Três perguntas para - Ricardo Souza 1Souza descarta possível guerra tarifária, mas diária média cairá na retomada 

Não é nenhuma mentira ou exagero: dados são o novo petróleo. De fato, quem sabe interpretá-los corretamente leva uma vantagem competitiva frente à concorrência, pois tem às mãos mais subsídios para a tomada de decisão. Com o coronavírus, contudo, analisar o passado já perdeu um pouco de propósito, uma vez que a demanda no pós-pandemia será diferente da vista em recuperações passadas do mercado. Ainda assim, Ricardo Souza acredita que o data intelligence continuará fundamental para os desafios à frente. Para ele, só dará um pouco mais de trabalho para entender e usar os números a seu favor.

Convidado de hoje (5) pelo Hotelier News para o Três perguntas para, Souza é gerente de Novos Negócios da OTA Insight, plataforma europeia de data intelligence que chegou ao Brasil no ano passado. No bate-papo, o executivo apresenta – é claro – alguns dados do mercado brasileiro, opina sobre a possibilidade de termos uma guerra tarifária na hotelaria nacional e aponta alguns cuidados que hotéis e redes no país precisam tomar para planejar a estratégia de precificação no período de retomada do mercado.

“Pessoalmente, não acredito muito em planejamento, visto que planificar num periodo de alta incerteza é praticamente impossível. Acredito, na verdade, muito mais em micro gestão”, afirma Souza. “Neste momento, as estratégias de preços terão que ser realizadas a nível de segmentação. O que quero dizer com isso? Hotéis deverão fazer uma gestão muito mais granular e assertiva de cada um dos seus segmentos e, com base em pequenos resultados positivos de retomada, tomar micro decisões de tarifa para iniciar um movimento de maximização de receitas” completa.

O trecho acima foi apenas um aperitivo da boa conversa que a reportagem do Hotelier News teve com Souza. Veja abaixo a entrevista completa com o executivo da OTA Insight. Boa leitura!

Três perguntas para: Ricardo Souza

Hotelier News: O que os dados falam sobre essa crise?

Ricardo Souza: Nossos dados da OTA Insight, mostram, obviamente, um impacto significativo nas operações hoteleiras na maioria dos mercados mundiais. Focando no Brasil, podemos perceber três momentos diferentes. O primeiro foi em meados de março, quando as primeiras medidas de isolamento social foram anunciadas e houve um desespero coletivo na hotelaria. Nossos dados mostram uma redução drástica de preços para a segunda quinzena daquele mês, seguida do início de um efeito em cascata de fechamento de hotéis em múltiplas regiões. Algumas praças como São Paulo, por exemplo, chegaram na primeira semana de abril com apenas 38% do inventário disponível, percentual que depois aumentou para 50%. Isso demonstra que 12% das unidades que haviam fechado as portas decidiram reabrir duas semanas depois. Ao mesmo tempo, reflete também um processo em que muitas decisões foram tomadas num intervalo curto de tempo e, depois de uma reavaliação mais aprofundada, foram reavaliadas. Esse mesmo padrão aconteceu em várias praças brasileiras em menor ou maior grau.

O segundo momento foi de uma volatilidade muito alta de preços para os meses de abril, maio e junho na maioria das praças, principalmente em São Paulo e Rio de Janeiro. Quando me refiro à volatilidade, nossos dados mostram uma variação ilógica nos hotéis que permaneceram abertos, com alguns dias com alta redução – verificamos datas com até 45% de queda no preço médio – contra dias sem diminuição ou até ocasiões com ligeiro aumento nas tarifas. Na minha opinião pessoal, essa volatilidade não era esperada, visto que eram períodos com demanda quase zero na maioria dos mercados. Nesse segundo momento, nossos dados também mostravam uma projeção alta de reabertura dos hotéis na maioria dos mercados em 1º de junho, com a segunda onda e normalização em 1º de julho.

O terceiro momento, e atual, vem sendo de uma estabilização dos preços na maioria dos mercados. Em geral, vemos variações pequenas das tarifas públicas na maioria das praças, com variações positivas ou negativas de 5% a 10%. Parece-me que as estratégias de precificação para junho, julho e até início de agosto já foram estabelecidas e revisadas pelos hotéis e redes, e vivemos um platô em termos de variação nas tarifas. No último momento, contudo, notamos um adiamento do movimentos de reabertura de unidades. Usando São Paulo como referência, no dia 4 de maio a cidade apresentava para o dia 1º de junho um salto no percentual de hotéis abertos. A capital paulista sairia de 55% de unidades em operação, em 31 de maio, para 84% em 1º de junho. Entretanto, se olharmos para esse mesmo dado atualmente, o percentual continua em 55%, ou seja, todas as propriedade que planejavam a reentrada no mercado adiaram essa retomada para 1º de julho. O mesmo fenômeno aconteceu, em diferentes percentuais, na maioria das praças brasileiras, o que é natural pela continuidade do crescimento da curva de contágio e pelas prorrogações das medidas de isolamento social.

HN: Será possível evitar uma guerra tarifária generalizada? Como? E você acredita que algumas praças conseguem se proteger mais do que outras disso? Por que?

RS: Primeiro, é preciso distinguir o conceito de guerra tarifária de uma potencial de queda de diária média nos principais – ou talvez até todos – mercados brasileiros. Com perspectivas de níveis de demanda até 50% menor para alguns destinos nacionais em 2020, é natural que haja recuo dos preços praticados e, consequentemente, da diária média. Portanto, isso definitivamente não quer dizer guerra tarifária. Temos que lembrar que precificação dinâmica parte do princípio de que o crescimento de demanda gera uma pressão sobre preços. Neste caso, em períodos de menor demanda, é natural que a maioria da hotelaria faça ajustes para valores mais regulares de preços, visto que não existirá uma procura não contraída para esses destinos.

Outro ponto importante a ser considerado numa análise de preços e diárias de um determinado destino é o comportamento de cada segmento. Destinos que possam ter uma recuperação baseada no segmento de lazer,  ou mesmo uma substituição de parte da demanda corporativa por uma de lazer, naturalmente trazem uma sensibilidade maior a preços. Aqui novamente se pode ocasionar uma variação negativa da diária média na comparação com mesmo período do ano passado.

Respondendo à pergunta, não acredito em uma guerra tarifária generalizada e nem que algumas praças possam se proteger de maneira melhor que outras. Creio que, naturalmente, todas as praças terão recuos em níveis de diárias médias como resultante de um cenário de menor demanda hoteleira e, possivelmente, de uma recuperação baseada em segmentos mais sensíveis a preços. A métrica mais importante a partir de agora será uma avaliação mês a mês da perfomance da diária e a capacidade que os hotéis e redes terão de ligeiramente aumentar seus niveis de preço. Quero dizer que a comparação da evolução da diária média de um mês para outro será mais relevante para os hotéis avaliarem sua capacidade de manutenção e, se possível, de aumento gradual de diária do que a análise das diárias em relação a 2019, que naturalmente estarão em queda.

HN: Precificação será um desafio na retomada. Como hoteleiros podem se planejar para esse período de baixa demanda? Quais cuidados tomar?

RS: Definitivamente, os dois grandes desafios em termos de gestão estratégica serão forecast e precificação. Muitos hotéis e redes baseiam suas estratégias de preços nas previsões que fazem em termos de ocupação e volume de reservas. No entanto, ser assertivo nessas previsões será muito difícil agora, visto que as métricas utilizadas são sempre baseadas em dados históricos e comportamento recente da curva de reservas (pick up), algo que inexiste atualmente.

Pessoalmente, não acredito muito em planejamento, visto que planificar num periodo de alta incerteza é praticamente impossível. Acredito, na verdade, muito mais em micro gestão. Neste momento, as estratégias de preços terão que ser realizadas a nível de segmentação. O que quero dizer com isso? Hotéis deverão fazer uma gestão muito mais granular e assertiva de cada um dos seus segmentos e, com base em pequenos resultados positivos de retomada, tomar micro decisões de tarifa para iniciar um movimento de maximização de receitas. A combinação dia, segmento e volume será crucial para uma tática de precificação a nível de segmento, com isso combinado com os dias em que a demanda demonstra lentamente sinais de recuperação. É uma micro gestão de RM (Revenue Management) que nem todos os hotéis estão acostumados a fazer no seu dia a dia, mas que será importante implementar.

Em termos de cuidados, acredito em duas frentes opostas. O primeiro seria, obviamente, não depreciar seus preços públicos e, consequentemente, sua diária média na busca de crescimento em volume. Sabemos que descontos em preços hoteleiros, em geral, não criam demanda adicional para o destino em si, diferentemente do que costuma acontece no segmento aéreo, e simplesmente podem trazer resultados a curto prazo gerando transferência de demanda entre concorrentes. A longo prazo, contudo, essa estratégia traz prejuízos ao mercado, mas principalmente aos hotéis que usam dessa prática que levarão mais tempo para recuperar seus níveis de diária e, consequentemente, sua margem operacional. Vale lembrar que o último indicador já estará pressionado pela baixa demanda e pelas exigências das novas políticas de higiene e distanciamento social.

O segundo cuidado é não superestimar os sinais de retomada. Tendemos a ser otimistas ao menor sinal de recuperação num determinado segmento e podemos cair no erro de tentar vencer o jogo “numa jogada”, isto é, sendo muito agressivos em precificação ou mesmo em decisões de segmentação ou distribuição apostando muito em um segmento, sem uma base confiável de dados para avaliação ou mesmo ter uma estratégia de preços agressiva em termos de aumento para períodos isolados quando houver uma demanda latente. Portanto, o equilíbrio nas estratégias de precificação, assim como uma micro gestão da performance de segmentos de um hotel, serão chaves na retomada. A vitória no “jogo da retomada” será feita lentamente, jogada a jogada como um xadrez. Cada real ganho nesse momento conta e fará diferença na redução do impacto financeiro e nos ganhos de rentabilidade operacional.

(*) Crédito da foto: Arquivo HN