segunda-feira, 11/agosto
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Sabor sem carne: a nova receita da hotelaria consciente

Construir uma experiência gastronômica rica, imersiva e, ao mesmo tempo, inclusiva é um processo desafiador para a hotelaria. Mesmo com o A&B (Alimentos & Bebidas) ganhando cada vez mais espaço no setor e na satisfação dos hóspedes, muitos empreendimentos ainda deixam a desejar quando o assunto é o desenvolvimento de menus vegetarianos e veganos — gerando lacunas na estadia de clientes que aderem ao hábito alimentar livre de proteínas e produtos de origem animal.

O Hotelier News finaliza sua série de duas matérias especiais dedicadas ao tema com cases de redes hoteleiras e hotéis que se sobressaem junto ao público vegetariano e vegano. No primeiro conteúdo, abordamos os desafios da construção de cardápios variados e adaptados, destacando o crescimento constante de pessoas com esse perfil de consumo.

Mesmo que pareça difícil e muitas vezes pouco rentável, os empreendimentos mostram que, sim, é possível abraçar esse público e ainda atrair o paladar de pessoas que não são adeptas ao vegetarianismo e veganismo, sem deixar o sabor de lado.

Rede hoteleira com grande força gastronômica, a Accor goza de uma série de marcas em seu portfólio — vantagem que abre espaço para competitividade e construção criativa de menus variados e focados em diferentes nichos de mercado. Em entrevista à reportagem do Hotelier News, Bruno Latini, gerente de A&B do grupo para o Brasil, explica que as marcas caminham juntas para ampliar e fortalecer a oferta de pratos vegetarianos e veganos em seus restaurantes e bares.

“Essa é uma diretriz estratégica da companhia, alinhada aos compromissos globais da Política de Boa Alimentação, que orienta todas as operações de A&B da rede e tem como um dos principais objetivos ampliar o acesso a refeições mais saudáveis e sustentáveis”, destaca o executivo. Segundo Latini, a Accor possui metas de acordo com a política global Good Food Feels Great, que estabelece que 50% dos pratos dos menus até 2030 sejam vegetarianos, reforçando o compromisso da empresa com práticas alimentares mais conscientes e inclusivas.

“Atualmente, 72% dos hotéis Accor nas Américas já contam com opções vegetarianas e veganas em seus cardápios, o que representa um avanço importante na redução da pegada de carbono das nossas operações de A&B”, revela o gerente.

Bruno Latini - 3P
Latini destaca a força das marcas da Accor

Construindo conceitos

Em Campos do Jordão (SP), o Hotel Serra da Estrela fez uma jogada ousada ao desenvolver o restaurante Alquimia, com menu 100% vegano e aberto ao público externo. Denise Bernardino, diretora geral do empreendimento, explica à reportagem do Hotelier News que a construção do conceito veio com o auxílio de profissionais que compartilham dos mesmos valores e propósitos.

“Desde o início, há 10 anos, a premissa era simples e desafiadora: a comida vegana precisa ser gostosa, nutritiva, bonita e cheirosa. Só assim ultrapassamos a resistência de um público apegado à carne. Há três anos, convidei o chef Thiago Medeiros para cocriar o primeiro cardápio do Restaurante Alquimia. A parceria rendeu frutos e sabores”, diz Denise.

Atualmente, a Accor conta com um portfólio robusto de 24 conceitos gastronômicos, desenvolvidos com curadoria do time de A&B, justamente para oferecer variedade, identidade e relevância local aos bares e restaurantes da rede. A proposta é atender a diferentes perfis de consumidores, hóspedes e público externo, ao mesmo tempo em que reforça o posicionamento da rede como referência em hospitalidade e experiências. Entre os conceitos disponíveis, há opções que valorizam ingredientes regionais, gastronomias internacionais, tendências contemporâneas e alimentação saudável.

Um exemplo é o YUCAFÉ Earth-Based, cafeteria 100% plant-based instalada no hotel Pullman São Paulo Ibirapuera. O projeto, criado em parceria com o programa Escolha Veg, já foi reconhecido como a melhor cafeteria da cidade de São Paulo pelo TripAdvisor e representa o potencial dos modelos de negócio voltados à alimentação vegetal, tanto do ponto de vista ambiental quanto comercial.

“Do ponto de vista financeiro, as operações de A&B têm papel cada vez mais relevante nos resultados da Accor. A meta global é que 25% da receita dos hotéis venha do setor de alimentos e bebidas nos próximos anos. Hoje, no Brasil, temos 21,4% no acumulado de 2025, que representa um crescimento de 0,9% em relação ao ano anterior. Por isso, seguir com investimentos em conceitos gastronômicos bem definidos, inclusivos e sustentáveis é também uma forma de gerar valor para os hotéis, fortalecer a conexão com as comunidades locais e aumentar a rentabilidade para os nossos parceiros”, pontua Latini.

Seguindo essa tendência, a marca Novotel tem a meta de 25% de pratos vegetarianos/veganos até o fim de 2025. Outro case de sucesso é o restaurante Greem, localizado no Novotel São Paulo Morumbi, que já conta com grande parte do seu cardápio dedicado à alimentação vegana. A proposta mostra que é possível atender diferentes perfis de clientes sem renunciar à qualidade gastronômica.

“Também temos outros cases que reforçam esse posicionamento, como o Macayá, recém-inaugurado no Pullman Ibirapuera, que já conta com opções vegetarianas em seu cardápio; e o Lolatella Trattoria, restaurante de culinária italiana do Novotel Berrini, que também conta com opções vegetarianas. Esses conceitos refletem como a Accor vem transformando a experiência gastronômica em seus hotéis por meio de soluções mais saudáveis, inclusivas e alinhadas às expectativas de um público cada vez mais consciente”, acrescenta o gerente.

Retorno financeiro

Ok, na teoria, a proposta pode ser viável. Mas, e na prática? Vale a pena, financeiramente falando, investir nessas opções? Latini explica que a Accor vem observando um crescimento constante na procura por opções vegetarianas e veganas, tanto por hóspedes quanto por moradores do entorno que frequentam os bares e restaurantes da rede.

“O movimento acompanha uma tendência mais ampla no Brasil, onde estimativas indicam entre 29 e 30 milhões de vegetarianos e cerca de 7 milhões de veganos, segundo a Sociedade Vegetariana Brasileira. A mudança no comportamento do consumidor tem sido considerada em todas as decisões de A&B da Accor, desde o desenvolvimento de menus até a capacitação das equipes. Hoje, 35% dos pratos pedidos no restaurante Greem, presente no Novotel Morumbi, são vegetarianos ou veganos, e essa participação continua crescendo”, analisa.

Em João Pessoa (PB), o Verdegreen Hotel não possui o respaldo estrutural de uma grande rede hoteleira, mas conseguiu desenvolver pratos que caíram nas graças do público. Segundo Matheus Rockenbach, chef do empreendimento, a receita do restaurante responde por 10% do faturamento total.

“Nosso hotel hospeda clientes frequentes, mas os passantes não são uma realidade. Em João Pessoa, ainda existe esse tabu de que restaurante de hotel é caro e inacessível. Geramos oportunidades com algumas ações, como o Restaurante Week, por exemplo, que sempre traz opções vegetarianas e veganas, tanto do prato principal quanto da sobremesa”, conta o chef.

Durante o festival gastronômico, o Verdegreen vendeu 1 mil menus, com destaque para a entrada vegana: um ceviche de coco fresco que foi sucesso no evento. “Saiu mais do que o filé mignon com fritas. Muitas vezes, esses pratos geram curiosidade. E o ceviche foi um meio de aproveitar todo o alimento”, explica Rockenbach.

Chips de batata-doce, purê de jerimum trufado com cogumelos e vinagrete de caju são outras opções que brilham no menu do empreendimento paraibano. “Hoje, nosso cardápio está mais enxuto. Contamos com 10 pratos principais, sendo dois veganos e dois vegetarianos. Nossas opções são rotativas, pois a cada seis meses analisamos as vendas para entender o que funciona”, diz o chef.

No Verdegreen, a procura por pratos vegetarianos e veganos ainda é baixa, o que impulsiona o chef a buscar os feedbacks dos clientes de perto. “Vou até a mesa para conversar, apresentar os pratos e crio sugestões do dia, pois nosso restaurante ainda não assumiu totalmente essa identidade.”

Matheus Rockenbach
Rockenbach prioriza autenticidade nos pratos

Por onde começar

Com todos os desafios apontados, por onde começar? Denise salienta que é essencial iniciar o processo de construção dos menus com seriedade. A diretora do Hotel Serra da Estrela recomenda a contratação de consultorias especializadas, além de convidar pessoas veganas e não veganas para testar os cardápios.

“Dê ao prato vegano o mesmo cuidado e atenção que daria a qualquer outro item do menu. E, sobretudo, não coloque uma opção apenas por obrigação. Crie pratos incríveis — que por acaso são veganos. Eles podem se tornar os favoritos dos hóspedes, e você talvez nem imagine o quanto”, sugere a executiva.

Denise ainda ressalta os impactos do destino onde o hotel está inserido para o desenvolvimento das receitas. No caso do Hotel Serra da Estrela, localizado na Serra da Mantiqueira, com grande apelo nas estações frias, o chef propôs recentemente um novo menu, que trouxe o lamen como opção aconchegante para os dias gelados, além do polpetone e da burrata vegana, que viraram estrelas da temporada. “A inovação nasce da escuta, da experimentação, do olhar atento ao que há de novo em ingredientes e técnicas. Estamos sempre pesquisando, testando, reinventando.”

Rockenbach olha com desconfiança para releituras de clássicos, como o carbonara, em versões vegetarianas e veganas. O chef prefere desenvolver receitas novas, priorizando insumos regionais. “O maior desafio é criar um prato autêntico, que valorize o alimento e que fuja das réplicas. Hoje, existem muitos produtos veganos no mercado, mas nem sempre a experiência é boa. No Verdegreen, usamos o que vem da terra para que o prato não deixe a desejar.”

Latini acredita que o primeiro passo é entender o perfil do público atendido, mapear oportunidades dentro do cardápio atual e capacitar as equipes do hotel e da cozinha. “Também vale destacar que as opções vegetarianas e veganas não devem ser pensadas como um menu à parte, mas integradas ao cardápio principal com o mesmo cuidado de apresentação e sabor. Quando isso acontece, o impacto na percepção da marca e na fidelização dos clientes é muito positivo.”

A Accor ainda oferece todo o suporte aos times e chefs para que essa transição ocorra de maneira suave e que respeite as realidades locais. Além disso, os empreendimentos recebem treinamentos para que possam preparar os pratos com a mais alta qualidade, a fim de serem atraentes e saborosos.

“No entanto, sabemos que ainda há desafios e estamos avançando passo a passo, conscientes de que essa jornada tem impacto direto não apenas na satisfação dos nossos clientes, como também na sustentabilidade de toda a nossa cadeia”, observa Latini.

Denise reconhece que ainda há certa resistência quanto aos menus vegetarianos e veganos, tanto por parte dos hotéis quanto do público.
”Muitos estabelecimentos, mundo afora, contribuíram para essa imagem negativa. Pratos sem sabor, sem aroma, mal temperados, sem cuidado estético.
Isso afasta, em vez de aproximar.
Muita gente teve uma primeira experiência ruim com comida vegana, e carrega essa impressão consigo.
Nosso papel é mostrar que é possível fazer diferente. O Alquimia tem provado, dia após dia, que comida vegana pode e deve ser deliciosa”, conclui.

(*) Crédito da capa: Divulgação/Accor

(**) Crédito das fotos: Divulgação