidos de rescisão de contratos. É justo ressaltar, contudo, que há muita gente satisfeita com a parceria. Mais ainda, em um universo de centenas de proprietários, é realmente difícil agradar a todo mundo.

Agora, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Embora monetize em cima das vendas dos hotéis afiliados, o desempenho financeiro da rede indiana não pode ser diretamente medido pela performance dos empreendimentos, até porque um abismo separa a estrutura de custos de um e de outro. É certo, contudo, que a saúde econômica do parceiro deve ser olhada com muita atenção. No entanto, a reportagem notou que a relação tem rachaduras, dúvidas e questionamentos. Bem, crescimento a todo custo muitas vezes leva a isso, certo?

Para piorar, e aí voltando o olhar para a operação da cadeia hoteleira indiana, seus elevados gastos com pessoal, altos custos de aquisição de clientes e a necessidade constante de expansão em meio às tarifas baixas e margens apertadas vêm dificultando a busca por aquela palavrinha mágica: lucratividade. Como sair dessa e mirar um horizonte mais azul atrás do arco-íris? Esse é o desafio que se impõe à rede indiana no momento – e obviamente não só no Brasil.

O outro lado

O Hotelier News buscou a Oyo para saber a resposta e a empresa nos enviou um longo comunicado oficial com retorno a diferentes questionamentos. Em relação à mudança de rota, a empresa praticamente confirmou a apuração da reportagem, dando a entender que se trata de uma orientação global. “Planejamos nos concentrar mais na criação de capacidades para atender a nossos proprietários e hóspedes, e estamos racionalizando investimentos nas nossas novas frentes de negócios.”

Citando um post recente de Agarwal publicado no blog da empresa, a Oyo destaca que está buscando um crescimento paulatino em 2020. Para tal, vai “reduzir custos operacionais, utilizando tecnologia nos sistemas e processos”, “concentrar-se em praças lucrativas e evitar o crescimento que dilui nossas margens” e “concentrar-se nos negócios principais e racionalizar as vias de crescimento”, entre outras medidas.

“Em primeiro lugar, temos apenas seis meses no Brasil e este é um período em que, como em muitos outros mercados e regiões em que estamos nos estágios iniciais de nossos negócios, continuamos a fazer investimentos, que acreditamos que começarão a mostrar resultados nos próximos anos. Então, o que podemos confirmar é que temos uma visão clara de como será esse caminho para a lucratividade. No entanto, não há data ou prazo previstos associado à mesma”, diz a empresa, querendo com a última informação desmentir o apurado pela reportagem.

Embora a empresa reconheça que seja normal investidores terem expectativa de retorno, a Oyo rechaçou que existam possíveis interferências e pressão da parte desses stakeholders na condução dos negócios. A companhia destacou ainda que tem um modelo de governança comum às típicas organizações com conselhos de administração. “A resposta à premissa de que existem prazos ou decisões ditadas por nossos investidores é inequivocamente negativa”, enfatiza.

O Oyo também respondeu a outros questionamentos sobre política tarifária e o clima organizacional, que serão abordadas de forma mais detalhada nas próximas reportagens. De todo o material recebido, a “cara” de respostas protocolares do time de relações públicas foi o que menos importou. Do longo texto é possível concluir que ainda há questionamentos em aberto sobre o Brasil.

Oyo - equipe headquartersCom milhares de colaboradores, a Oyo demitiu bastante nos últimos meses

Por um lado, faz mea culpa e diz que a operação no país é ainda muito recente, acrescentando que não tem data e meta para torná-la lucrativa – mas diz que sabe o “caminho”. Por outro, reforça que vai se concentrar em “praças lucrativas e evitar crescimento que dilui margens”. Ora, onde o mercado brasileiro se encaixa nessa equação se por aqui a rentabilidade ainda é baixa e não tem previsão para isso se alterar? Vai abandonar o país? 

Embora afirme saber o “caminho”, este que nos foi apresentado é também bastante vago. Em um ecossistema como o que a empresa conseguiu brilhantemente montar até aqui, todos os públicos de interesse importam de maneira igual. São eles que dão sustentação ao negócio. No entanto, eles parecem ligeiramente negligenciados. 

O consumidor muitas vezes não tem a experiência esperada, já que encontra unidades com diferentes padrões de atendimento e de qualidade, bem como de infraestrutura. O hoteleiro se sente uma gota no oceano em meio a milhares de outros proprietários e busca um suporte que acaba não sendo adequado. O colaborador têm dificuldades de se engajar em função do elevado nível de cobrança e de práticas corporativas das quais muitas vezes não compactua.

Dos três, talvez o mais fácil e rápido de resolver seja o último. Engajar o colaborador será o passo inicial para fortalecer a relação com os proprietários, o que pavimenta um caminho seguro para satisfazer o consumidor. Daí para chegar à palavrinha mágica tão esperada (lucratividade) pode ser um pulo – ou não, afinal o Uber está aí para provar que não é assim não rápido! De qualquer forma, o resto da equação não é simples. Torcemos para que a Oyo encontre seu rumo e que o arco-íris surja novamente no horizonte da empresa.

(*) Crédito da capa: montagem Hotelier News

(**) Crédito da foto: Vinicius Medeiros/Hotelier News

(***) Crédito da foto: reprodução/Site Oyo Brasil

(****) Crédito da foto: reprodução Official Oyo Blog