terça-feira, 29/julho
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Como as flexibilizações de licenciamentos ambientais afetam a hotelaria?

O setor hoteleiro se vê, mais uma vez, em meio a um fogo cruzado da política brasileira. No dia 17 de julho, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 2.159/2021, que cria o primeiro marco legal de licenciamentos ambientais no Brasil. O texto ainda depende da sanção presidencial, mas críticos já chamam a medida de “PL da Devastação”. Caso passe sem vetos por Lula, fica o questionamento de como a hotelaria será impactada pela ação.

Foram 267 votos favoráveis e 116 contrários à aprovação do PL. A proposta veio com o apoio robusto da bancada ruralista e de setores da indústria, que alegam maior agilidade e segurança jurídica. Do outro lado, organizações ambientalistas lamentaram o avanço do texto e cobram o veto do presidente Lula.

O PL cria pelo menos sete tipos de licenciamentos ambientais que poderão ser obtidos de forma facilitada. Um deles poderá ser obtido por meio de um termo de compromisso, assinado pelo empreendedor. Na prática, funcionará como uma autodeclaração.

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, declarou na última sexta-feira (25), que o Projeto de Lei do Licenciamento Ambiental representa a “demolição da legislação brasileira” e pode prejudicar o Acordo entre a União Europeia e o Mercosul. O governo tem até o dia 8 de agosto para aprovar ou vetar o texto.

Na prática, o PL substitui o atual emaranhado de regras federais, estaduais e municipais por uma Lei Geral do Licenciamento Ambiental. Entre as mudanças, está a criação de modalidades simplificadas, como a LAC (Licença por Adesão e Compromisso), que dispensa análise prévia de técnicos em casos definidos por autoridades licenciadoras.

O PL ainda permite que as licenças sejam renovadas automaticamente via formulário online, se o empreendedor declarar que não houve mudanças no empreendimento — o que, para especialistas, reduz o monitoramento público.

O texto também prevê isenções para atividades do agronegócio, como cultivo de espécies agrícolas, pecuária extensiva e intervenções em situações consideradas emergenciais. Empreendimentos militares e obras públicas de energia de até 69 quilovolts também passam a não exigir licenciamento.

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Ana Paula defende debate técnico para o tema

Controvérsias e falta de equilíbrio

Para especialistas ouvidos pela reportagem do Hotelier News, o debate carece de equilíbrio entre ambos os lados e deve ser analisado do ponto de vista técnico. Rafael Daudt D’Oliveira, advogado e sócio do departamento Ambiental e Sustentabilidade do BCVL Advogados, explica que o PL acaba com a regra do licenciamento trifásico, que, na visão de D’Oliveira, mestre em Direito Ambiental e Urbanístico pela Universidade de Coimbra e professor de Direito Ambiental, representa um excesso de burocracia.

“O PL traz a previsão de outros estudos ambientais, além do EIA – que só se aplica para atividades de significativo impacto, muito embora tenham faltado normas gerais sobre cada um deles. Institui legalmente a possibilidade de haver compensação ambiental por exigência do órgão licenciador”, diz o advogado.

D’Oliveira salienta que o texto acaba com as manifestações vinculantes dos terceiros intervenientes, que atrasam o procedimento e geram contradições. “E, embora não seja uma previsão específica do licenciamento, traz segurança jurídica para fornecedores e instituições financeiras, além de limitar a responsabilidade desses agentes em termos aceitáveis. Mas há alguns pontos negativos, como a isenção de atividades supostamente impactantes do licenciamento e uma licença única para empreendimentos estratégicos que, dependendo do impacto ambiental, pode se revelar preocupante e destoar do sistema e de atividades semelhantes”, enfatiza.

PhD em Liderança para Sustentabilidade e fundadora da Arbache Consulting, Ana Paula Arbache define o assunto como “controverso”. Para a especialista, o tema precisa ser analisado do ponto de vista técnico, sem interferências de interesses políticos. “Devemos entender caso a caso. É preciso ponderar e avaliar perdas e ganhos. A linha ativista é importante e faz o seu trabalho, mas também é necessário olhar para o crescimento econômico. Fazer essa harmonização é praticar o desenvolvimento sustentável.”

Para a cocriadora do Hotel Trends ESG, é fundamental manter uma discussão com foco em medidas compensatórias caminhando lado a lado com a agenda de licenciamentos ambientais, beneficiando todos os envolvidos. “O Brasil possui um potencial enorme perante o mundo que agrega em energia sustentável, créditos de carbono, entre outras medidas.”

Ricardo Mader
Mader compara Brasil a outros mercados

O ponto de vista técnico

Quando falamos de uma abordagem com olhar técnico, Ana Paula destaca a participação de stakeholders com posicionamentos claros sobre a pauta. A especialista afirma que esse movimento pode gerar benefícios para o Brasil na nova era da economia de carbono e de preservação.

“Essa perspectiva não pode ser pendulada de um lado ou de outro do debate. Ainda teremos, nesse mesmo PL, o mercado de regulamentação. Se o país quiser fazer novos acordos internacionais, as empresas deverão operar sob governanças mais sofisticadas como salvaguarda de agendas ESG, incluindo rastreabilidade de matéria-prima e de gases de efeito estufa, por exemplo”, pontua Ana Paula.

Outro fator de atenção é o fato de o Brasil sediar a próxima edição da COP30. Com a missão de puxar o debate sobre questões climáticas, Ana Paula afirma que o país precisa ser autoridade no tema para ter lugar de fala.

Impacto na hotelaria

A especialista enfatiza que muitos hotéis e resorts estão construídos em áreas de preservação, mas que suas políticas ajudam a manter biomas nativos a partir de agendas ESG. Ela salienta ações do setor, como a realização do Hotel Trends ESG — evento promovido em parceria com o Hotelier News — para fortalecer a cultura de sustentabilidade no setor, além de medidas de entidades como Resorts Brasil, Alagev e Braztoa.

“Temos feito um trabalho muito bom para desenvolver essa cultura, buscando a sustentabilidade aliada aos negócios. As entidades têm levantado a pauta como parte da governança do setor, uma vez que a agenda ESG é uma aliada na atração de clientes mais exigentes sobre o tema”, explica.

Um exemplo citado por Ana Paula é a suspensão de novos projetos hoteleiros em Gramado (RS). Em fase de reestruturação de sua oferta hoteleira, o destino da Serra Gaúcha vem colocando a sustentabilidade e qualidade de vida de seus moradores como prioridade. “Trata-se de um movimento de governança consciente para entender o que faz bem para determinado destino”, comenta.

Managing director da JLL, Ricardo Mader compara os licenciamentos ambientais do Brasil aos de outras regiões da América Latina, como o Caribe. “Existem resorts com vista para o mar em penhascos, por exemplo. Aqui, não é permitido. E isso não quer dizer que esses países estão destruindo o meio ambiente, mas no mercado brasileiro é algo exagerado. Um projeto pode levar anos para ser aprovado, pois depende de órgãos locais e não apenas do governo federal.”

Um exemplo claro é o Complexo Maraey, em Maricá (RJ), que teve suas obras paralisadas por decisão do STJ (Supremo Tribunal de Justiça) em 2023, e levou mais de 10 anos para ser licenciado. “O pior de tudo é a insegurança jurídica. Mesmo após a aprovação, o Ministério Público embarga e o empreendedor precisa de mais anos para defender o que já havia sido licenciado. A desburocratização de processos é sempre um incentivo para novos investimentos.”

Opinião popular

Uma pesquisa da Nexus entrevistou mais de 2 mil cidadãos com 16 anos ou mais, em domicílio, nas 27 Unidades da Federação, entre 14 e 20 de julho de 2025, sobre o tema. A grande maioria dos brasileiros pede mais rigor para as leis ambientais (69%) para garantir a manutenção das matas nacionais e punir crimes ambientais.

Apenas 13% dos entrevistados defendem a flexibilização das leis ambientais para facilitar e agilizar licenciamentos para empresas e o agronegócio, enquanto outros 12% acreditam que a legislação atual já garante o equilíbrio entre meio ambiente e licenças.

“É notável como a pauta ambiental une os brasileiros, independentemente de sua avaliação sobre o governo e o Congresso. A demanda por leis ambientais mais robustas é uma voz forte e uníssona em nossa sociedade, sinal de que cada vez mais os brasileiros estão preocupados com o avanço das mudanças climáticas e seus impactos no dia a dia, como temporais e queimadas”, afirma Marcelo Tokarski, CEO da Nexus.

Há diferenças na percepção, de acordo com o perfil dos brasileiros. A análise demográfica da pesquisa da Nexus revela algumas nuances:

  • Sexo: 70% das mulheres e 67% dos homens defendem o endurecimento das leis ambientais.
  • Idade: o apoio ao endurecimento das leis é maior entre os mais jovens (71% para 16 a 24 anos e 25 a 40 anos), e se mantém elevado nas demais faixas etárias.
  • Escolaridade: a concordância com o fortalecimento das leis é mais alta entre aqueles com Ensino Superior (74%).
  • Renda familiar: 74% dos que possuem renda de 2 a 5 salários mínimos e 70% dos que possuem renda acima de 5 salários mínimos apoiam o reforço das leis.
  • Região: as regiões Sul e Sudeste apresentam os maiores percentuais a favor do reforço das leis ambientais (74% e 72%, respectivamente).

Agora, resta esperar os desdobramentos do PL e a repercussão no setor hoteleiro.

(*) Crédito da capa: Hotelier News

(**) Crédito das fotos: Divulgação