Antes de darmos continuidade, é bom ressaltar que Raffaele Cecere, presidente do Grupo R1, afirma não querer fazer críticas. Na fala que abre o texto, o executivo diz apenas querer provocar uma reflexão ao mercado. Departamento imprescindível para a retomada do setor e grande catalisador de demandas, a área Comercial ganhou um novo peso nas operações. Responsável pela empresa de audiovisual fornecedora para mais de 50 empreendimentos, nos últimos meses, o empresário vem observando falhas estruturais.

Em meio à crise, o Grupo R1, que completou 16 anos no último dia 11, reinventou-se com o lançamento de produtos e serviços que atendem às novas necessidades da hotelaria. Em contato constante com clientes, Cecere explica que alguns gestores insistem em receitas de vendas antigas em um momento onde tudo mudou. “A pandemia veio para expor essas deficiências. Quando não existe demanda é preciso uma reação rápida em equipe. Na minha opinião, pelo fato da hotelaria seguir modelos conservadores, alguns players do setor não esboçaram reação nenhuma”.

O presidente do Grupo R1 ainda acrescenta que, até agora, a área Comercial de boa parte dos hotéis se manteve na zona de conforto, atuando muitas vezes mais como um serviço de atendimento. “Estamos falando de tempo. As coisas acontecem em velocidades diferentes do que era antes. Alguns hotéis, na verdade, não têm um setor de Vendas propriamente dito, mas um departamento de atendimento. Falta o arrojo comercial que alguns mercados já adquiriram”.

Raffaele Cecere: entrevista completa

Hotelier News: A R1 está em constante contato com equipes comerciais dos hotéis. Quais as principais fragilidades detectadas?

Raffaele Cecere: Na verdade, trata-se de uma percepção que venho tendo há algum tempo. No fundo, não é uma crítica, mas uma reflexão para as pessoas poderem se identificar e melhorar. Está claro que o empresário faz o investimento para ter um hotel, mas não quer sair do modelo seguro. No fundo, trata-se de um imóvel no qual se tem uma rentabilidade. O fato é que o tempo vem mudando e a hotelaria, de modo geral, ainda entende o negócio como um aluguel temporário. Estamos falando de tempo. As coisas acontecem em velocidades diferentes do que era antes. Alguns hotéis, na verdade, não têm um setor de vendas propriamente dito, mas um departamento de atendimento. Falta o arrojo comercial que alguns mercados já adquiriram.

Em São Paulo, onde se concentram nossos negócios, a oferta em relação à demanda sempre esteve mais alta. Os hotéis, de certa forma, são privilegiados por isso. No Rio, depois da Copa do Mundo, houve uma virada. A pandemia veio para expor essas deficiências. Quando não existe demanda é preciso uma reação rápida em equipe. Na minha opinião, pelo fato da hotelaria seguir modelos conservadores, o setor não esboçou reação nenhuma.

A maior inteligência hoje é o RM (Revenue Management), que na verdade se baseia estritamente em trabalhar oferta e demanda. A prova disso é que muitos empreendimentos nunca realizaram retrofit e continuam com a mesma configuração, salvo algumas redes internacionais, que possuem espírito mais voltado para vendas. O restante das equipes estão esperando sentados as demandas retornarem, o que pode ser um risco. Com a crise, as pessoas estão experimentando outros lugares e formatos com modelos diferentes. A hotelaria precisa ter novas ideias e propósitos, até mesmo em termos de precificação.

HN: Você comentou sobre mercados que já viraram essa chave quanto à performance do departamento de Vendas. Qual seria um bom modelo a ser seguido?

RC: O principal é o mercado americano. Por exemplo, conversando com um hoteleiro de rede internacional, ele explicou que em uma cidade de 30 mil pessoas, existem vários hotéis de marcas diferentes. Por quê? Obviamente, influência da demanda. Só ela faz com que o mercado seja mais competitivo. O Brasil já vem passando por problemas há muito tempo em relação à demanda e isso não pode ser desconsiderado. Temos um cenário desfavorável de mercado, o que faz com que a hotelaria fique lenta e pesada. Precisamos aprender com mercados mais evoluídos. Orlando é outra praça que gira, e isso faz com que tenham mais players e, automaticamente, a competitividade aumenta. E isso acaba te empurrando.

raffaele cecere - entrevista pandemia_foto Grupo R1

Cecere ao lado de parte da equipe do Grupo R1: empresa completou 16 anos no início do mês

HN: Como essas falhas vêm afetando o setor de eventos na hotelaria?

RC: Tivemos um movimento há uns 15 anos, quando empresas passaram a consumir salas de hotéis, seja para treinamentos ou para eventos. Com alguns hotéis cobrando preços exorbitantes, as companhias construíram seus próprios espaços, o que resultou no esvaziamento dos hotéis, que mantiveram de novo o pensamento de oferta e demanda. Em um segundo momento, bares e restaurantes também passaram a disponibilizar espaços mais descontraídos, com custos muitas vezes a zero, pois o que paga a conta são os serviços e os hotéis não se atentaram a isso. Agora, sem demanda, é preciso agilidade para ser diferente e buscar novas alternativas, mas parece que boa parte da hotelaria está esperando retornar ao que era antes, o que é uma grande falha.

Muitas vezes o cliente de eventos chega e quer descontos. O hotel oferece redução na sala, mas não mexe no A&B e na hospedagem, pois na cabeça deles, o menor custo é a locação. Quando acontece isso, o hoteleiro destrói o negócio, pois derruba o valor, e não digo monetário, mas do negócio em si. O valor é uma caixinha de presente que se dá e quando perde, nunca mais é recuperado. Esse é um grande problema: olhar o setor de eventos como algo secundário, enquanto deveria ser um negócio independente.

HN: Com a chegada da pandemia e a paralisação do setor de eventos, você acredita que o cenário pode se agravar?

RC: Não. As pessoas não pararam de pensar em eventos. As empresas precisam de caminhos novos, pois os clientes consomem esse segmento. As companhias apenas não sabem como fazer e com a chegada das ações híbridas, nós mostramos uma ponta de como eles podem ser realizados. O evento hoje não é mais uma simples ferramenta de relacionamento, ele já faz parte da estratégia das corporações. Durante a pandemia, realizamos 700 eventos para empresas, que ficaram felizes em não precisar parar, pois utilizam esses meios para vender, treinar – e aí estão as oportunidades. Nos hotéis, o modelo é presencial, mas a reflexão é para que o mercado pense em se preparar para o que está por vir, pois o segmento quer e vai voltar. Quando isso acontecer, como será? O novo normal pede espaços mais abertos, arejados, mais janelas e menos muros? É preciso testar para saber o que dá certo.

HN: E como redesenhar o departamento de Vendas? Que soluções podem melhorar o desempenho da área?

RC: A hotelaria precisa estar mais alinhada às novas demandas, anseios e necessidades que virão pela frente. Parece-me que não estão ouvindo o que esse novo comprador quer, principalmente no corporativo. É preciso entender melhor o processo de compra. Ouvimos muito na hotelaria sobre a questão das experiências, mas acredito que isso fique mais no discurso do que na ação. Alguns hotéis tentam, mas rapidamente voltam ao RM para fazer o trabalho que faz parte da sua zona de conforto quando o mercado está aquecido, voltando ao modelo tradicional de vender quarto.

A questão da classificação também é um erro, isso já morreu. Hoje, temos hotéis três estrelas que concorrem com os de cinco. As necessidades das pessoas são outras e estamos vendo isso. Nomenclaturas já não atendem mais. O consumidor está buscando mais do que isso e o preço se tornou algo secundário. Levantamos essa bandeira porque estamos juntos com a hotelaria e não basta ter o produto com pouca competitividade.

Existe uma oportunidade grande de entender e investir em pesquisas com os clientes, ouvi-los sobre o que têm a dizer. É algo simples, mas os hotéis não fazem. No caso dos centros de eventos, eles ficam sempre em uma linha secundária na construção do budget, muitas vezes só servindo para cobrir outros custos. Outro exemplo é que vimos hotéis fechados com a desculpa de reduzir gastos, o que não deixa de ser uma verdade, mas será que ao menos uma equipe de Vendas ativa não era possível manter? A pandemia é uma oportunidade de remodelar o negócio, você tem tempo para pensar. Infelizmente, boa parte da hotelaria ainda está engessada em um modelo antigo de gestão voltado apenas para administração de custos.

Quando você vai ao estágio zero, tudo que for para cima é melhor do que nada. Se tudo já foi perdido, então o que há para perder? O hotel fechado gera custo e não fazer nada com ele também. É preciso pensar de que forma pilotar o negócio sem grandes investimentos, mas o que importa é fazer algo.

(*) Crédito das fotos: Divulgação/Grupo R1