Ana estava sentada em seu escritório no Hotel Bella Vista, admirando a vista panorâmica da cidade, quando o telefone tocou. Era uma ligação inesperada de uma agência corporativa informando que, a partir de agora, ela deveria ser considerada uma operadora e que, como tal, as margens deveriam ser ajustadas com um percentual de 25% de comissionamento na plataforma tecnológica de distribuição.

Ela, que herdara o hotel de seu pai, era médica de profissão e nunca havia lidado diretamente com o mundo corporativo de hotéis. No entanto, recentemente, decidiu estudar mais profundamente o mercado de distribuição hoteleira, impulsionada pelo desejo de entender melhor o negócio da família.

Suas noites de leitura e os cursos sobre Vendas, Distribuição Hoteleira, Revenue Management, a tornaram bem informada sobre as nuances desse setor.

Ela sabia que algo estava errado. Por que, de repente, tantas agências corporativas estavam interessadas em mudar o modelo de negócios? Ana suspeitou que havia uma motivação oculta. Decidiu, então, fazer algumas perguntas para entender melhor a situação.

“Por que essa mudança agora? Qual a base para esse ajuste de margem?” perguntou Ana, tentando manter a calma.

“Bem, estamos apenas seguindo uma nova diretriz para aumentar a eficiência e os lucros,” respondeu o representante da agência.

Percebeu que essa resposta era vaga e genérica. Decidiu investigar mais a fundo.

“Quais são as agências que já estão sendo atendidas sob esse novo modelo?” perguntou, sabendo que a resposta poderia revelar mais sobre a situação.

“Atualmente, nenhuma agência está sendo atendida sob esse novo modelo, mas estamos nos preparando para a transição,” admitiu o representante, hesitante.

Assim, ela viu a oportunidade de explorar mais. “Entendi. Vocês poderiam me passar o número de agências que serão atendidas e mais detalhes sobre como essa mudança beneficiará nosso hotel?”

As respostas continuaram evasivas e genéricas. Ana sabia que a mudança não era genuína; na verdade, parecia uma tentativa de aumentar as margens sob o pretexto de uma falsa necessidade de ajuste.

Com seu conhecimento recém-adquirido, ela sabia que se essa mudança fosse implementada sem uma razão sólida, poderia resultar em vários problemas para o Hotel Bella Vista como: diminuição da lucratividade, aumento dos custos de distribuição e pressão das verdadeiras operadoras para aumentar suas margens, tentando recuperar as agências perdidas.

Decidida a proteger o legado de seu pai, a agora hoteleira não autorizou a alteração. Ela sabia que estava tomando a decisão certa para o futuro do hotel. Nos meses seguintes, Ana continuou a expandir seu conhecimento sobre o mercado hoteleiro, participando de conferências, eventos e estabelecendo uma rede de contatos sólida. Sua ousadia e busca por melhoria constante a estava transformando em uma gestora respeitada no setor.

Essa história, embora fictícia, é baseada em fatos reais que eu mesmo vivenciei enquanto era gestor de vendas e que até hoje é um problema à assombrar a hotelaria como um todo.

A grande questão é que essas ações, apesar de parecerem inofensivas, podem desencadear grandes problemas futuros ao próprio hotel. Quando essa prática ganha escala no mercado, as margens da hotelaria serão reduzidas drasticamente e de maneira irreversível.

Como profissional da hotelaria, sou enfático: os hotéis precisam assumir as rédeas das estratégias de distribuição e, principalmente, treinar o time para desenvolver um pensamento crítico e uma visão generalista sobre o mercado. Quero deixar bem claro aqui que não vejo problema algum em agências pivotarem seus modelos de negócios para operadoras ou consolidadoras. O problema está na falta de transparência sobre a falsa mudança, que não trará volume de demanda ao hotel e fará com que a hotelaria sofra ainda mais pressão para aumento de margem pelas operadoras de fato.

Manter uma visão generalista e aberta sobre o mercado é fundamental. Sair da bolha e entender a dinâmica completa é o que diferencia um gestor preparado e capaz de tomar decisões estratégicas em benefício do negócio.

Vagner Sardinha é atualmente Diretor de Desenvolvimento de Novos Negócios e Expansão da Samba Group, rede proprietária das marcas Samba Hotéis e Bossa Nova Hotéis. Possui mais de 23 anos de experiência na indústria hoteleira e com Pós Graduação em Real Estate Management pela Universidade de Paris e especializações em Marketing, Gestão de Pessoas e Revenue Management. Com passagens em empresas como CVC Brasil, Hotelbeds, Best Day, Decolar.com, BHG Hotéis e Slaviero Hotéis.

(*) Crédito da foto: Arquivo Pessoal