André Matielo não nega as raízes. Paulistano e descendente de franceses e italianos, o diretor da Feasi Hospitality não recusa uma macarronada acompanhada por um bom vinho. Vindo de uma família atuante no mercado gastronômico, preferiu tomar outro caminho. Ainda na época de faculdade, e a convite de um professor, foi parar na hotelaria e não saiu mais.

Nos últimos 10 anos, integrou o time de consultoria da JLL Hotels & Hospitality e foi diretor de Desenvolvimento da Marriott International na América Latina. Em sua carreira, realizou projetos hoteleiros pelo Brasil e em países latino-americanos. Em 2018, fundou a Feasi Hospitality, com foco em serviços de direcionamento e estudos de mercado.

Diante do cenário causado pela crise, Matielo vem se debruçando em análises do setor e projeções para a retomada. “A situação atual é de descompasso entre o número de quartos disponíveis, praticamente igual ao pré-pandemia, e o número de viajantes, substancialmente menor do que antes. No entanto, notamos que as medidas de aumento de eficiência operacional que os hotéis tiveram que aplicar para sobreviverem durante a fase mais crítica da pandemia fizeram com que o ponto de equilíbrio fosse atingido”. A seguir, confira a entrevista na íntegra.

Três perguntas para: André Matielo

Hotelier News: O mercado vem retomando de acordo com o esperado no início da pandemia pela Feasi Hospitality? Por quê?

André Matielo: Desde o início da pandemia, oito meses atrás, nosso entendimento é que o mercado passou por três fases. A primeira foi o choque causado pelos decretos governamentais que limitaram os deslocamentos e as atividades econômicas, levando um grande número de hotéis – de bandeira e independentes – a fecharem temporariamente. A segunda acompanhou o cronograma de relaxamento dos decretos e a adoção de “planos de reabertura” por parte dos estados, quando observamos as propriedades independentes reabriram antes dos hotéis de rede. A terceira etapa é aquela em que estamos agora, com um pouco mais de previsibilidade em termos de ações governamentais, e praticamente o mesmo número de hotéis abertos do período pré-pandemia.

A situação atual é de descompasso entre o número de quartos disponíveis, praticamente igual ao pré-pandemia, e o número de viajantes, substancialmente menor do que antes. No entanto, notamos que as medidas de aumento de eficiência operacional que os hotéis tiveram que aplicar para sobreviverem durante a fase mais crítica da pandemia fizeram com que o ponto de equilíbrio fosse atingido com taxas de ocupação mais baixas, retardando assim uma possível guerra tarifária. Paradoxalmente, como uma grande parte dos contratos corporativos foram suspensos, algumas praças hoteleiras estão experimentando aumento pontual nas diárias médias, já que os valores pagos pelos viajantes individuais são superiores às tarifas negociadas. As perspectivas futuras ainda são permeadas por muitas incertezas, que vão desde à eficácia da vacina até o comportamento das grandes empresas em relação a viagens e eventos. Nosso entendimento, contudo, é de que o pior já passou.

HN: Até o momento, quais as principais praças com maior potencial de recuperação? E mercados secundários? Como estão se comportando?

AM: Considerando a tendência do turismo de proximidade e a necessidade do “escapismo” gerado pelo confinamento, os destinos turísticos consolidados despontam como praças de maior potencial de recuperação. Bons exemplos são Gramado (RS) e Porto de Galinhas (PE), que têm reportado altas ocupações aos finais de semana e feriados, impulsionados pelos turistas regionais que se deslocam de carro. Em nossa leitura, os mercados secundários estão se saindo melhor do que grandes centros urbanos por conta do perfil da demanda: enquanto a hotelaria de cidades menores é sustentada por representantes comerciais e propagandistas, que diminuíram, mas não cessaram suas viagens, as grandes metrópoles dependem de contratos corporativos e de grandes eventos, que estão suspensos.

HN: A hotelaria independente tende a sofrer mais em períodos de crise. Quais os principais aprendizados que o segmento vai levar de 2020?

AM: No nosso ponto de vista, a hotelaria independente tende a ter respostas mais rápidas do que a hotelaria de rede por conta da estrutura de tomada de decisões. Nesse sentido, acreditamos que o principal aprendizado seja na estrutura operacional: é preciso ser eficiente para sobreviver. E pudemos observar que muitos hotéis independentes tomaram ações enérgicas relacionadas à corte de custos e controle de gastos, que haviam sido postergadas por muitos anos. Outro aprendizado que podemos citar é na estruturação financeira do negócio: é importante manter as finanças do hotel saudáveis e separadas da família para que haja margem de manobra em tempos de crise.

(*) Crédito da foto: Divulgação/Feasi Hospitality