Após o período mais difícil da história da hotelaria mundial, veio a bonança. Impulsionado pela demanda reprimida e pela mudança no comportamento do consumidor, que colocaram as viagens no topo das prioridades de gastos, o setor vive um momento de expansão no Brasil e no exterior. E, de fato, 2024 não interrompeu esse crescimento – e provavelmente 2025 também não irá –, conforme apontam os dados da edição de dezembro do InFOHB, relatório produzido pelo FOHB (Fórum dos Operadores Hoteleiros do Brasil) que consolida a performance da indústria no ano passado.
Em 2024, as tarifas continuaram como principal driver de crescimento do setor, muito embora lideranças da hotelaria tivessem uma expectativa inicial de que a ocupação andasse um pouco mais. O fato é que o indicador flertou com a estabilidade, avançando um ponto percentual na comparação com o ano anterior (a 60,3%). Já a diária média teve aumento nominal de 10,4% (a R$ 388,45), puxando o incremento de 12,6% no RevPar (a R$ 234,53). Corrigida a inflação acumulada no período (de 4,83%), os dois KPIs subiram 5,57% e 7,77%, respectivamente.
Com isso, estima-se que os 523 hotéis (83.572 UHs) associados ao FOHB que integram o estudo tenham gerado uma receita de hospedagem próxima a R$ 5,1 bilhões em 2024, um avanço expressivo de 17,1% em relação ao ano anterior, segundo cálculos do consultor Jorge Duarte, sócio da CoHotel (leia aqui).
No entanto, ao analisar os números com mais atenção, é importante destacar que as margens de crescimento do setor diminuíram significativamente em comparação a 2023 (veja abaixo) – algo que já era esperado. Em outras palavras, o retorno à normalidade estava mais do que previsto.
“Foi um ano muito bom, e acredito que os hoteleiros não têm do que reclamar. O PIB (Produto Interno Bruto) cresceu acima do esperado, o consumo aumentou, as empresas investiram mais e o segmento corporativo voltou, além de grandes eventos e o entretenimento terem gerado uma alta demanda nas grandes capitais. Tudo isso, somado, teve impacto positivo na nossa indústria e contribuiu para essa boa performance”, analisa Beto Caputo, CEO da Atrio Hotel Management e presidente do Conselho do FOHB. “Agora, as margens de crescimento mais baixas já eram esperadas, principalmente devido à base de comparação mais alta”, acrescenta.
Brasil – Performance de 2023
- Ocupação: 60,5% (+4%)
- Diária média: R$ 345,23 (+22,5%)
- RevPar: R$ 208,92 (+27,3%)
“A hotelaria upscale apresentou estabilidade em relação ao volume, mas continua registrando uma boa evolução na diária média. Paralelamente, o segmento midscale também apresenta resultados positivos”, avalia Henrique Campolina, Associate Partner da Noctua Advisory. “Já os hotéis econômicos enfrentaram maiores desafios, com crescimento mais modesto, além de pressão sobre a diária e a ocupação, principalmente devido à concorrência com o STR (short-term rentals), especialmente de quinta-feira a segunda-feira”, completa.
Outro fator relevante a ser considerado são as enchentes no Rio Grande do Sul, que prejudicaram a performance dos hotéis locais e, consequentemente, impactaram o desempenho da hotelaria no país como um todo. Apesar da catástrofe climática e de seus efeitos extremamente danosos à sociedade gaúcha, é importante destacar que a hotelaria de Porto Alegre não realizou o seu dever de casa como deveria, especialmente no último trimestre de 2024.
No período, a diária média na cidade caiu 10,6% em relação ao igual período do ano anterior, conforme dados exclusivos obtidos pelo Hotelier News com hoteleiros locais, enquanto a ocupação registrou queda de apenas 1,5% na mesma base de comparação. Isso indica que uma guerra tarifária ocorreu no mercado porto-alegrense após a tragédia, o que é péssimo por diferentes motivos. Luta pela sobrevivência? Pode ser, mas é preciso ter ciência de que subir essa ladeira novamente levará mais tempo.
“Porto Alegre teve um impacto significativo no resultado do país como um todo. É uma praça muito forte, que praticamente perdeu o ano. Os hotéis nas cercanias do aeroporto, por exemplo, só chegaram proximos à normalidade agora neste mês de janeiro, assim como os de outras regiões da cidade. Sem a tragédia, talvez tivéssemos registrado um crescimento maior na ocupação no Brasil como um todo, o que teria elevado também a diária média e o RevPar”, avalia Caputo.
Mais números
Como em toda guerra, há sempre vencedores e perdedores. Os derrotados, por motivos óbvios, todos conhecem, mas quem “venceu essa batalha”? Tudo indica que foi a hotelaria de Florianópolis. Ficou sem entender? Talvez a cidade tenha sido a mais competente em absorver parte da demanda de Porto Alegre, já que detém o maior aeroporto próximo à capital gaúcha. Além disso, o terminal local expandiu significativamente o número de rotas internacionais, atraindo clientes de toda a região Sul e gerando mais hospedagens. Com isso, o município catarinense fechou o ano com a terceira maior alta de RevPar (+25) do país, a R$ 316,59, bem como com a segunda maior expansão de ocupação (+10,7%), a 65,8%, na maior média absoluta do país.
Ainda sobre os vencedores, mas em um contexto diferente, é importante destacar a excelente performance da hotelaria de Recife, que registrou os maiores índices de crescimento no mercado brasileiro em ocupação (+15,5%) e RevPar (+28,2%), além de ter corrigido bem as tarifas (+11%). Segundo apuração da reportagem, uma combinação de fatores como redução de oferta, investimentos em infraestrutura realizados pela prefeitura e um boom de eventos ajudam a explicar o bom desempenho da capital pernambucana.
Em relação a essas duas capitais, vale ponderar que a base de hotéis incluída no estudo do FOHB é pequena, especialmente em Florianópolis (770 UHs), o que pode influenciar os resultados médios. Ainda assim, os hoteleiros locais merecem elogios, pois conseguiram captar e rentabilizar o bom momento da hotelaria em 2024.
Por fim, as duas principais praças do país – São Paulo e Rio de Janeiro – encerraram o ano com resultados positivos, registrando crescimento nos principais indicadores do setor. Impulsionada pela retomada do segmento corporativo e pelo mercado Mice (eventos, feiras, grandes shows, entre outros), a capital paulista obteve um aumento expressivo na diária média (+11,9%), tornando-se a única (e primeira) cidade do país a ultrapassar a marca dos R$ 500 em valor absoluto.
Já o Rio de Janeiro teve um ano marcado por grandes eventos (reunião do G-20, Rock in Rio e show da Madonna), mas viu a demanda crescer independentemente disso. Basta entrar nos hotéis da cidade, por exemplo, para notar o grande número de estrangeiros, o que possibilitou incrementos nos três principais indicadores do setor (veja abaixo).
Rio de Janeiro (2024)
- Ocupação: 65,2% (+1,5%)
- Diária média: R$ 408,27 (+8,8%)
- RevPar: R$ 266,34 (+10,5%)
“Tivemos uma boa ocupação em todos os nossos hotéis ao longo do ano, com um desempenho ainda melhor no Rio de Janeiro. Isso nos permitiu manter um crescimento contínuo na diária média”, afirma Flavia Lorenzetti, CEO da B&B Hotels Brasil. “No Rio, em especial, o que mais nos chamou atenção foi que, mesmo com o Rock in Rio ficando abaixo das expectativas, os resultados foram excelentes. Ou seja, a cidade andou sozinha, a despeito de um evento como esse tão importante para o calendário ter decepcionado um pouco. O Réveillon foi incrível, por exemplo, superior a 2023”, completa.
Redes celebram
Flávia, por sinal, destaca que a ocupação nas praças onde a B&B Hotels Brasil atua superou as expectativas, já que a empresa não havia previsto um desempenho tão positivo nesse indicador. Outro ponto de destaque no ano, segundo a executiva, foram os resultados da unidade em São José dos Campos (SP).
“Era uma cidade onde estávamos enfrentando maior dificuldade para encontrar um caminho, mas apostamos nos eventos e na captação de novos contratos corporativos, o que trouxe resultados tanto em volume, quanto em tarifas”, revela.
Na Atrio, também há muitos motivos para celebrar em 2024, apesar da tragédia no Rio Grande do Sul, onde a operadora conta com vários hotéis. “Atingimos uma receita de R$ 892 milhões em 2024, alta de 15% em relação ao ano anterior, mesmo com o impacto das chuvas. Então, temos mais motivos para celebrar do que o contrário”, afirma Caputo.
Já Marcio Lacerda celebra o avanço da diária média na maior parte das praças onde a Hotelaria Brasil atua, com destaque para o Hampton by Hilton Guarulhos Airport. “Em mercados mais maduros globalmente, a marca tem uma diária padrão de US$ 100. No Brasil e em muitos países da América Latina, a rede permite uma tarifa na casa de US$ 50 devido ao câmbio, mas estamos nos aproximando da meta global, chegando a US$ 90”, comemora o diretor-geral da operadora paulista.

“Nossos hotéis em Brasília, Campinas e Jaguariúna (ambas em São Paulo) também tiveram um desempenho muito bom no ano passado, tanto em diária, quanto em ocupação. Ainda assim, nem tudo foi perfeito. Nossa unidade de Itapema (SC) registrou uma performance abaixo do esperado, reflexo das enchentes no Rio Grande do Sul, já que o estado é o principal mercado emissor”, completa Lacerda.
Para 2025, Caputo avalia que o cenário é positivo. Seu otimismo se apoia na adição de hotéis maiores à Atrio, no baixo desemprego, no consumo das famílias, que se mantém em bom patamar, e no dólar alto, que desestimula viagens ao exterior. “Além disso, o calendário de grandes shows no país nos anima bastante, pois possibilita incrementos na diária média e na ocupação”, avalia.
Ainda assim, alguns pontos seguem como desafios, entre eles a questão da mão de obra. “O setor precisa recuperar sua atratividade, especialmente entre as novas gerações”, afirma o presidente do Conselho do FOHB. “Na área comercial, entendemos que há espaço para aumentar a ocupação, que ainda está distante das máximas históricas, mas é fundamental que isso seja feito sem comprometer os ganhos de diária média obtidos nos últimos anos. Essa será uma estratégia essencial para fazer frente à necessidade de investimentos nos hotéis e o aumento dos custos. Em resumo, a hotelaria precisará ser mais eficiente”, finaliza.
(*) Crédito da capa: gerado pelo ChatGPT
(**) Crédito dos infográficos: FOHB
(***) Crédito: Arquivo HN