terça-feira, 18/novembro
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O que a hotelaria reserva ao gerente geral?

Por décadas, o gerente geral foi considerado o coração do hotel. A figura que, ao circular pelo lobby e ouvir uma conversa na recepção, saberia exatamente como andava a casa e o que fazer para consertar qualquer problema. Tal qual um canivete suíço, o perfil multifacetado da função permitia que esse profissional fosse anfitrião, operador, treinador e a consciência do empreendimento, tudo ao mesmo tempo. Hoje, algumas missões tornam o dia a dia do posto muito mais desgastante e, gradativamente, distante do que já foi um dia.

Conformidade com a marca, restrições de orçamento e burnout são três questões citadas por Dan Johnson, consultor hoteleiro norte-americano, em uma publicação feita no LinkedIn. Ele menciona que, em vez de liderar equipes, formar sucessores e imprimir personalidade ao serviço, o gerente geral se vê soterrado por painéis, planilhas e diretrizes vindas de estruturas mais centralizadas do que nunca.

Essa transformação não aconteceu de um dia para o outro. A busca por consistência levou a hotelaria a trocar autonomia por alinhamento, desmontando práticas de proximidade, como as recepções ativas ao hóspede e mentoria para preparar futuros gerentes. A ascensão das OTAs e a escalada das avaliações online também têm parcela na evolução da função, aumentando a pressão por métricas, enquanto a pandemia acelerou a financeirização.

Na visão de Johnson, o setor passou a premiar sobrevivência, não estratégia. E o resultado, segundo ele, é uma crise silenciosa. A indústria criou camadas de processos, mas perdeu curiosidade, criatividade e julgamento. A geração que surge, então, é mais voltada, de modo geral, ao cumprimento de padrões. Entre os principais efeitos, estão o esgotamento com programas de fidelidade, dificuldade de engajar colaboradores e evasão de talentos.

Roland Bonadona - O que a hotelaria reserva ao gerente geral
Segundo Bonadona, o gerente geral perdeu autonomia

Para contextualizar com a estrutura brasileira, a reportagem do Hotelier News ouviu quatro executivos que analisaram a alteração na autonomia do gerente geral na hotelaria. Em suas avaliações, eles incluíram o avanço dos modelos asset light, o lado financeiro mais aflorado no cargo e os caminhos possíveis para devolver protagonismo para quem sempre esteve no centro da hospitalidade.

Opiniões divididas

Apesar de uma mudança na percepção sobre o gerente geral, não é consenso que este perdeu espaço dentro das estruturas hoteleiras. Para especialistas e líderes de operação, é cada vez mais óbvio que a função não desapareceu, mas se transformou. A combinação entre centralização corporativa, avanço tecnológico e novos modelos de negócios, como asset light e clusters, remodelou responsabilidades, exigiu competências adicionais e ampliou a cobrança por resultados. Em comum na análise dos executivos, prevalece a convicção de que a essência do cargo continua viva: liderar pessoas, garantir consistência operacional e fortalecer a hospitalidade.

“O gerente geral não perdeu a relevância, mas seu papel evoluiu de gerente operacional para CEO do ativo. Se ele entende de RM (Revenue Management) e BI (Business Intelligence), tem um controle maior do que antes”, explica Roland de Bonadona, fundador da Bonadona Hospitality Consulting. O consultor acrescenta que a impressão de perda de poder nasce da redistribuição de funções em redes e do avanço de ferramentas analíticas.

No dia a dia das operações, essa transformação também é percebida por quem ocupa a cadeira. Para Diogo Nazarian, gerente geral do The Westin São Paulo, o perfil mudou, mas não a importância da posição. “A função deixou de ser 100% executiva para ser um pouco mais operacional. Hoje, a presença do gerente geral na operação é muito mais necessária”, diz.

Diogo Nazarian - The Westin São Paulo - O que a hotelaria reserva ao gerente geral
Nazarian: “A função não acabou, mas mudou de formato”

Segundo Jéssica Yumi Hirata, gerente geral no ibis Jundiaí (SP), não há perda de relevância, mas sim um processo de reinvenção. “O gerente geral atual precisa ser um líder que conecta diretrizes corporativas, inspira pessoas e entrega resultados consistentes”, afirma.

Francisco Melo Cid, gerente geral do Nacional Inn São Paulo Jaraguá, aponta uma transição interna das redes. “Com a centralização de processos e maior controle regional, surgiram gerências intermediárias. Ainda assim, o gerente continua sendo essencial”, diz.

Modelos asset light e clusters

A expansão de franquias, contratos asset lights e estruturas de cluster, como já mencionado, modificou o fluxo de poder nas redes. Sendo assim, trata-se da consolidação natural das marcas, deixando funções de back office e parte do pilar comercial centralizados na rede. Na prática, isso muda o foco estratégico do gerente geral. O movimento, segundo Bonadona, fortalece o tempo dedicado ao pilar do anfitrião e ao pilar da cultura.

Em contraponto, Nazarian avalia que os clusters trouxeram processos que tiraram a liberdade de fazer uma gestão mais solta. Burocratiza por um lado e melhora a qualidade dos dados pelo outro.

A redistribuição de poder, por sua vez, também exige novas habilidades, sendo um desafio equilibrar eficiência corporativa com autenticidade local. Por fim, os especialistas citam que a padronização traz ganhos, mas pode ignorar particularidades de cada produto. No final, o sucesso vem do capital humano.

Visão financeira e operacional

Embora a percepção seja frequente, a predominância das funções financeiras no cargo de gerente geral atualmente não é consenso entre os executivos. Para Bonadona, trata-se de uma ilusão estimulada pelo perfil de alguns proprietários. “O verdadeiro CEO entende que o financeiro é o resultado, não o ponto de partida”, afirma.

Nazarian considera que a pressão por margens estreitas amplia a cobrança por indicadores. “A gestão financeira se tornou mais latente. Contudo, sem serviço de excelência e engajamento de equipe, não há receita”, salienta.

Jéssica Yumi Hirata - ibis Jundiaí - Atrio - O que a hotelaria reserva ao gerente geral
Para Jessica, a hospitalidade é humana

Jéssica também defende equilíbrio entre as demandas da função para atingir metas. “Quando olhamos apenas para números, perdemos o que sustenta a rentabilidade no longo prazo”, avalia. Cid reforça que finanças são ferramenta, não o objetivo final. “O papel do gerente moderno é unir razão e emoção”, comenta.

Lado humano

Os quatro executivos convergem ao tratar do elemento humano da hotelaria. Para Bonadona, o equilíbrio entre qualidades high tech e high touch no profissional atual é indispensável. “A tecnologia só serve se amplificar o toque humano, não se o substitui”, diz.

Já o gerente geral do The Westin São Paulo é direto, afirmando que um empreendimento que perde o elemento humano está fadado ao fracasso. A executiva da Atrio e o profissional do Nacional Inn Jaraguá seguem no mesmo sentido, citando a força dos pequenos gestos antes na hotelaria.

Mesmo com todas as mudanças vividas na hotelaria e no próprio modus operandi do gerente geral, existe, sim, o espírito da hospitalidade no setor atualmente. Contudo, é preciso que ele seja cultivado e bem cuidado. A reputação online, por exemplo, se tornou o pilar do anfitrião inegociável.

Além disso, os executivos afirmam que quem busca hospitalidade continuará nos hotéis tradicionais. Até porque, o grande diferencial do modelo é o acolhimento.

Futuro do gerente geral

Francisco Melo Cid - Nacional Inn Jaraguá - O que a hotelaria reserva ao gerente geral
“Liderança inspiradora não se improvisa”, diz Cid

Embora com nuances diferentes, o gerente geral do futuro aponta para um profissional mais técnico, múltiplo e presente. Para Bonadona, trata-se do gestor trilíngue: fluente em liderança, hospitalidade e dados. Nazarian define o gestor como “grande facilitador”, enquanto Jéssica o vê como “um hub de inteligência estratégica e emocional”. Já Cid o resume como um líder capaz de unir leitura analítica e vivência prática da operação.

A recuperação, ou adequação, do gerente geral mais protagonista, portanto, passa por três pilares: formação, autonomia e ferramentas tecnológicas. Por isso, o empoderamento deve partir de dados. O profissional também precisa assumir a responsabilidade individual com sucesso e autonomia, buscando conhecimento de maneira contínua.

(*) Crédito da capa: Freepik

(*) Crédito das fotos: Divulgação

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