Os últimos anos foram desafiadores para o turismo e a hotelaria. Durante a pandemia, discussões sobre a volta à normalidade vinham sempre à tona, principalmente quando se falava das viagens corporativas, cuja perspectiva de retomada sempre inspirou maior preocupação do que o lazer. Com a crise no retrovisor, o segmento vê um horizonte um pouco mais iluminado à frente. Mas será que tudo que reluz é realmente ouro?

De acordo com dados divulgados pela Abracorp (Associação Brasileira das Agências de Viagens Corporativas), no primeiro semestre o setor registrou faturamento de R$ 6,8 biljões, alta de 5% frente ao mesmo período de 2023. Apenas na hotelaria, a receita foi de R$ 2 bilhões, avanço de 17,7% na mesma base comparativa.

Com uma agenda de shows e eventos de entretenimento mais modesta quando comparada com 2023, além de um calendário mais escasso de feriados, o corporativo tem espaço para ganhar destaque. O Hotelier News conversou com alguns especialistas para entender se 2024 realmente será o ano das viagens corporativas.

Viagens corporativas - Humberto_Machado

Machado comenta performance do 1º semestre

“O cenário que estamos observando é de um segundo semestre desafiador. Isso porque a tendência é de que as tarifas continuem em um patamar elevado, devido a fatores como a instabilidade econômica. Acreditamos que o percentual de crescimento das viagens corporativas neste período deve ficar alinhado com o primeiro semestre, com esperança de fechar o ano com faturamento de pelo menos R$ 15 bilhões. Como o combustível é o maior custo das companhias aéreas, o comportamento do dólar acaba influenciando nosso setor”, explica Humberto Machado, diretor executivo da Abracorp, em contato com a reportagem do Hotelier News.

“Enquanto tivermos essa instabilidade econômica, o cenário será preocupante, porque os custos sobem, o que gera aumento no preço das passagens, e isso acaba influenciando diretamente na política de viagens corporativas das empresas. Na demanda internacional, por exemplo, ainda não conseguimos voltar ao patamar pré-pandemia. Esperamos que haja maior estabilidade daqui para a frente, para assim termos um cenário mais positivo”, complementa Machado.

Hotelaria

Marcelo Marinho, diretor da ICH Administração de Hotéis, destaca que o segmento sofreu muito durante a pandemia, e que agora vem sendo resgatado. “Para nós, está sendo um ano positivo. Como estamos em diversos destinos, conseguimos manter os índices em alta. Mas são muitas variáveis, como por exemplo a praça na qual o empreendimento está inserido. Isso conta muito”, explica.

“No nosso caso, o número menor de feriados funciona como um fator positivo, estimulando as viagens corporativas. Obviamente, tivemos mudanças no comportamento do cliente após a pandemia e precisamos nos adaptar a elas. A crise alterou o ciclo de viagens das pessoas. Aquela viagem para fazer uma reunião foi substituída pelo virtual e, hoje, as viagens são mais estratégicas, ou seja, elas voltaram, mas em um formato diferente”, complementa.

Segundo o executivo, 2024 está sendo um ano positivo, o que consolida a retomada do segmento. Por outro lado, alerta que é preciso entender o comportamento do viajante corporativo. “Hoje, o cenário que vemos desenhado é de menor frequência de viagens, mas maior tempo de permanência nos hotéis. O ponto positivo é que a conquista de clientes exige uma abordagem presencial, então essas viagens continuarão acontecendo. O bleisure segue sendo uma aposta grande. Já que o aéreo é caro, convidamos que o cliente estenda sua estada de trabalho para aproveitar um pouco do lazer. Isso tem feito com que novas oportunidades surjam, e os hotéis precisam estar preparados para esta nova tendência”, acrescenta Marinho.

Flávia Zülzke, diretora de Marketing e Vendas dos Hotéis Deville, explica que a rede segue em linha com o crescimento do setor na demanda corporativa. No primeiro semestre, houve alta de 22% frente ao mesmo período do ano passado. “A Deville tem muitos hotéis regionais, e nós temos um mercado um pouco diferente, mais focado em regiões como o Centro-Oeste, onde o corporativo é bem forte”, pontua.

“Tanto em tarifas públicas, quanto em eventos, também tivemos crescimento. O segundo semestre nos preocupa mais pelo volume de leads que não veio tão aquecido, então esperamos uma performance um pouco abaixo dos seis primeiros meses do ano. Mas é um cenário ainda dentro do previsto. Em praças como Salvador, nosso empreendimento passou por uma revitalização considerável, e a demanda de eventos segue crescendo, visto que um hotel renovado tem um apelo diferente”, analisa.

O que vem pela frente

Flávia comenta que, entre os desafios para o crescimento das viagens corporativas, está principalmente o alto valor das passagens aéreas. “Para alguns destinos, as passagens têm valores altíssimos, e os clientes buscam soluções que se adequem ao orçamento. Para o ano que vem, a rede espera um retorno mais forte do agro, já que temos muitos clientes neste setor. A expectativa é de que o corporativo volte com mais força, e isso irá reverberar em algumas unidades. Para nós, essa manutenção da demanda corporativa é crucial”, conclui.

Ricardo Nielsen-capa

Nielsen avalia cenário das viagens corporativas

Ricardo Nielsen, diretor de Vendas, Marketing e Distribuição da Slaviero Hotéis, por sua vez, afirma que há vários aspectos que podem ser ponderados quando se fala de viagens corporativas. “Depois da pandemia, percebemos que o mercado corporativo estava acostumado com grandes contas e demandas de segmentos que não existem mais. Por exemplo, havia grandes treinamentos de colaboradores sendo realizados e, como as empresas reinventaram seus métodos durante a crise, é algo que deixou de existir”, explica.

“Mas o mercado também se reinventou, ficou mais dinâmico. Nesse aspecto, o setor seguiu crescendo de 2023 para 2024. As pessoas precisam se encontrar pessoalmente, e isso foi uma herança da pandemia, por conta do confinamento. A última WTM, por exemplo, foi muito forte, todos os participantes querendo conversar cara a cara, fazer networking”, complementa.

Neste ano, segundo o executivo, a equipe de Vendas da Slaviero fez várias viagens para participar de workshops para extrair o máximo da demanda corporativa. “Em julho, tivemos o cruzamento do lazer com o corporativo, e foi o melhor mês da história da nossa companhia. Nossa expectativa é seguir com o corporativo bem aquecido, porém entendemos que já estamos no teto da ocupação em algumas praças, sem conseguir projetar crescimentos tão significativos”, acrescenta.

Nielsen explica que o momento é de olhar para os custos, que ficaram mais altos. Já para 2025, a companhia tem como ponto de atenção a estratégia omnichannel. “É preciso ter cuidado nessa multiplicidade de canais, porque pode haver perda de mensuração da demanda e desvio do cliente para um canal mais caro. Pode ser um verdadeiro tiro no pé”, diz.

“De modo geral, temos algumas praças bem aquecidas, como São Paulo, Curitiba, Florianópolis e Balneário Camboriú (SC), além de algumas cidades do Nordeste, como João Pessoa, e destinos do agronegócio. E também temos algumas com espaço para evoluir, como Chapecó e Bento Gonçalves (RS), ainda por conta das enchentes. Para o ano que vem, temos aberturas previstas em Curitiba, Campo Grande e Foz do Iguaçu, visando absorver ainda mais esta demanda corporativa”, finaliza.

(*) Crédito da capa: Reprodução/Beyond Business Travel

(**) Crédito das fotos: Divulgação