turismo no brasilOs destinos de praia lideram a atratividade no turismo nacional

O dia está chegando ao fim, mas a data não poderia passar em branco. No Dia Nacional do Turismo, a reportagem ouviu especialistas em turismo para tentar responder uma questão: por que o Brasil ainda não explora todo seu potencial turístico? O que falta? Seria uma política pública mais clara por parte do governo federal? Ou a interlocução entre o poder público e a iniciativa privada ainda é falha? Quais os principais gargalos? Que caminhos se devem percorrer para mudar essa história?

Antes de começar é importante esclarecer. Essa matéria foi produzida a oito mãos, com toda equipe de reportagem envolvida na apuração e na construção do texto. Os repórteres Filip Calixto e Felipe Lima foram atrás de fontes no MTur (Ministério do Turismo) e no mundo acadêmico, enquanto Lucas Kina levantou uma série de números ligados ao setor. Já o editor Vinicius Medeiros entrevistou executivos da hotelaria e de quem investe no setor. 

É preciso também fazer justiça e reconhecer: são os entrevistados abaixo que fazem a roda do turismo girar nesse país. São eles que pensam e estruturam o mercado, bem como colocam recursos para tornar tudo realidade. Boa leitura! 

Turismo e academia

Mantra em debates sobre turismo, a palavra potencial já não está mais no vocabulário de Mariana Aldrigui, presidente do Conselho de Turismo da FecomercioSP. "Evito usar esse termo porque é utilizado há 80 anos sem que ações efetivas sejam tomadas", explica. Na visão da profissional, que integra o corpo docente da USP (Universidade de São Paulo), a responsabilidade de não transformar potencialidade em realidade é integralmente do poder público.

Na visão da pesquisadora, o empresário que atua nesse segmento, na maioria dos casos, é um abnegado que acha seu caminho à revelia do que o contexto oferece. "Temos uma realidade muito complicada, mas com excelentes empresários que, para tocarem seus negócios fazem todo o possível", comenta. Redução da carga tributária e barateamento do crédito são apenas alguns dos pleitos defendidos por Mariana.

Mariana Aldrigui
Mariana preside o conselho de turismo da FecomércioSP

Para ela, embora seja uma medida positiva, a facilitação da concessão do visto de entrada no país não pode ser encarada como salvação da lavoura. O que a professora defende é uma cadeia melhor conectada, suportada por um conjunto continuado de ações. Reestruturação que começa pela nomeação de profissionais entendidos nesse mercado para tratar do tema com mais clareza no governo.

Os apontamentos da pesquisadora ressoam no que pensa o também professor Antonio Carlos Bonfato, do curso em Tecnologia em Hotelaria, do Centro Universitário Senac – Águas de São Pedro. Segundo Bonfato, a ausência de profissionais gabaritados em cargos estratégicos no turismo diminui a sensibilidade aos problemas que a atividade enfrenta. 

Também é a ausência de líderes engajados que causa outra dificuldade: a falta de entendimento da cadeia turística como indústria próspera. "Todos os problemas que podemos apontar são gerados por uma falta de entendimento e pela ausência de profissionais gabaritados em cargos de liderança política", opina Bonfato.

Na avaliação do acadêmico, um exemplo demonstra a falta de sensibilidade das lideranças ligadas ao setor. Segundo ele, resorts brasileiros pagam 30% mais impostos que os do México, país que concorre com o Brasil com atrações similares (lazer e praia), ganhando de lavada. "Uma série de fatores faz o Brasil não evoluir no segmento. O citado é apenas um. Outro bastante latente está ligado à promoção e divulgação dos destinos nacionais", avalia.

Para seguir o caminho da evolução, o turismo brasileiro pode mirar exemplos vizinhos, bem como olhar para o outro lado do Atlântico. Bonfato aponta Peru e Chile como modelos na América do Sul – e a Espanha como referência global. A nação ibérica, por sinal, recebe milhões de turistas internacionais anualmente. Barcelona sozinha, de acordo com números da consultoria Euromonitor, teve 7,6 milhões de visitantes. 

"O exemplos dos espanhóis é definitivo. Eles incorporaram mobilidade e tecnologia ao seu modo de oferecer a experiência de viagem", reporta. Explicando o conceito de viagem inteligente, conta que o governo espanhol organizou um plano cercando o viajante de possibilidades desde o planejamento até o retorno da viagem. Mariana também cita algumas políticas de turismo que podem ser modelos. "Gosto muito das políticas públicas de turismo do Quênia. Da releitura do significado de turismo da Tailândia. E da expressão política e econômica do turismo no Reino Unido", acrescenta.

Alguns números

Muita gente fala em grande potencial, mas que dados suportam essa afirmação? Qual a real dimensão do setor turístico no país? Hoje, de acordo com números Conselho Mundial de Viagens e Turismo (WTTC), a indústria do turismo foi responsável pela injeção de R$ 250,5 bilhões na economia em 2017. O valor representou 7,9% do PIB (Produto Interno Bruto), 7% a mais do no ano anterior. Para 2018, a expectativa é que esta porcentagem aumente 2,5% e com previsão de alcançar a representatividade de 8,2% em 2028. 

O ano de 2017 também registrou aumento de 2% nos desembarques aéreos frente a 2016, totalizando 92,15 milhões, segundo dados obtidos pela reportagem com o MTur. Para efeito de comparação, o mercado chinês – um país emergente e desigual como o Brasil – teve 2,8 bilhões de viagens internas, segundo números da consultoria GlobalData. Já os gastos dos turistas domésticos somaram US$ 679 bilhões. 

Outro indicador importante é quantidade de turistas internacionais que o Brasil recebe. Hoje, em um bolo que movimenta 1,1 bilhão de viajantes anualmente, apenas 6,58 milhões vêm parar em terras tupiniquins. Bem, trata-se de número relevante. É bastante gente até. No entanto, o país está ainda bastante distante dos líderes neste quesito.

O ranking dos 25 maiores mercados receptivos do turismo internacional é liderado pela França, com 84,5 milhões de visitantes por ano. Completam o pódio Estados Unidos (77,5 milhões) e Espanha (68,2 milhões). O México, citado pelo professor Bonfato, figurou na nona posição, com 32,1 milhões de viajantes, segundo números da OMT (Organização Mundial de Turismo).

Nossos principais mercados emissores estão concentrados nas Américas, em especial do continente sul-americano: Argentina, EUA, Paraguai, Chile e Uruguai, nessa ordem. E o que esses viajantes procuram no país? Estudo encomendado pelo MTur apontou que “praia” é o destino favorito de 76,9% das 2 mil pessoas ouvidas. Todos os locais apontados como preferidos para passar as próximas férias são de “sol e praia”: Rio de Janeiro (10,9% das citações), Fortaleza (10%), Fernando de Noronha (5,5%), Bahia (5,4%) e Salvador (5,2%). Além disso, para os entrevistados, “beleza da paisagem” (9%), “segurança” (8,9%) e “hospitalidade” (8,9%) são os fatores mais importantes na hora de escolher uma viagem no Brasil.

A visão do governo

Mesmo diante da disparidade dos números brasileiros frente aos de outros mercados, Vinicius Lummertz, ministro do Turismo, orgulha-se do avanço do setor. “A vocação do turismo é a geração de empregos. Para ter uma ideia, o Brasil é, hoje, o sexto país com maior número absoluto de empregos diretos, indiretos e induzidos gerados no setor. São 7 milhões, bem à frente da média latino-americana (847 mil) e mundial (2,15 milhões)”, explica.

Lummertz reconhece, contudo, que há a necessidade de apostar mais na indústria turística. Para ele, o caminho para isso é, em suas palavras, libertar as “amarras burocráticas que impedem que o setor se desenvolva”. “Eu me refiro à desburocratização dos processos e à melhoria do ambiente de negócios, o que vai nos reposicionar, internacionalmente, em competitividade, e acabar com a insegurança jurídica, impedimento real para se rentabilizar investimentos no país”, pontua.

vinicius lummertzLummertz assumiu o ministério há pouco mais de um mês

Na avaliação do ministro, essa burocracia podia ser notada, por exemplo, na concessão do visto de entrada no país. Ele lembra que desenvolver o e-Visa foi uma luta que durou sete anos. “Essa medida foi um divisor de águas, porque ela não se encerra em si. Ela abre caminhos, ela muda nosso olhar e nossa perspectiva sobre o que é possível fazer para impulsionar os resultados do setor no Brasil”, afirma.

Até o final do mandato, as próximas ações da pasta preveem o fortalecimento da relação com o trade e empresariado de turismo, bem como o investimento em mecanismos de crédito, caso do Prodetur+Turismo. “Uma política totalmente integrada à realidade do setor, que abre a possibilidade de transformar a história dos destinos por meio do apoio a grandes e pequenos projetos que façam a diferença. Isso traz um equilíbrio entre o investimento público e o privado, as duas coisas precisam conversar”, avalia.

A visão do empresário

E quem efetivamente coloca dinheiro no turismo, o que pensa? Roberto Bertino, fundador e CEO da Nobile Hotéis, prefere não colocar nas costas do governo toda responsabilidade pelo desenvolvimento do turismo. 

“Nós, empresários, devemos nos mexer para fomentar o setor, apoiar startups e investir em tecnologia. Não se pode ficar esperando o governo resolver”, avalia Bertino, para quem o poder público tem responsabilidades específicas: garantir a segurança, investir na infraestrutura e na promoção turística. “Ainda assim, obviamente, há gargalos importantes. O acesso ao crédito é limitado, em especial na hotelaria, além de caro. Outro ponto limitador são os impostos”, acrescenta.

Alexandre Gehlen, presidente da ICH Administração Hoteleira, segue a linha de Bertino, mas faz um diagnóstico importante. “O papel central do governo é efetivamente esse, mas se o Brasil há 20 anos não consegue sair de um patamar de 5 ou 6 milhões de turistas internacionais por ano, alguma coisa não está certa”, complementa.

Para ele, falar em tributação é algo tão complexo que se trata de uma discussão que não pode se limitar ao setor hoteleiro. “Já a questão do crédito merece melhor análise do governo. Nunca houve uma linha de crédito específica para a hotelaria com boas condições”, avalia.

Felipe Cavalcante, presidente da Adit Brasil (Associação para o Desenvolvimento Imobiliário e Turístico do Brasil), acredita que o Brasil pode ver um crescimento nos investimentos no setor. “Estamos observando uma retomada da economia, na qual os juros baixos são os principais drivers. As projeções são de que a taxa básica permaneça estável nos próximos dois anos, o que estimula os investimentos”, acredita.

Felipe Cavalcanti"O setor privado navega em raia própria", opina Cavalcante

Cavalcante reconhece, na hotelaria, momentos de maior otimismo. Há 20 anos, por exemplo, muitas redes ibéricas (com recursos próprios) abriram propriedades no país. A seguir, foi a vez de redes hoteleiras internacionais, mas elas não traziam recursos. “Um fato importante é a tropicalização da operação dos contratos hoteleiros internacionais. As grandes redes padronizam tudo e fazem com que a operação no Brasil não fique tão competitiva para os investidores”, explica.

O presidente da Adit Brasil, entretanto, considera o governo federal bastante ausente. “O Ministério do Turismo até começou com o pé direito, com a brilhante gestão do Walfrido Mares Guia. Depois disso tivemos um período de altos e baixos e, hoje, na verdade, o mercado não considera o governo na hora de tomar suas decisões. O que mais se espera é que o poder público não atrapalhe”, diz.

“Estamos vendo o governo atual fazer um trabalho bom de macro e microeconomia para criar um ambiente de negócios mais favorável. Ainda assim, o uso político do turismo é um fator negativo, o que gera indicações ruins para cargos de liderança. O Marx Beltrão foi uma grata surpresa e imprimiu medidas interessantes para o setor. No final do dia, o setor privado navega em raia própria e o que vai guiar seu interesse em investir é a questão econômica e o potencial do mercado”, finaliza.

(*) Crédito da foto: Guto Lordello/Pixabay

(**) Céridito da foto: Léo Barrilari/divulgação

(***) Crédito da foto: Filip Calixto/Hôtelier News

(****) Crédito da foto: Adit Share/divulgação