Nilson Bernal- tres perguntasBernal hoje reside nos EUA e toca a empresa NCB Hospitality Management

Para Nilson Bernal, a palavra de ordem da retomada é: confiança. Termo muito replicado nos últimos meses pelo setor hoteleiro, o executivo deu a ela um novo significado. O importante não é apenas reconquistar a confiança dos clientes, mas no mercado e nos produtos.

E isso, o profissional tem de sobra. Com uma história de superação, Bernal acreditou em si mesmo para chegar onde chegou. Natural de Foz do Iguaçu (PR), começou a trabalhar aos 12 anos. Quando completou 18, conseguiu um emprego de caixa no Bourbon Cataratas do Iguaçu – onde passou por diversas áreas como caixa de controladoria, comprador, analista de custos, operador fiscal, contas a pagar e receber e, por último, como caixa geral e auditor de receita.

Quando mudou-se para Curitiba, chegou a atuar na Mabu Hotéis & Resorts e no Four Points Curitiba. Em seguida, trabalhou como gerente geral do Quality Curitiba e Radisson. Após 15 anos na Atlantica Hotels, retornou à rede Bourbon, desta vez em Atibaia.

No Brasil, sua última passagem foi como diretor-presidente do Jurema Águas Quentes, onde participou do rebranding da marca e ajudou a implementar o Jardins de Jurema. Bernal hoje reside nos EUA e toca a empresa NCB Hospitality Management.

Três perguntas para: Nilson Bernal

Hotelier News: Como você enxerga a recuperação do setor no Brasil? Quais os principais pontos de atenção o mercado deve levar em consideração na retomada?

Nilson Bernal: Turismo e hotelaria foram os primeiros setores a serem afetados e serão os últimos a sentirem a recuperação de forma ainda muito lenta no Brasil e no mundo, em especial pelo número exorbitante de desempregados gerado nesta pandemia. Não basta apenas otimismo por parte dos empresários da hotelaria, porque este indicador reflete negativamente e demonstra recuperação de longo prazo. A confiança da nossa indústria tem caído drasticamente frente a outros países, como a China, por exemplo, porém outros países têm demonstrado uma recuperação um pouco mais rápida do que o Brasil, ou seja, tudo ainda está muito incerto. 

A confiança que havia sido gerada em anos anteriores se deu por perdida nesta situação, pois o que se vê são inúmeras empresas ficando no meio do caminho por falta de caixa ou outras formas de subsídio. Diante deste fato, a recuperação da indústria da hospitalidade acontecerá a longo prazo de forma muito lenta. O nosso querido Brasil sempre se apresenta um tanto lento para tomadas de ações e decisões frente ao restante do mundo e principalmente numa situação como esta em que observo o imenso prejuízo gerado na economia, impactado pela destruição de milhares de empregos, renda e hotéis fechando, causando impacto negativo em boa parte da nossa economia. Apesar da boa vontade do Estado, cabe lembrar que o Estado é fim de si mesmo, ou seja, a conta dessa ajuda chegará até suas operações. Fatos e verdades sejam registrados: todos estamos no aguardo da vacina, caso contrário tudo que está sendo aplicado pela indústria ainda é pouco ou nada em termos de controles da doença em função do mau comportamento do indivíduo e muitas vezes até o descaso quanto aos cuidados que se deve tomar prezando pela saúde do outro. Estamos lidando aqui com o direito de ir e vir, o que chamo de fator medo. Esse fator fará toda a diferença para que as operações hoteleiras consigam gerar suas demandas a longo prazo. 

Agora, a nossa indústria da hospitalidade tem diante de si alguns desafios, sendo a primeira delas fazer uma gestão no meio de uma pandemia, implantando rigorosamente seus protocolos de sobrevivência, a ausência de hóspedes em função da crise econômica e tudo isso atrelado também à instabilidade política que vive o país. Fomos pegos de calça curta. Por isso, será necessária muita paciência e um bom caixa para superarmos essa crise, gerando outro fator fundamental para a sobrevivência de todas as operações hoteleiras: a confiança. Ela vai além da marca, produto, empreendimento, protocolos etc. Além de todas as obrigatoriedades já discutidas ao longo de toda esta situação nas operações hoteleiras, sugiro ainda ter “auditores/fiscais” monitorando 24 horas os funcionários / hóspedes, “obrigando” a seguirem as regras de segurança (máscaras, distanciamento social dentre outros).

HN: Alguns mercados, como a China, já apontam sinais de recuperação. O que podemos aprender com outros países?

NB: Esse tema é bem interessante, pois, assim como a China, também quero citar aqui os EUA. Ambos são obcecados pelo senso de urgência, praticidade e muita velocidade. Será que o nosso mercado brasileiro também está neste mesmo ritmo?  Apesar de morar fora do Brasil, sou brasileiro e tenho muito carinho pelo meu país, porém admito que pela minha experiência de muitos anos na indústria da hospitalidade é que o nosso senso de urgência é muito diferente  destes dois gigantes. Outra mentalidade que estes países têm diferentemente do Brasil é a mentalidade de ser patriotas e se sentirem realmente bons no que fazem e entregam. Nós, brasileiros, infelizmente em sua maioria não nos sentimos assim. Desde toda esta situação da pandemia essas nações têm buscado incansavelmente oportunidades de adaptação às necessidades locais e globais, buscando implantar tecnologia e inovação em suas operações hoteleiras. Eles nunca param de pensar em escala, pensam e agem de forma grande e isso na minha visão faz muita diferença em seus negócios. Parece óbvio, mas o óbvio precisa ser dito: os hoteleiros neste momento devem focar seus esforços no mercado primário, demanda doméstica e, mesmo fazendo esse alerta aqui, muitos ainda não o farão.

São 25 anos de dedicação total à indústria da hospitalidade no Brasil e eu sempre faço questão de inserir em algum momento para os investidores hoteleiros pensarem e agirem grande. Porém, muitos não pensam ou não querem agir desta forma e é exatamente esta a mentalidade dos chineses e americanos. Os hoteleiros precisam ter esta mentalidade e fazer acontecer. Exemplo: precisamos ter recebido uma pandemia para o mercado começar a investir em tecnologia. Sobra criatividade para os profissionais no Brasil. É só começar a inovar agora. Crescer e ganhar sozinho é mais difícil do que crescer e ganhar com mais pessoas envolvidas no seu negócio, na sua empresa, ainda mais numa economia parada como a que estamos vivenciando atualmente. Existem formas, existe capital para melhorar o nosso caixa em nossas empresas, basta estar disposto a correr este risco no meu negócio.

As decisões em outros países são realizadas de forma vertical, ou seja, é a gestão que direciona as operações hoteleiras e isso muitas vezes não acontece no Brasil, talvez pela indústria corresponder a mais de 90% no formato patrimonialista, ou seja, eu sou o dono e quem manda aqui sou eu, inclusive na pandemia. Procede isso ou não? O que eu recomendo aos hoteleiros em especial aqueles que estão à frente da gestão é que você não precisa dizer a todos o que fazer a todo instante, mas você precisa dizer para onde você deseja ir, sempre respeitando a cultura da companhia hoteleira e trazendo sempre seu valioso time junto com o seu propósito.

HN: O que você, como hoteleiro, vai levar da crise? Quais lições foram absorvidas?

NB: Não é nada fácil saber navegar enfrentando uma tempestade à sua frente, que trouxe pandemia, crise econômica, instabilidade política, desemprego, ausência de renda. Primeiramente, devemos aprender a nos solidarizar com quem está pior do que nós e sempre haverá pessoas em melhores situações que nós. Fato é que nem tudo é tão ruim quanto se apresenta. Sempre haverá oportunidade para aproveitar e ser melhor trabalhada. Quero provocar um exercício de observação a longo prazo, mas que já está se sinalizando neste momento. Dança das cadeiras, sim. Tema duro e difícil, mas extremamente necessário e relevante no momento atual. Está ocorrendo e continuará a ocorrer. Quem fica e quem sai? A minha resposta em particular é: esta não será a última crise em que nós, hoteleiros, vamos enfrentar. Diante disso, se você tem, além do preparo técnico e maturidade profissional para lidar com todas as suas responsabilidades, acrescento ainda mais a sua coragem e rapidez para decidir rápido pela sobrevivência da sua empresa. É a primeira vez que você enfrenta uma pandemia, você ainda não tinha sido treinado para passar por isso, ou seja, a única forma de sobreviver é agir e decidir muito rápido. Adaptação e flexibilidade para ontem. Continue respeitando a cultura da sua organização, deixe os melhores na sua visão sem paternalismo e sim profissionalismo e tome decisões.

Agora, você precisa sair da sua zona de conforto e se tornar outro executivo, outro hoteleiro à frente da sua operação, mostrando na prática todo o seu valor. Palavras da moda surgirão e todos falarão, mas o que permanece é a sua forma de aplicar na gestão encontrando junto com  seu time todas as possíveis respostas para continuar gerando resultados para seu hotel/resort. Seus títulos, resumè ou CV neste momento não são tão relevantes, mas sim o quanto você de fato está contribuindo para a sobrevivência do seu negócio. Confiança e comunicação entre tudo e todos são itens essenciais. As pessoas que trabalham com você e para você são uma espécie de sócios da sua empresa. Por isso, gosto de falar tanto em confiança, comunicação e transparência com todos à sua volta.

Para quem teve a oportunidade de conhecer um pouco da minha história pessoal, da minha trajetória profissional sabe que eu me considero um empreendedor nesta indústria da hospitalidade, estou sempre aprendendo com todos. Todos nós temos condições de contribuir para todos, especialmente nos momentos difíceis dessa indústria, se doar mais e fazer melhor a cada dia. Essa é a minha energia que compartilho com todos aqui presentes. Sempre poderemos fazer mais e melhor, mas sempre valorizando o que há de melhor nas operações hoteleiras: pessoas.

(*) Crédito da foto: Nayara Matteis/Hotelier News