Um rascunho de um acordo elaborado pelo governo federal previa multas pesadas contra hotéis que praticassem preços abusivos durante a COP30, em Belém. O texto circula desde abril entre ministérios e previa sanções de até 100% do faturamento bruto de 2024 em caso de reincidência, revela o G1.
Apesar de ter sido anunciado como uma solução emergencial, o documento nunca foi assinado. A proposta previa adesão voluntária e validade apenas até novembro de 2025, quando a conferência da ONU (Organização das Nações Unidas) será realizada.
Chamado de TAC (Termo de Ajustamento de Conduta), o acordo foi desenhado pela Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor), em parceria com o MTur (Ministério do Turismo) e a Secop (Secretaria Extraordinária da COP30), ligada à Casa Civil.
O objetivo era criar um mecanismo extrajudicial para fixar parâmetros de cobrança, evitar abusos e reduzir judicializações que poderiam comprometer a realização da conferência.
Inicialmente, as sanções seriam de R$ 10 mil por infração, revertidos ao Fundo de Direitos Difusos. Mas versões posteriores endureceram a proposta: a multa passou a ser de 10% do faturamento bruto de 2024, podendo dobrar em reincidências, até o limite de 100%.
Além disso, plataformas como Airbnb e Booking seriam obrigadas a retirar anúncios considerados abusivos.
Resistência do setor
O setor hoteleiro do Pará rejeitou a minuta. Segundo a ABIH-PA (Associação Brasileira da Indústria de Hotéis do Pará), o texto era inconstitucional e não teria validade. A entidade informou que passou a negociar apenas com o governo estadual.
“Recebemos a minuta e respondemos que ela era inconstitucional, por isso não iríamos prestar nenhuma informação. Depois, passamos a negociar diretamente com o governo do Estado do Pará”, afirma Antônio Santiago, presidente da entidade.
Em julho, foi firmado um acordo local que reservou 500 quartos em Belém e Castanhal, com diárias entre US$ 100 e US$ 300, voltados a delegações de países em desenvolvimento.
Processo administrativo em andamento
Sem adesão ao TAC, a Senacon abriu em junho um processo administrativo para apurar práticas abusivas. Foram notificadas 24 empresas, que tiveram de apresentar histórico de tarifas e pacotes dos últimos cinco anos. Apenas uma delas não respondeu até agora.
As entidades locais reagiram, alegando intervenção indevida do governo federal em atividade privada. O Shores (Sindicato de Hotéis e Restaurantes de Belém e Ananindeua) declarou que cada estabelecimento tem autonomia para definir tarifas e que não entregaria dados sob alegação de sigilo contratual.
Plataformas digitais também pressionadas
Booking.com e Airbnb foram notificadas pela Defensoria Pública do Pará, em articulação com o Procon e o Ministério Público estadual. O órgão considerou abusivos aumentos que triplicaram o valor médio da alta temporada nos últimos 12 meses.
As plataformas, contudo, alegam não ter ingerência sobre os preços. A Booking disse colaborar com autoridades, mas destacou que só pode retirar anúncios mediante ordem judicial ou descumprimento contratual. O Airbnb reforçou que os valores são definidos pelos anfitriões e afirmou ter feito ações de conscientização em Belém.
A Senacon não detalhou os termos do acordo e afirmou apenas que não houve assinatura do TAC, mas sim um compromisso restrito a sete imobiliárias da região metropolitana de Belém. O órgão informou ainda que o processo administrativo segue em análise e pode gerar encaminhamentos ao Cade, caso sejam identificadas práticas anticoncorrenciais.
Já a Secop declarou que “não procede a informação de que exista um TAC”, embora em julho tenha informado que o documento “seguia em discussão”. O Ministério do Turismo não respondeu.
Debate jurídico
Juristas apontam que, caso formalizado, o TAC poderia dar segurança jurídica e evitar abusos. Para a especialista em Direito Econômico Luciane Moessa, a Senacon tem respaldo legal para intervir. “Celebrar TACs é mais ágil e efetivo do que judicializar, desde que adequado aos fatos e à legislação”.
O advogado Felipe Lima acrescenta que a lei permite revisar valores mesmo após a contratação, além de prever multas, devolução em dobro e até responsabilização criminal em casos de cartel.
Enquanto o acordo federal não avança, o governo estadual firmou cooperação técnica para garantir parte da oferta de quartos a preços considerados razoáveis. Já as entidades hoteleiras seguem negando abusos e defendendo a liberdade de mercado.
Com a proximidade da COP30, a disputa entre governo e setor hoteleiro permanece sem solução definitiva, e a fiscalização recai sobre o processo administrativo em curso na Senacon.
(*) Crédito da foto: Divulgação