Ana Rita Cohen

As metas rumo à cultura Lixo Zero não são fáceis, no entanto, entendo que temos a total capacidade e criatividade para chegarmos a bons resultados. Questões éticas culturais, sociais, ambientais, humanas, demandam educação e muita disciplina por parte de todos nós, cidadãos e, corresponsáveis por nossa evolução (não somente o aumento) da humanidade.

O “Lixo Nosso de Cada Dia” é o tema do encontro Lixo Zero São Paulo , organizado pela Casa Causa e Instituto Lixo Zero Brasil, que vai acontecer agora dia 28 de maio, na Unibes Cultural. O encontro promete painéis, conversas, exposições e uma ótima oportunidade para todos que desejam aprender mais sobre o assunto. 

Um dos grandes problemas a ser resolvido nesta situação desconcertante sobre o nosso lixo, é a questão do desperdício de comida. Sabemos que sempre acaba em lixões ou aterros sanitários, embora já contamos com boas iniciativas acontecendo no mercado. Temos que fazer mais; muito mais. A população brasileira atual é de 208,5 milhões de habitantes (segundo estimativa do IBGE, 2018), e segundo as estimativas, no ano de 2047, a população brasileira deverá atingir 233,2 milhões de habitantes. Além disso, o problema é geral. É global. Onde houver uma cozinha, seja caseira ou profissional, ele existe. O fato é que todos precisamos comer. 

Comida é (normalmente) alimento. E sua matéria prima, de um jeito ou outro, tem sua origem na terra. Para seu cultivo (natural) é necessário que haja a combinação de alguns elementos básicos como ar, água, sol, nutrientes.

Aí vem o outro grande problema que hoje enfrentamos: a distância entre o homem e a terra; distância abismal entre a figura do produtor e a do consumidor; entre o momento da produção ao consumo alimentício final, entre atos agrícolas e gastronômicos. Se hoje alcançamos o insano nível dos 40% de desperdício de comida (no planeta), é meio que óbvio que estas distâncias precisam se estreitar e, atitudes precisam ser tomadas em ambos os aspectos: desperdício e agricultura. Como então, reduzir o desperdício em casa, no restaurante, na indústria ou na lavoura? 

Assim como eu, muitos apostam em educação, treinamento e mais educação, porque trata-se da ferramenta que nos levará para fora desse buraco. Estamos num momento de explorar, de incentivar soluções inteligentes, viáveis, especialmente para os setores considerados como grandes geradores.  

Pois bem, em janeiro deste ano resolvi ir a Boston, numa jornada que durou quase três meses. O intuito foi aprender um pouco mais sobre o movimento Lixo Zero local, conhecer outros profissionais da área, e principalmente, ver de perto como restaurantes e hotéis estavam lidando com o problema do desperdício. Boston é o Hub acadêmico dos Estados Unidos e literalmente o berço de sua história. Abriga mais de 200 instituições de ensino, entre elas as prestigiosas universidades de Harvard, MIT, Boston University (BU), Northeastern University, Boston College, University of Massachusetts, Sulfok University, Tufts, só para citar algumas. Não para menos, o engajamento universitário focado na ‘missão sustentabilidade’ é imenso; especialmente no quesito desperdício de comida nos refeitórios. 

Desfrutando deste cenário e, junto a pessoas incríveis e engajadas no movimento Lixo Zero-Boston, tive a oportunidade de conhecer de perto programas públicos e privados relacionados ao tema, como as legislações, estratégias de mercado, implementações de ferramentas para o município, análise de desafios e resultados. Desse time, sou muito agradecida à Amy Perlmutter da Perlmutter Associates, que muito gentilmente, me apoiou nessa busca. Através dela conheci Susan Casino – diretora do departamento de reciclagem da cidade; John Fisher do ‘MassDEP’ (Department of Environment Protection), e responsável pelo planejamento da redução do desperdício de alimentos do setor comercial e industrial (restaurantes, hotéis, etc.). 

Dentre outros, tive também o prazer de conhecer Dan Ruben, diretor executivo da plataforma ‘Boston Green Tourism’, que tem como missão ajudar hotéis e centros de convenções a melhorar sua performance nos objetivos éticos ambientais da grande Boston, bem como, incentivar na redução dos custos operacionais em hotéis, atraindo maior número de hóspedes a partir dessa pegada sustentável. O “BHT” é uma organização que funciona a base de filiações dos hotéis locais e também apoiadores da comissão “Boston Green Ribbon”. Dan estava trabalhando em seu livro quando nos conhecemos, intitulado ‘How to Green Your Hotel’, cujo conteúdo abrange aspectos acessíveis e “amigáveis” ao meio ambiente: eficiência na energia, conservação da água, gerenciamento dos resíduos (orgânicos e sólidos), uso reduzido de material tóxico, transporte verde, escolhas de alimentos saudáveis e sustentáveis e muito mais. O que segue é apenas um pouco do nosso bate papo, mas o bastante para ilustrar, em uma das partes de seu livro, a importância do tema ‘desperdício de alimentos no setor da hospitalidade’. 

Com certeza necessitaria mais espaço aqui, para contar sobre esta valiosa conversa. Porém, optei por enfatizar o que o Dan se refere como ‘Prevenção’ ao desperdício de alimentos em hotéis, já que este é o ingrediente número 1 para se criar mudanças e novos hábitos. Prevenir é chique, podem acreditar! Vamos lá:

Dan: – “Estou dedicando uma parte de meu livro aos programas de gerenciamento de resíduos, pois os benefícios financeiros e ambientais são enormes. As estratégias de gerenciamento de resíduos orgânicos podem ser divididas em 3 categorias: prevenção, reutilização e reciclagem/compostagem”. 

– Sobre Prevenção: recentemente muitos hotéis e outras instituições, reconheceram que muitos dos alimentos que compram, são desperdiçados desnecessariamente. De fato, alguns cortaram a compra de seus alimentos de 2% a 6%, e cortaram o pós-consumo em 50%. Assim, economizando no orçamento desde a compra até o destino ou descarte final. Temos excelentes ferramentas que ajudam no processo da redução, destino e descarte dos restos de comida, como: “logbook’, ‘leanpath’, ‘Phood’ e, ‘Winnow’…

“Em termos de hotéis, o primeiro passo a ser tomado é estudar os cardápios que oferecem, e ajustá-los para reduzir o desperdício. Chefes experientes eliminam os pratos menos populares, utilizam os mesmos ingredientes que servem outras opções do cardápio; aproveitam todas partes de alimentos provenientes de animais (‘nose-to-tail’), e de vegetais (‘root-to-stalk’) que compram, redirecionando o excedente para as refeições de seus colaboradores; usam principalmente ingredientes que geram pouco desperdício e, ajustam o tamanho das porções, condizentes com o que é realmente consumido”…

“Depois, devem repensar como estão operando os buffets, pois estes são fontes de grande desperdício. Gerentes devem acompanhar de perto, quais os alimentos são jogados no lixo, e de acordo, reduzi-los. Devem trocar para travessas menores, e só fazer reposição quando necessário. Melhor ainda, como boa sugestão é servir em quantidades menores, ou mesmo em porções individuais, em vez das grandes vasilhas. Outra estratégia efetiva é usar pratos e utensílios menores, e eliminar as bandejas….
Hotéis conscientes de seu desperdício devem também ficar atentos aos eventos que promovem. Geralmente compram comida a mais do que realmente necessitam. Ter o número exato de pessoas é particularmente importante. Devem pedir, mais de uma vez, um “update” para o contratante do serviço, antes de fazerem as compras para o evento. E, um cardápio de evento, deve consistir de ingredientes baseados na demografia dos participantes… Cardápios para eventos deveriam ser consistentes com ingredientes que usam no restaurante. E, quando possível, servir refeições em pratos ao invés de buffets. ”

Sobre reutilização e compostagem, continuaremos em breve. Dan nos traz informações preciosas e que ajudam a organizar uma agenda para quem já está a caminho das mudanças. Temos sim o poder de virar o jogo; precisamos compreender como e querer fazer. O resto se encaixa de acordo… 

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Ana Rita Cohen começou sua vida profissional em Nova York, onde trabalhou, estudou, e iniciou sua família. Como primeira formação, participou de projetos do meio artístico em SP e NY. Trabalhou na The Asia Society (filiada à Rockfeller Foundation, NY) onde se apaixonou pela arte e beleza do alimento; pela sábia gastronomia da cultura asiática. Decidiu investigar a gastronomia, entrando para a A Peter Kump’s Cooking School – hoje Institute of Culinary Arts -, seguida pela The Natural Gourmet Institute for Food & Health, cuja filosofia e conceito de saúde contribui bastante em seu caminho. Dalí veio a formação em Medicina Chinesa. Mais tarde, de volta ao Brasil, criou a Bread, Food & Goodtime em Florianópolis, com cursos livres. Ao mesmo tempo entrou para mentoria e assessoria em restaurantes. Em 2012 cursou Nutrição a base de plantas no Nutrition Studies Center, com o Dr. Thomas Campbell. Em 2014 participou do curso The Age of Sustainable Development com Jeffrey Sachs, na universidade de Columbia, NY, e saúde pública com a John Hopkins B.School of Public Health, entre outros.

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