Daniel Guijarro - tres perguntasGuijarro: "não perder tempo e ter assertividade nas estratégias"

Com mais de 40 anos de experiência no mercado turístico e hoteleiro, Daniel Guijarro tem muito a dizer sobre o cenário atual. Hoje consultor focado em empreendimentos independentes e pequenas redes, o profissional afirma que o momento pede assertividade em ações estratégicas de marketing, vendas e distribuição.

“A primeira grande questão é o timing para que isso inicie. Por um lado, o momento ainda é delicado, mas, ao mesmo tempo, há a necessidade de não perder tempo em relação a uma assertividade nas estratégias comerciais a partir de agora”, salienta.

Formado em Turismo e pós-graduado em Hotelaria pela USP (Universidade de São Paulo), elevou seu know how ao longo dos anos com diversos cursos de especialização. Sua trajetória no turismo começou por acaso, ao ser convidado por um amigo da família a trabalhar como promotor de vendas em uma agência de viagens.

Guijarro ainda atuou no mercado de locação de veículos antes de ingressar na hotelaria, sua grande paixão. No setor, foi diretor de Vendas e Marketing em grandes redes como Accor, Bourbon, Rede Plaza, Hotelaria Brasil e HPlus, além de gerente de Vendas na Blue Tree Hotels e ser um dos fundadores da Resorts Brasil.

Cozinheiro aos finais de semana, apaixonado por vinhos, futebol e Fórmula 1, o executivo continua atento a todas as novidades e movimentos do mercado hoteleiro brasileiro e mundial e é nosso convidado de hoje (21) no Três perguntas para

Três perguntas para: Daniel Guijarro

Hotelier News: Além de atuar em grandes redes, você também presta consultoria hoteleira. Hoje, quais são as principais demandas dos clientes para a retomada? Quais as principais dúvidas e receios?

Daniel Guijarro: Minha consultoria é focada na área Comercial para pequenas redes e hotelaria independente, envolvendo Vendas, Marketing e Distribuição. Vivemos ainda um momento de incertezas e indefinições. Ninguém nunca poderia imaginar que de repente o mundo “parasse” em função de algo totalmente imprevisto e num momento favorável e de forte recuperação que a hoteleira estava vivendo. E é justamente num momento favorável, com forte demanda e concorrência acirrada, em que as grandes redes exercem um poder maior de penetração no mercado, que redes menores e hotelaria independente buscam um consultor para auxiliar nos processos de vendas, nas estratégias e políticas comerciais, na definição de pricing, na capacitação da equipe e no aumento do share de participação de mercado, visando fazer frente à poderosa concorrência. Portanto, a demanda por uma consultoria, até fevereiro de 2020, foi objetivando resultados de aumento de share, de receita e porque não dizer, de expansão e desenvolvimento. Este foi o cenário vivido até então. Com chegada da pandemia, todos ficaram desnorteados. Reservas canceladas, eventos adiados ou cancelados e a receita em queda livre. Claro que então o foco de incremento de negócios por parte dos investidores mudou para manter quadro de pessoal, reduzir custos e o que fazer de concreto do ponto de vista sanitário além de reforçar cuidados com a governança ou simplesmente disponibilizar álcool gel para os hóspedes. Ninguém sabia ao certo o que fazer.

Na sequência, hotéis fechados, demissões, comitês de crise para definir ações para enfrentar a pandemia e a redução de custos que atingiu colaboradores e muitos contratos com terceiros, inclusive minha consultoria. Meus negócios foram drasticamente reduzidos e a retomada ainda é imprevisível pois num cenário de quase total ausência da demanda, não faz muito sentido manter uma consultoria para incrementar vendas. O foco passou a ser a sobrevivência e em como adaptar o produto para uma realidade de ter que enfrentar uma pandemia e dar confiança ao hóspede. Mas a necessidade por uma consultoria comercial vai voltar. Pode demorar um pouco ainda, mas devagar irá voltar pela necessidade maior ainda de se acertar nas estratégias e buscar um mercado da forma mais consistente possível.

De certa forma hoje, os hotéis já sabem o que fazer do ponto de vista de protocolos sanitários e estão preparados para isto, muito em função do belíssimo trabalho realizado também por entidades como FOHB, Resorts Brasil e ABIH. A principal dúvida no momento é “até quando vai isso?” Para uma revisão orçamentária mais assertiva, como projetamos períodos como Réveillon, Fórmula 1 em São Paulo, e Carnaval por exemplo?  Ainda é baixa a previsibilidade quanto a isto em muitas cidades brasileiras. E a vacina? E o aéreo? E o mercado internacional? Quando será a abertura de fronteiras? A economia vai entrar em novo ciclo de recuperação? Ou seja, dúvidas e incertezas ainda são muitas.

HN: Pela sua experiência, quais as principais ações estratégicas na área de Vendas devem ser implementadas na retomada?

DG: A primeira grande questão é o timing para que isto inicie. Por um lado, o momento ainda é delicado, mas por outro há a necessidade de não perder tempo em relação a uma assertividade nas estratégias comerciais a partir de agora. Grandes redes como Accor por exemplo, tem em seus quadros um verdadeiro exército de ótimos pensadores globalmente falando, e o resultado disto chega nas unidades. Nas pequenas redes ou hotelaria independente este papel de pensador é mais uma função do dono e/ou dos principais executivos. Aí então entra figura de um bom consultor, capaz de auxiliar com a inteligência de que necessitam para uma boa retomada. Muito se fala em investir em tecnologia. Verdade. Porém, em minha opinião, não adianta tecnologia sem boa utilização, sem estratégia e sem boas práticas. O que podemos até afirmar como legado desta pandemia é que os hotéis foram obrigados a aprender a utilizar mais e melhor os recursos tecnológicos de que já dispunham e descobrir quais as suas carências para direcionar os investimentos futuros.

A segunda grande questão é que mais do que nunca é preciso saber ouvir o mercado e entender o novo normal quanto ao comportamento de compra. Tudo o que se viveu até hoje faz parte do passado e não sabemos o quanto e se voltará a ser como antes. Tenho visto alguns exercícios de futurologia, mas pouco tenho visto sobre ouvir o mercado. No mundo corporativo, estamos às portas de uma nova temporada de RFPs. Talvez, além das medidas sanitárias já planejadas pelos hotéis, outras medidas sejam exigidas por grandes corporações e empresas com Gestões de Viagens e de preocupação com seus viajantes. Um consultor com conhecimento de mercado pode auxiliar também na busca e antecipação de informações para que tais exigências sejam analisadas e incorporadas aos novos protocolos.

A terceira grande questão é que o papel da equipe de vendas passa a ser totalmente diferente. Antes de vender um “acordo” ele terá que ouvir o cliente sobre suas necessidades, e na sequência expor também claramente os novos protocolos sanitários e de segurança antes de falar em acordos etc etc. Além disso a atuação da equipe passará a ser muito mais virtual do que presencial por um bom tempo. A partir daí, definir um novo pricing sem achar que baixar tarifas aumentará a demanda, estratégias de RM, Marketing, Mídias Sociais e de fidelização. A base de clientes antiga, não que deva ser desprezada, passa a ser simplesmente uma base de clientes antiga. É importante construir uma nova base pós pandemia.

HN: O momento é de cortar custos e isso implica aumento de vendas diretas. Com as OTAs como grandes emissoras de hóspedes, como equilibrar essa equação?

DG: Não é mais novidade para ninguém de que vendas diretas pelo hotel também tem seu custo e, não tem, na maioria dos casos comparando com as OTAs por exemplo, a capacidade de investimento que estas têm. Portanto, não necessariamente vender direto implica em menos custos. Porém, a pandemia afetou a todos. Tanto a capacidade de investimento em marketing pelas OTAs irá diminuir bastante, com também a própria capacidade de gerar forte demanda, pois isto ainda não existe no chamado “novo normal”. Deve-se aproveitar o momento para rever acordos já existentes de comissionamento e de adesão a programas de fidelização de OTAs. Também rever condições de participação em eventuais acordos de fornecedores prioritários com intermediários em base mais realistas para o momento por exemplo. Adequar os processos existentes, de forma mais sustentáveis, inclusive os de meios de pagamento priorizando os meios eletrônicos e não mais o faturamento. Incorporar no pensamento e atuação das equipes comerciais que fazer um acordo deve levar em conta o custo de canal de reserva que será utilizado. Mais do que uma oportunidade, é imperativo que se tomem estas atitudes imediatamente.

Saber fazer contas. É necessário saber o quanto custa cada canal de distribuição inclusive o da venda direta. O que não muda é a necessidade mais do que nunca de ter o controle de seu inventário, para não ter problemas no futuro. Não dá para dizer não quero este ou aquele segmento, mas sim o que deve ser feito para manter o produto nas prateleiras do maior número de distribuidores, sejam OTAs, agências, consolidadores, operadoras ou outros canais, pois todas tem sua importância, mas com equilíbrio, visando a geração e otimização de receita.

(*) Crédito da foto: Arquivo pessoal