À exceção do funcionalismo público, todas as carreiras são um ambiente de instabilidade. Quem acompanha nossa editoria Lobby vê, por exemplo, a constante movimentação profissional dentro da hotelaria. Estudo de 2014 do IBGE, por exemplo, aponta que o brasileiro fica, em média, três anos no mesmo emprego. Por que deve ser assim? É um retrato da geração Y, que não tem tanto apego ao emprego como no passado? Existe algum contraponto para isso? Obviamente que sim.
Na busca por personagens que contrariam essa "lógica", o Hotelier News traçou o perfil de três profissionais com longo tempo na mesma casa. São pessoas que optaram por crescer na mesma empresa, abrindo mão de oportunidades em outros lugares.
Talvez Kelly Bispo, Ana Lucia Tassinari e Erivan Dantas sejam mesmo espécimes em extinção. Os três profissionais estão há 14, 22 e 38 anos no mesmíssimo emprego. Felizes, é bom ressaltar. Eles são três exemplos de como é possível se estabelecer na mesma empresa, evoluir e ser cada vez mais indispensável para a sua organização.
Mesmo com a juventude da mão-de-obra atual, pessoas com essa experiência são extremamente necessárias para equilibrar os valores constituir a fusão perfeita da vontade dos jovens com a calma e assertividade dos mais experientes.
Bispo tinha apenas um contrato de 30 dias
Kelly Bispo: mesma casa de sempre
Com 14 anos no Grupo Cana Brava, Kelly Bispo começou sem pretensões de obter conquistas na empresa. Vale ressaltar que, na sua entrevista de emprego na rede, a vaga era para temporário. E ela foi ficando… Seu início ocorreu na função de auxiliar de Departamento Pessoal, no qual cuidava de pastas manualmente – bons tempos sem rede de servidores em nuvem – com nomes de todos os colaboradores do Cana Brava. "Eu quase fiquei louca. Mal tinha iniciado e já conhecia todos os executivos pelo nome, uma loucura", comentou.
Aos poucos, a executiva foi galgando novos cargos. Um bom exemplo foi quando migrou para a área de Controladoria e Custos, trabalhando com Anderson Lathine, seu ex-chefe. Relutante, a jovem confessou não gostar de números, mas aceitou a nova função em razão da insistência de Lathine. "Não tinha afinidade nenhuma com números, mas o Anderson queria muito contar comigo, então aceitei", relembra.
Mesmo não tendo planos para ficar muito tempo na área, Kelly já trabalha com na Controladoria há 11 anos. No período, ela executou um extenso trabalho de transição do empreendimento para o sistema all inclusive. “Foi muito bom, pessoalmente, participar ativamente dessa fase de transição da empresa, que foi um sucesso", diz.
Ana Lucia Tassinari: resiliência é tudo
Com 50 anos de idade recém-completados, sendo 22 deles na mesma empresa, Ana Lúcia Tassinari ou "Aninha", tem toda sua carreira dedicada a IHG (InterContinental Hotel Group). O mais curioso que o turismo apareceu por acaso em sua vida. “Ia fazer vestibular de Turismo para testar minhas habilidades para outra tentativa. Bem, passei e nunca mais saí da área”, conta.
Desde 1996 na empresa, Ana Lucia acompanhou o crescimento do IHG no Brasil bem de perto. Contratada como telefonista do InterContinental São Paulo, logo a seguir passou para outra área no empreendimento – Governança – e lá se estabeleceu. "Minhas escolhas definiram o que aconteceu comigo nesses anos. Não me arrependo de nada. Se errei, aprendi com os erros também", diz.
'Aninha': resiliência é tudo em qualquer situação
Seu instinto sempre foi a inquietar-se frente a qualquer zona de conforto para absorver o máximo de conhecimento (e experiências) possível. Ela comandou a Governança de outros hotéis da rede no Brasil, dos quais participou da inauguração em muitos deles. Ela ainda passou um ano na Austrália, em 2008, no InterContinental Melbourne. "Amar o que faz e fazer o que ama são coisas essenciais na vida. Na hotelaria, se você não tem o perfil de servir, não tente trabalhar com isso", afirma.
Segundo Ana, o desejo de continuar na empresa sempre persistiu em razão da projeção de crescimento que a IHG transmite aos colaboradores. "Quando comecei, vi que, acima de qualquer remuneração e cargo a ser ocupado, existia oportunidade de crescimento”, explica a profissional.
“Dizem que sou louca em continuar como governanta todos esses anos, mas afirmo: sou muito feliz com o que faço e, se faço bem, não vejo necessidade de mudanças de cargo. O que busco é adaptar-me as alterações da minha função. Sou feliz assim, resiliente e preparada para adversidades", comenta.
Erivan Dantas: o trem correto
Com o sonho de ser engenheiro agrônomo, por conta da vida campestre da região Nordeste, onde nasceu, Erivan Dantas veio para São Paulo. Atual gerente geral do San Raphael Hotel, ele parou no vestibular. Mesmo decepcionado, deu prosseguimento à vida com uma vaga no almoxarifado do empreendimento paulistano.
Desde então, são 38 anos no hotel, chegando até o cargo atual, do qual tem muito orgulho. "Ficar à frente de 110 funcionários no começo me assustou, mas é aquilo: 'o trem não passa duas vezes'", comenta.
Segundo Dantas, o tempo médio dos profissionais do San Raphael chega a 15 anos, o que, na sua visão, representa o processo de confiança que o hotel coloca em seus funcionários e o crescimento ali dentro.
Dantas começou no almoxarifado do San Raphael Hotel
Sua rotina dentro do hotel é resolver qualquer tipo de problema e se certificar de que tudo está no melhor "padrão Erivan". Em 38 anos, ele disse ter tido alguns dias complicados, como na vez em que Dercy Gonçalves, atriz de sucesso dos anos 1950 e 1960, perdeu seu chapéu de apresentação enquanto estava hospedada.
"A Dercy foi uma das estrelas que ficavam hospedadas conosco. Nessa ocasião, ela não achava chapéu de jeito nenhum. Quando fomos procurar, enquanto ela bufava pelo quarto, totalmente impaciente, achamos o acessório debaixo da cama”, relembra. “Rimos muito depois, mas esses acontecimentos são problemas sérios para quem trabalha com hotelaria", avalia.
Para Erivan, trabalhar em um hotel conceituado e cheio de histórias como o San Raphael fez parte da formação de seu caráter. Por ter traçado um caminho de evolução gradativo até ocupar o cargo em que está hoje, o vascaíno fanático dá muito crédito de sua ascensão a Raphael Jafet, que teve sua trajetória retratada em matéria recente no site.
"Trabalho em um hotel que já recebeu estrelas como Roberto Carlos, Muhammad Ali, entre outras personalidades. Ter quase 40 anos de trabalho aqui, uma vida inteira praticamente, é de grande alegria para um nordestino que trabalhava em uma loja de tecidos. Precisei de muita desenvoltura nesses anos, mas hoje dou risada dos problemas que aconteceram e aproveito meu trabalho."
(*) Crédito da capa: Sven Hilker/Pixabay
(*) Crédito da foto 1: Divulgação/Cana Brava Resort
(*) Crédito da foto 2: arquivo Divulgação/IHG (InterContinental Hotel Group)
(*) Crédito da foto 3: arquivo Divulgação/San Raphael Hotel