Por décadas, os bufês abundantes — especialmente no café da manhã — foram um dos maiores símbolos da hospitalidade brasileira. No entanto, à medida que o perfil do hóspede evolui, cresce o questionamento sobre a permanência desse modelo. Hoje, a experiência gastronômica nos hotéis começa a se reinventar com menus personalizados, estações de live cooking e propostas à la carte, que privilegiam qualidade, frescor e propósito.
Impulsionado por novos hábitos de consumo, práticas ESG (Environmental, Social and Governance) e avanços tecnológicos, o setor vive uma transição em que o desafio é equilibrar eficiência operacional e encantamento do cliente, sem abrir mão da experiência — nem da sustentabilidade.
Por esse motivo, a reportagem do Hotelier News conversou com especialistas para entender se os bufês tradicionais ainda são válidos no setor hoteleiro e avaliar as tendências que estão redesenhando a gastronomia nos hotéis.
Andrea Natal, CEO e fundadora da AN Consultoria, afirma que o modelo tradicional de bufês está em transformação. Segundo ela, embora ainda tenha relevância em formatos específicos, como resorts all-inclusive e operações de grande escala, o formato vem perdendo protagonismo diante da evolução do comportamento do consumidor e das novas demandas por eficiência e sustentabilidade.
A executiva explica que a busca por experiências mais personalizadas, saudáveis e conscientes tem levado hotéis, especialmente no segmento de luxo, a repensarem sua oferta gastronômica. “Menus à la carte, estações de live cooking e formatos híbridos ganham espaço por proporcionarem maior curadoria, além de reduzirem significativamente o desperdício de alimentos”, destaca, lembrando que esse aspecto é central nas práticas ESG.

Ela acrescenta que essa mudança reflete também a percepção de que a quantidade deixou de ser o principal critério de qualidade, e que o público valoriza cada vez mais experiências cuidadosamente planejadas. Do ponto de vista operacional, Andrea observa que, embora os bufês tradicionais ainda ofereçam vantagens logísticas e de produtividade, seu custo real — considerando perdas, sobras e percepção de valor — tem sido cada vez mais questionado. Ela ressalta que o hóspede contemporâneo valoriza autenticidade e qualidade sobre abundância, associando a personalização ao verdadeiro senso de hospitalidade.
Para a CEO da AN Consultoria, o futuro não aponta para a extinção do bufê, mas para sua reinterpretação. “Modelos menores, com foco em produtos locais, apresentações artesanais e serviço assistido, são caminhos para equilibrar eficiência, propósito e encantamento na experiência gastronômica hoteleira”, conclui, destacando que essa transformação é gradual, mas já perceptível em hotéis de diferentes perfis no país.
Analisando tendências
Jessé Pereira, gerente de A&B (Alimentos & Bebidas) do Jurema Águas Quentes (PR), lembra que o modelo tradicional de bufês, com verdadeiros banquetes, foi um atrativo por muito tempo, mas passou a ser questionado devido às mudanças no comportamento do hóspede, intensificadas após a pandemia.
A busca do público se volta para a experiência personalizada, e é aí, aponta Pereira, que a hotelaria precisa inovar, mantendo o formato como necessidade operacional, mas não da maneira tradicional.

A solução implementada no Jurema Águas Quentes passa pelas estações híbridas. O bufê continua montado, mas itens como sobremesas e saladas são individualizados. As proteínas recebem abordagem diferenciada com show kitchen, e até a presença do chef junto à mesa entra em cena.
“Embora os bufês ainda sejam necessários, o grande segredo é trabalhá-los com inteligência, com um storytelling por trás da estratégia, para encantar o cliente. No nosso empreendimento, por exemplo, temos uma pessoa que corta o presunto de parma e o lombo na hora. O objetivo, por mais que pareça uma iniciativa simples, é fazer com que o hóspede se conecte à nossa proposta gastronômica”, pontua Pereira.
ESG, desperdício e mudança de percepção
Segundo Pereira, a migração para o serviço híbrido impacta diretamente o controle de desperdício e os custos. Ao servir individualmente, há maior controle da quantidade produzida, reduzindo desperdício e custo, enquanto agrega valor à experiência.
Hoje, o Jurema Águas Quentes produz cerca de 80 toneladas de alimentos por dia, o que, na análise de Pereira, justifica a mudança de estratégia e o alinhamento aos princípios ESG. “Essas mudanças geram maior eficiência operacional, reduzem custos e, consequentemente, o desperdício.”
“Ainda que retirar ‘coisas demais’ dos bufês possa gerar impacto negativo — pois as pessoas estão habituadas ao autosserviço e à fartura — a transformação para o formato híbrido muda a percepção do hóspede, que se sente acolhido. Tenho lido em comentários de hóspedes: as pessoas têm dado muita ênfase em qualidade. Não querem tanta fartura, mas sim atenção, querem o acolhimento como um todo, que o A&B precisa ter”, conclui Pereira, ressaltando que a conscientização dos clientes fará com que essas tendências substituam progressivamente o bufê tradicional.
Mudança de cenário
A mudança no comportamento do consumidor e a crescente demanda por práticas sustentáveis têm forçado a hotelaria de grande porte a repensar seus serviços mais tradicionais. Wellington Moreira, gerente de A&B do SERHS Natal Grand Hotel & Resort, trouxe insights sobre como o setor pode adaptar os bufês.
A equipe do empreendimento entende que, embora o bufê seja interessante para atender a alta demanda — o hotel chega a hospedar quase 900 pessoas — ele precisa considerar o consumo consciente e a experiência do hóspede. Para Moreira, a criatividade é essencial. Ele adotou a lógica do “menos é mais”, mantendo foco na qualidade.
Essa abordagem se traduz em escolhas concretas que elevam a satisfação do cliente. Por exemplo, a variedade de pães no café da manhã foi reduzida, mas a qualidade aumentou. O gerente explica que a mudança melhora a experiência do hóspede e diminui o esforço da equipe.
Experiência e eficiência operacional
O café da manhã é ponto crucial, pois todos os hóspedes passam pelo bufê. Para elevar a experiência, o hotel investe em finalizações feitas diante do cliente. “Hoje, colocamos algumas guarnições nas estações e finalizamos as proteínas na frente do hóspede”, afirma Moreira. A estratégia aumenta o retorno do hotel e reduz desperdício, já que a exposição de grandes quantidades de alimentos é controlada.

A lógica do “menos é mais”, mesmo que ocasionalmente gere filas, é gerida por um pool de estações, evitando espera excessiva. Moreira reforça o papel do formato híbrido e do live cooking para oferecer experiências diferenciadas.
A comunicação dessas ações é essencial, pois eleva a percepção do hóspede sobre o hotel. O empreendimento destaca os detalhes de cada prato e explica os motivos do consumo consciente. “Quando o hóspede vê o trabalho que está sendo feito e o propósito dessas iniciativas, ele enxerga de forma diferente”, conclui.
A transformação dos bufês na hotelaria brasileira reflete uma mudança de paradigma: de modelos volumosos e padronizados para experiências personalizadas, sustentáveis e de maior qualidade. Entre a eficiência operacional e o encantamento do hóspede, os hotéis encontram novas formas de oferecer gastronomia memorável, mostrando que o futuro do setor passa por criatividade, propósito e atenção aos detalhes.
(*) Crédito das fotos: Divulgação