Há um ano à frente do Hotel Bella Vista, Ana, a proprietária, enfrentava um dilema comum no setor hoteleiro: a dependência de intermediários e de algumas contas colchões. Apesar da alta ocupação, Ana sabia que a rentabilidade estava comprometida pelas comissões pagas às OTAs (online travel agencies) e pela dependência de contas colchões que poderiam desaparecer a qualquer momento.

Ana percebeu, ao analisar a situação, que a maioria das reservas do Bella Vista vinha das OTAs, proporcionando visibilidade significativa, mas a um custo alto. As comissões pesavam nas margens de lucro, e a falta de controle direto sobre as reservas limitava a capacidade do hotel de construir um relacionamento duradouro com os hóspedes. Além disso, Ana notou que a marca do hotel estava se diluindo, com hóspedes mais familiarizados com as plataformas de reserva do que com o próprio Bella Vista.

O hotel também contava com algumas contas colchões, como companhias aéreas e agências governamentais, que garantiam uma ocupação constante, porém com tarifas baixas. Isso prejudicava a rentabilidade em datas de alta demanda. Quando uma dessas contas decidiu romper contrato por redução de despesas de viagem, a ocupação caiu drasticamente, expondo a vulnerabilidade do Bella Vista. Ana sabia que precisava fazer alguma coisa e diversificar a base de clientes para evitar esse tipo de impacto no futuro.

Determinada a mudar essa realidade, ela buscou conhecimento e estudou profundamente sobre a área. Como médica, este negócio tinha ficado sob sua responsabilidade apenas um ano antes, devido ao falecimento do seu querido pai. Após um período de estudos, eventos e muitas conversas com profissionais experientes do mercado, ela traçou um caminho a seguir. Com isso, e como excelente médica, detectou quais eram as dores e os possíveis remédios a serem prescritos e aplicados à sua equipe e negócio.

Ana decidiu adotar uma estratégia de distribuição mais equilibrada e segmentada, seguindo o conceito de cauda longa, popularizado por Chris Anderson. Primeiro, investiu na distribuição direta, melhorando significativamente o site, a presença online do hotel e implementando um sistema de reservas diretas eficiente e atraente. Em um desses treinamentos, ouviu de uma executiva do Google que 60% das buscas por hotel na plataforma eram pelo nome do hotel, então tinha que aproveitar da visibilidade e do efeito outdoor das OTAs.

Percebendo a oportunidade, ela promoveu também o Bella Vista nas redes sociais e lançou campanhas de marketing digital direcionadas para atrair hóspedes diretamente. Essa abordagem não só reduziu os custos de comissão, mas também fortaleceu a identidade da marca e a relação com os hóspedes. Ana percebeu também que muitos clientes frequentes do Bella Vista usavam OTAs para reservas. Ela reforçou a atenção e o trabalho do time do hotel para converter esses clientes para canais diretos com benefícios e atendimento diferenciado.

Além disso, Ana revisou o modo de uso das OTAs. Em vez de depender exclusivamente delas, negociou comissões mais baixas e utilizou essas plataformas de forma mais estratégica, atentando-se aos custos ocultos que impactavam em sua rentabilidade. Ela concentrou-se em períodos de baixa ocupação e passou a encarar as OTAs também como canais de publicidade, e não apenas de vendas. Paralelamente, desenvolveu parcerias com empresas locais e agências de viagens corporativas, diversificando ainda mais os canais de distribuição.

Juntamente com seu time, ela também implementou uma segmentação de mercado clara e detalhada de acordo com as características e especificidades de seu hotel. Identificou diferentes perfis de hóspedes, desde turistas de lazer até viajantes corporativos, e adaptou as estratégias de marketing e distribuição para cada grupo. Para os turistas de lazer, promoveu pacotes exclusivos e ofertas especiais diretamente no site do hotel. Para os viajantes corporativos, criou programas de fidelidade e descontos especiais para empresas parceiras que usavam a tarifação dinâmica ou faziam as reservas com maior antecedência.

Ela também criou um perfil nos metabuscadores e conseguiu posicionar o site do hotel em igualdade com as OTAs. Ana assumiu a responsabilidade pelas estratégias do Bella Vista e percebeu que não se tratava de uma competição, afinal, era ela a dona do produto, o hotel. Ana sabia que a ocupação era importante, mas a rentabilidade era a verdadeira medida do sucesso. Ela começou a analisar detalhadamente os custos de cada canal de distribuição e seu impacto na lucratividade do hotel.

Implementou estratégias de precificação dinâmicas nas tarifas públicas e também nas corporativas para maximizar a receita durante os períodos de alta demanda e minimizar as perdas durante os períodos de baixa ocupação. Embora tenha enfrentado resistência de algumas empresas que queriam que as tarifas fixas fossem mantidas, com uma excelente comunicação e argumentação baseada em números, demonstrou que esse novo modelo traria muito mais benefícios. Além disso, depois de criar uma nova metodologia de trabalho e processos mais claros, investiu em tecnologias que ajudassem a otimizar a operação e reduzir os custos.

Assim, em pouco tempo, Ana, juntamente com todo time do hotel, conseguiu reposicionar o Bella Vista Hotel, passando de um hotel dependente e sem estratégia, para um hotel rentável com uma demanda equilibrada e com maior previsibilidade.

Embora a história de Ana e o Hotel Bella Vista sejam fictícios, ela ilustra bem os desafios que a hotelaria enfrenta todos os dias e como os hoteleiros podem equilibrar a dependência dos intermediários e de contas colchões com uma estratégia de distribuição equilibrada e segmentada.

Para nós, hoteleiros, a lição é clara: não se trata apenas de encher os quartos, mas de como esses quartos são preenchidos e a que custo. Adotar uma abordagem estratégica e equilibrada pode fazer toda a diferença entre um hotel simplesmente ocupado e um hotel verdadeiramente rentável e bem-sucedido.

Como bom administrador de formação que sou, gosto de uma frase de Peter Drucker que diz muito: “Todas as inovações eficazes são surpreendentemente simples. Na verdade, o maior elogio que uma inovação pode receber é haver quem diga: Isto é óbvio! Por que não pensei nisso antes?”.

Vagner Sardinha é atualmente Diretor de Desenvolvimento de Novos Negócios e Expansão da Samba Group, rede proprietária das marcas Samba Hotéis e Bossa Nova Hotéis. Possui mais de 23 anos de experiência na indústria hoteleira e com Pós Graduação em Real Estate Management pela Universidade de Paris e especializações em Marketing, Gestão de Pessoas e Revenue Management. Com passagens em empresas como CVC Brasil, Hotelbeds, Best Day, Decolar.com, BHG Hotéis e Slaviero Hotéis.

(*) Crédito da foto: Arquivo Pessoal