O título da reportagem pode parecer exagerado, mas é parcialmente verdadeiro. Depois de proporcionar quase um segundo Réveillon para os hotéis cariocas em 2022, a ponto de colocar o Rio entre os top 5 de crescimento de RevPar global no mês de setembro, a edição comemorativa de 40 anos do Rock in Rio vem decepcionando a hotelaria carioca. A procura está abaixo da esperada e, quando se pensa em preços, a frustração é ainda maior. Então, fica a pergunta: o que pode ter dado errado?

Um misto de mudança de comportamento do consumidor e uma certa superestimada da demanda por parte dos hotéis cariocas explica o resultado abaixo do esperado, mas não é só isso. Na avaliação de fontes ouvidas pelo Hotelier News para essa matéria, a organização do evento também tem sua parcela de “culpa”. Isso porque, em meio a uma edição tão relevante, não conseguiu reunir atrações que “arrastam multidões” como nas anteriores.

Quer uma prova disso? Na edição de 2022, por exemplo, os ingressos esgotaram em uma semana de vendas, sendo que, em alguns dias, foram questão de horas (veja abaixo). Em 2024, restam entradas para três dos sete dias do festival. Hoje, faltando pouco mais de 45 dias para os shows, não há mais bilhetes para os dias 13, 14, 20 e 22 de setembro, que têm como headliners Travis Scott, Imagine Dragons, Katy Perry e Shawn Mendes, respectivamente.


Em 2022 foi outro cenário…

  • O dia de Justin Bieber acabou em 12 minutos
  • O dia de Coldplay acabou em 27 minutos
  • O dia de Post Malone acabou em 59 minutos
  • O dia de Dua Lipa acabou em 1 hora e 4 minutos
  • O dia do Green Day acabou em 1 hora e 44 minutos
  • O dia do Guns N’ Roses acabou em 4 horas e 45 minutos

(Fonte: G1)


Agora, o que motivou a procura de ingressos abaixo de 2022? Promotores de eventos de entretenimento consultados pela reportagem acreditam que o line-up dessa edição decepcionou, ficando aquém dos anos anteriores. Aparentemente, segundo elas, a organização teve dificuldades para arregimentar grandes nomes do pop internacional, muito embora estrelas como Kate Perry estejam na programação.

Para reforçar essa impressão, a organização do Rock in Rio adiou o início da venda de ingressos da edição deste ano. Tradicionalmente, a abertura ocorria em abril, mas começou apenas em maio, o que, para as fontes ouvidas, teria relação com as negociações em curso com os artistas. “O adiamento passou a impressão de que ainda estavam negociando com alguma grande atração, o que não se confirmou”, disse uma das pessoas entrevistadas, que preferiu não se identificar por atuar no setor de entretenimento..

“Acredito que, para uma edição histórica como essa, que celebra 40 anos do festival, nomes como Shawn Mendes e Avenged Sevenfold não são headliners comparados aos das edições anteriores. Ademais, acredito que a dificuldade em fechar com nomes consagrados redundou na criação do dia dedicado à música brasileira. Não à toa, dois desses três dias ainda não esgotaram os ingressos”, diz uma das fontes consultadas, que também preferiu não se identificar por atuar no setor de entretenimento.

Procurado pela reportagem, o Rock in Rio está mais otimista com a demanda de pessoas para o evento, informando que os ingressos devem esgotar em breve. De acordo com a organização, o público estimado para o festival é de 700 mil pessoas, o mesmo montante da edição passada, o que daria 100 mil por dia.

Ainda segundo a Rock World, empresa criada pelo empresário brasileiro Roberto Medina, 54% dos pagantes são do Rio de Janeiro e 20% de São Paulo, principal emissor turístico do país. “Além disso, todos os estados brasileiros compraram ingressos e também fãs de 31 países até o momento”, disse a empresa, em nota.

Baixa demanda

O otimismo do Rock in Rio foi compartilhado pela hotelaria carioca. Sim, o tempo verbal é esse mesmo, pois a sensação já passou. A demanda abaixo do esperado foi, inclusive, pauta de reunião da ABIH-Rio, confirmam fontes ouvidas pelo Hotelier News. E o assunto não poderia ser outro: baixamos ou não os preços? Não se sabe o que rendeu esse bate-papo, mas alguns hotéis da cidade lançaram promoções recentemente.

A boa notícia é que esse aparentemente não foi um movimento generalizado, apontam dados da Lighthouse. De acordo com os números da empresa de data itelligence, o setor abriu as vendas para a data (tarifas públicas) – em maio, junto com o anúncio do lineup – 22% abaixo do que em 2022. Em um recorte de hoje (26), o valor médio está 16% menor (R$ 334 versus R$ 280).

Rock In Rio - preços públicos

“Diante da demanda mais baixa, o preço não ter caído já é uma boa notícia. Na verdade, como mostram os dados, os hotéis subiram de maio até o momento, à medida que o tempo foi passando, o que é uma estratégia correta de precificação”, afirma Ricardo Souza, Team Leader Latam da Lighthouse.

Souza relembra que, em 2022, o Rock in Rio foi praticamente um outro Réveillon para a hotelaria carioca, tamanho o nível de demanda para a cidade. “Em 2022, a procura foi tão grande que transbordou a Barra da Tijuca, onde é o festival. Em 2024, se olharmos o mapa de calor da demanda, está bem mais baixo”, destaca o executivo da Lighthouse.

Para Souza, falar em superdimensionamento da demanda por parte dos RMs cariocas seria um exagero. Isso porque, como mostram os números, a hotelaria carioca não só precificou abaixo de 2022 já de partida, como não baixou o preço ao ver a demanda não corresponder, o que é um comportamento comum quando se erra muito na estratégia.

“Pode-se achar que a demanda foi absorvida pelo short-term rentalso que foi uma questão no show da Madonna, mas a ocupação no segmento está similar à hotelaria. A procura está mais baixa mesmo do que há dois anos, e acredito que uma série de fatores explica isso”, comenta. “O primeiro deles é que, em 2022, as datas do festival ‘casaram’ com o feriado prolongado do Dia da Independência, o que por si só é um amplificador da demanda. Não sou lá um grande conhecedor de música, mas acho que o line-up também pode ser um fator que influenciou”, completa.

Mais dados

Números divulgados pela HotéisRIO na sexta-feira (23) reiteram a impressão de uma procura abaixo da expectativa para o Rock in Rio. Na primeira semana de shows (de 13 a 15 de setembro), por exemplo, a média de ocupação está em 54%, enquanto esse percentual chega a 51% na segunda. Em ambos os casos, as regiões de Ipanema/Leblon e Barra da Tijuca/Recreio lideram a demanda por quartos nos hotéis.

O presidente do HotéisRIO, Alfredo Lopes concorda com a análise feita por Ricardo Souza e faz outras observações. “A tendência é que a ocupação hoteleira cresça mais próxima ao evento já que a maioria do público do evento é formada por jovens que efetiva as reservas hoteleiras no último minuto”, comenta, em contato com a reportagem do Hotelier News.

Ele também observa que o comportamento do consumidor está diferente este ano, na comparação com 2022. “Estávamos saindo de uma pandemia. As pessoas estavam ávidas para sair de casa, o que fez a procura por esses festivais explodir. Além disso, a Rock World lançou o The Town, que ocorre em São Paulo, e esse evento pode ter esvaziado um pouco a procura pelo Rock in Rio por parte dos paulistas”, avalia Lopes.

Rock in Rio - mapa de calor

De fato, de acordo com dados da Lighthouse, as duas praça com maior volume de buscas para o Rio de Janeiro no período são Brasília e Florianópolis, mas a capital paulista está no top 5. “Não podemos ignorar que muitos paulistas optam pelo transporte rodoviário, até em função dos altos preços das passagens aéreas, e nossos dados levam em conta as buscas por voos”, acrecenta Souza.

Por fim, Lopes dá a entender que segue otimista em relação ao festival para os resultados dos hotéis da cidade, em especial na Barra da Tijuca. “Recalibramos os preços e temos boas expectativas para a ocupação. Como falei, acho que o perfil do público, mais jovem, vai responder mais perto da realização do Rock in Rio”, finaliza.

(*) Crédito da capa: Reprodução/Diário do Rio

(**) Crédito dos infográficos: Lighthouse